Krishna Mahon
Descrição de chapéu Sexo

Rita, Lulúcifer e Madre Teresa

Os hormônios e as entidades que fazem download na gente

Obra do artista Victor Gáspari - @narizcoletivo no Instagram

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Ah, leitor... A gente já se conhece, né? Vou me abrir pra você e contar um "causo" muito íntimo, então não espalha, tá? Aos 12 anos, cheguei esbaforida de uma festa contando pra vovó: "Quando a gente dança junto com os meninos sobe um calor aqui, no pescoço né?". Eis que vovó, que tinha casado virgem e fazia novela solta: "Enquanto tá subindo tá bom, porque já já esse calor desce". Foi nessa época que a Rita apareceu.

Rita é o nome que dei recentemente a uma das três entidades que me habitam. Não, não tenho transtorno dissociativo de identidade, tipo aquele personagem do filme "Fragmentado". É que a mulher é mamífero e esse lembrete sanguinário mensal da natureza vem com fases como as da lua, como as marés, mesmo que a gente não queira.

Os gregos chamam Rita de Afrodite, os egípcios de Ísis, Pomba Gira para umbanda e candomblé, período fértil para os biólogos e os médicos enxergam a alta do estrogênio, o hormônio.

"Amor é fogo que arde sem se ver", só com muito fogo no rabo de Camões pra um verso desse sair. Pois Thierry queimava do mesmo jeito quando cantou 'volta, Rita, que eu perdoo a facada. Volta, Rita, não me deixe. Volta, Rita, que eu retiro a queixa'. Ah, leitor, se seu refinamento musical não te permite chegar às profundezas do brega, sertanejo e até axé, a Phoda Madrinha aqui te dá esse passe.

Rita foi batizada no meu caso pelo Tierry, mas muito antes de fazer o download no meu corpo todo mês, de que aliás ela já tem usucapião, ela já inspirava todos os gêneros da história da música, além de poesia, literatura, artes plásticas... Até na dança a Rita chegou. O copyright de clássicos populares como o quadradinho de 8 e a dança da boquinha da garrafa, que não devolveu o casco, diga-se de passagem, é da Rita.

"Big Mouth", série sensacional da Netflix, que retrata ipsis litteris o calvário da puberdade, mostra a luta interna que acontece na gente quando vem a onda dos hormônios. Eu morria de vergonha, porque a Rita é vagabunda, né? Há uma castração machista que quer que os meninos peguem geral e as meninas se resguardem. Então uma parte minha queria dar mole, flertar, outra pensava 'melhor não'. E nessa dualidade eu e um monte de mulher só se permite ser levada pelas correntes do desejo, fingindo (às vezes acreditando mesmo) que navegava na direção do amor.

Só que a danada que causa fogo no rabo é a mesma que dá tesão pra outras áreas, pulsão de vida, força para as batalhas. Certeza que foi Rita quem impulsionou nossas deusas precursoras: Cleópara, Joana D'Arc, Dandara, Maria Quitéria, Simone de Beauvoir, Leila Diniz, Marília Mendonça, Anitta...

A menopausa chega aos 50, então achei que fosse me livrar da Rita logo agora que me apeguei à bichinha. Mas a onda é a tal da reposição hormonal usando, entre outros hormônios, a testosterona. Meu amigo Malu, que era minha companheira do Mulheres do Audiovisual Brasil, e tá fazendo transição virando um gato, começou a tomar testosterona, numa dose mais alta que a da reposição, claro, mas ele me contou a primeira dose já chegou como lenha na fogueira pro fogo no rabo. Ou seja, vida longa à Rita!

Só que depois do período fértil vem quem? A menstruação. Lulúcifer, entidade que aparece uns dias antes da menstruação, quer ver sangue, não necessariamente o dela. Quando começo a chorar por nada, ou espumar de raiva por dentro, olho o aplicativo e invariavelmente ele diz: faltam 5 a 3 dias para a próxima menstruação.

Imagine ter uma versão pior de você todo mês. Pra quem nunca menstruou, um Google básico vai te mostrar que há um aumento de sensibilidade e agressividade. Se existe capeta, a TPM é obra dele. Lulúcifer é o cão. Ela quer matar o chefe, dar voadora grátis, até reclamar do bebê chorando no voo.

O sistema nervoso central da gente entra em curto-circuito, com a baixa da serotonina (responsável pela sensação de bem estar), então quando Lulúcifer aparece é como se uma lente acinzentada cobrisse a minha visão. A vida perde seu brilho natural. Ah, nem... Lulúcifer é amarga que nem Novalgina, ruim nível Carminha, Nazaré Tedesco, Regina George ("Meninas Malvadas"), saca? Ela dá até medo, porque planeja vingança contra gente que eu amaria na vida real. Digo vida real, porque graças às deusas ela é a entidade que menos me habita.

"Deixa de ser Madre Teresa! Vai acabar dando de dó". Ouço esse bullying amoroso desde que trabalhei na Discovery nos EUA e ganhei dois dos meus melhores amigos, Dani e Tunic. Os dois volta e meia me chamam de Madre Teresa. Quando criei em 2016 a Imprensa Mahon (@imprensamahon), uma entidade sem fins lucrativos, ouvi "Alá a Madre Teresa". É ela quem tem saco de filó, acolhe hater no meu Instagram @krishnamahon, tenta sensibilizar hétero topzera, até fala com carinho com atendente de telemarketing. Madre Teresa tem fé na humanidade e acredita que o melhor está por vir. Aliás, é a Madre Teresa quem criou a Phoda Madrinha que abençoa os seres transantes aqui na Folha e todo sábado na Band, no SexPrivé Club.

Independente de você ser mulher, homem, cis ou trans, a Phoda Madrinha deseja que você tenha o fogo no rabo e a força da Rita, a compaixão e empatia da Madre Teresa, sabendo compreender e acolher, mas que acima de tudo, Lulúcifer não faça download no seu corpo com frequência.