Rosana Hermann

As redes sociais mataram o programa Casos de Família

Público não precisa mais da TV para ver barracos e dar pitacos neles

Apresentadora Christina Rocha em Casos de Família - Vinicius Pereira - 15.nov.13/ Folhapress

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

O SBT anunciou na última terça-feira (23) que, depois de dezoito anos no ar, as gravações do Casos de Família foram suspensas. O último programa será exibido no dia 07 de setembro.

Dizem que a atração tem chance de voltar em 2023. Acredito, porque na grade de programação do SBT tudo pode acontecer.

Fato é que, até tio Silvio mudar de ideia, termina aqui essa mistura peculiar de talk show com reality, autoajuda com luta livre e barraco, tudo devidamente ilustrado com muito humor, sempre presente nos temas e nas legendas na tela, tais como:

> "Mulher dorme na cama entre a filha e o genro: 'Pra não ter mais neném'"
> "Voltar com ex é igual colocar a mesma roupa depois de tomar banho!"
> "Homem para mim é que nem pão de forma: chato, quadrado e fácil de dobrar"
> "Não sou pombo para receber migalhas"
> "Não gosta de limpar a casa, mas passa o rodo na balada"
> "Larissa diz que toma tanta pílula do dia seguinte que já está em 2052"

É tanta pérola que dá para fazer um colar de três voltas!

E aí vem a pergunta: se o programa era divertido, mostrava casos inusitados de marido que chamava a mulher tocando sininho, mulher ciumenta que vigiava o marido até no banheiro e filho que encontrava o amante da mãe pelado, por que acabou?

Bem, há duas possíveis respostas. A primeira é a baixa audiência. O SBT quer manter a vice-liderança, mas tem perdido público até para a Band.

A segunda é que com a expansão da internet e, principalmente, com as redes sociais, o mundo da comunicação não é mais o que era antigamente.

Casos de Família estreou em 2004, como a versão brasileira de um programa venezuelano de mesmo nome, tendo Regina Volpato como apresentadora. Era um programa popular que levava a sério os temas discutidos com os anônimos que contavam seus problemas de relacionamento familiar. Cinco anos depois, em busca de mais audiência, Silvio Santos mudou o formato e o programa ficou sensacionalista, escrachado, barraqueiro e desbocado. A apresentadora Regina Volpato não quis continuar nesse formato e Christina Rocha assumiu o comando em 2009, justamente o ano do "boom" do Twitter no Brasil, quando os "famosos" entraram na plataforma. E aí a coisa virou.

Porque se, de um lado, as redes geram memes que alavancam a audiência, por outro, as pessoas também começaram a perceber que muitos casos pareciam "armados" e que participantes que contavam seus casos já haviam aparecido em outras emissoras e com outras histórias, gerando desconfiança de serem figurantes contratados.

E teve outro motivo ainda mais forte: nós passamos a encontrar e discutir nossos próprios "casos de família", nas mesmas redes sociais onde navegamos. A gente não precisa mais da TV. Ao contrário, a TV é que busca pauta nas nossas conversas.

O caso mais recente foi o de uma ex-estudante de psicologia do interior de São Paulo que se envolveu com um garoto que estudava veterinária na mesma instituição. A mãe da menina descobriu, achou que o garoto estava levando a filha para o caminho das drogas e mandou um monte de áudios desaforados, chamando o rapaz de maconheiro, entregador de botijão de gás, dizendo que sua filha tinha muito mais "poder aquisitivo" que ele. Os áudios viralizaram e, durante uns dois dias, só se falava nisso.

Assim como no programa de TV, não se sabe se foi tudo verdade ou se teve armação. Mas nas rede sociais, ao contrário da televisão, as pessoas têm como brincar de detetive e investigar os envolvidos, comentar em todas as plataformas, gerar memes, criar as próprias legendas engraçadas e fazer o que todo mundo mais ama, que é participar e dar pitaco. Teve gente dizendo que a filha fazia psicologia para tratar a mãe, gente fazendo remix de áudio, gente dizendo que a mãe era atriz pornô. Até o Paulo Vieira trocou a foto do perfil por um entregador de capacete em homenagem ao caso.

Ou seja, hoje, nas redes sociais podemos escolher nossos próprios casos para discutir, brincar, divulgar, julgar e condenar. E é por isso que o Casos de Família acabou.

Só espero que ninguém seja demitido do programa do SBT. Afinal, uma pessoa que cria uma legenda como "minha filha pega mais bandido que a polícia" merece não só continuar contratado, mas receber um bom aumento.