Em busca do ménage perdido: Antes gozar a três tarde do que mais tarde ainda
O que realmente faz um sexo ser bom é as pessoas serem legais
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"Nasci pra isso!", disse uma amiga de quase 50 anos que me contou empolgada sobre seu primeiro ménage.
"Era uma festinha, tinha pouca gente, muito mais mulher do que homem. Os poucos caras ali eram todos casados. Daí tava na pista dançando feliz. Eis que aparece essa mulher linda, começa a dançar perto, falar comigo, oferecer drink... Demorei, mas quando entendi falei pro fulano: 'ela está a fim de mim'. E ele: 'brilha, gata'".
Quando minha amiga, que estava isoladaça, super precavida do coronga, contou que pegou pela primeira vez uma mulher deu uma esperança danada que um neo-iluminismo esteja brilhando no fim do túnel.
Há uns anos tenho sentido a gente entrar num neo-obscurantismo, um período de ode à ignorância, uma resistência burra à ciência e cultura em geral. Como na história, como diz Jeanne Marie Gagnebin comentando Adorno, "não há repetições idênticas [...], mas sim retomadas e variações", comentei com amigos jornalistas e historiadores dos tempos que eu era diretora de conteúdo do History Channel, que torcia por um neo-iluminismo, com verve, energia criativa, o povo pirando, feliz, solto, se amando.
Minha amiga abriu um sorrisão, contou os detalhes engraçados que envolviam a rinite alérgica (ziquizira que temos em comum desde sempre), um gato (o animal mesmo) e o gozo, óbvio. Não sei se vocês têm amigos assim, mas a gente fala de tudo: tamanho do peru dos caras, se durou, o quão bom ou cagado foi, então claro que ia falar de mulher também.
Há um oceano para explorar entre as relações humanas, e a gente ali na beirinha molhando os pés, tomando coragem para dar uns mergulhos gostosos, enquanto outros se descobrem exímios nadadores. Raros e invejados são os surfistas.
"Não contaram que a gente podia!". Entre a indignação e a felicidade da descoberta, ela relembrava que a gente viveu em um mundo bem mais castrador, misógino, machista, homofóbico. Beeeeem mais. Mas muita gente ainda não sabe que pode.
Porém, a quantidade daqueles em busca do tempo perdido vem aumentando, e esses estão mergulhando na proustaria de cabeça. E, como diz Proust, "a verdadeira viagem do descobrimento não consiste em procurar novas paisagens, mas em ver com novos olhos"; então, todos esses elementos de felicidade da descoberta e indignação dessa minha amiga, que viveu na mesma época que eu, talvez possam ser entendidos como ela tendo visto com novos olhos (tal como mostra a frase de Proust) algumas possibilidades que sempre estiveram em potência, mas que nossa época castrava intensamente essas paisagens. É importante espalhar a palavra —nesse caso dessa Phoda Madrinha que vos escreve, rs.
O fato é que a mulher que minha amiga pegou era casada e chamou minha amiga para um encontro com o marido e outra amiga. O melhor foi a gente escolhendo roupa pro tal encontro. Roupa que sirva para bater papo, fazendo a intelectual interessante, para ménage, ou ainda para uma suruba, porque vai que a amiga e o casal estavam para jogo, né?
No primeiro encontro já rolou um beijo a três, que fiquei curiosa para entender os encaixes. No segundo já foram para as cabeças. "Morro de medo de sobrar, ou de não saber onde me encaixar" contei tímida; sim, eu sei que vocês não acreditam, ainda mais quem me segue no Instagram @krishnamahon, mas não trabalhamos com fake news. Nunca dei um beijo a três. "Imagina! Nasci pra isso!", ela repetia cheia de si gesticulando as mãos, num gesto certeiro com a potência de um golpe de karatê com uma mão que acertava a palma de sua outra mão, "nasci pra isso!"
Quanto mais a minha amiga me contava do encontro-ménage, mais a gente concluía que independente do quanto ela e a mulher tinham dado match, o quão gato e gostoso o casal era, o que realmente faz um sexo ser bom é as pessoas serem legais. Isso vale para sexo a dois e três, gay e hétero, cis e trans.
Tenho uma conhecida que trabalha no mundo do sexo e tenho certeza que pega o peru com guardanapo, com aquele nojinho de quem não se entrega à coisa, de quem quase nunca goza. E ainda é desinteressante a bichinha. Mó dó. E tenho amiga completamente fora do "padrão de beleza" (taí um trem que a gente torce para ser extinto) que certamente entrega muito mais do que promete. Dá para sentir o fogo no rabo e o encantamento de longe. Entre as duas, sei que é impossível não achar mais gostoso com a segunda.
E o que é gostoso ou legal para um, não necessariamente é para o outro. Que delícia ter tanta possibilidade, né? No último filme do Ben Affleck, "Águas Profundas", fiquei na esperança de ele viver uma relação não monogâmica legal, mas me enganei. Para tantos modelos possíveis diferentes, são poucos filmes e séries que falam disso, dos encontros e desencontros, dos apps, das descobertas, dos ajustes de rota.
"Lov3", série da Amazon Prime criada por Felipe Braga e Rita Moraes, da Losbragas, escrita por Rafael Lessa, Filipe Serra e Duda de Almeida, trata sexo e afeto num lugar mais novo e infinitamente mais interessante que tudo que já vi. E ó que eu vejo de tudo, tudo mesmo. Relacionamento em pleno alargamento, trisal, poliamor. A série abre a cabeça, esquenta o coração e o rabo. Tipo krush bom. Confia.
A Phoda Madrinha quer que você entenda que você pode ser feliz sozinho, a dois, brilhando num ménage de vez em quando, como a minha amiga, num trisal, numa relação de poliamor, numa relação gay, no que você quiser. E que nunca, nunquinha mesmo, é tarde para você se descobrir.