Após denúncias sobre racismo, Globo produz dossiê para elenco
Com dados, história e artigos, estudo foi elaborado para elenco de 'Amor Perfeito', novela protagonizada por família inter-racial
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Com uma família inter-racial como protagonista da próxima novela das seis, "Amor Perfeito, a Globo distribuiu para elenco e toda a equipe um parrudo estudo sobre racismo, contendo dados e comportamentos possíveis para calçar seus profissionais de argumentos capazes de combater a segregação.
O dossiê, ao qual a coluna teve acesso, já serve, por exemplo, para munir os atores de informações na hora de contestar comentários em redes sociais como as que já surgiram contra a escalação de Levi Asaf como filho de Diogo Almeida e Camila Queiroz. O trio forma a família protagonista da novela de Duca Rachid e Júlio Fischer, que estreia em 20 de março próximo.
Houve quem dissesse que o menino é mais escuro que o ator e não poderia ser filho do casal. "Quando te perguntarem se a família Marê x Orlando x Marcelino é possível, diga que sim, todas as famílias são possíveis e necessárias", informa o estudo, que apresenta vários casos similares com personalidades da vida real.
A pesquisa é quase um cursinho para sublinhar cacoetes resultados de um racismo por tanto tempo velado no Brasil --e por isso mesmo tão mal discutido e mal curado--, que geram problemas como os enfrentados pela emissora em "Nos Tempos do Imperador".
Além das questões levantadas nos bastidores da recente novela das seis, que hoje rendem à Globo um processo em andamento no Ministério Público do Trabalho, o folhetim também escorregou feio em uma cena que insinuava a existência de racismo reverso, com uma branca que se julgava discriminada por negros.
Mas o estudo da vez vai especialmente ao encontro do enredo, e lembra que 21 de março é o Dia pela eliminação da Discriminação Racial. A novela estreia bem na véspera.
O material cita dados demográficos e artigos que apontam para o contexto do racismo no Brasil, da escravidão até hoje, passando por eugenia e outras tentativas de apartar a população negra e miscigenada.
Texto de Lélia Gonzalez menciona Chacrinha admitindo o quanto as câmeras de TV ignoravam os negros de seu auditório e como é longa a reparação dessa invisibilidade.
"O futuro é mestiço", avisou um senhor na rua, quando viu Luana Genót passando de mãos dadas com seu companheiro, anos atrás. O relato vem de texto assinado por ela e reproduzido pela mesma pesquisa agora preparada pela Globo para o pessoal de "Amor Perfeito".
"Aquele homem não estava de todo errado", segue Genót. "Louis, homem branco, e eu, mulher preta, casamos e tivemos Alice, que é parda. Temos colocado a discussão sobre o racismo estrutural em nossas mesas e tentado quebrar vários tabus todos os dias. Fácil não é. Não é incomum perguntarem ao Louis se Alice é adotada ou atrairmos olhares de curiosos quando vamos nós três a um restaurante. E essa não é uma história só nossa. Muitos casais inter-raciais já passaram por situações parecidas. Não podemos normalizar esse estranhamento e o tratamento diferenciado."
Genót lembra que a miscigenação e os casamentos inter-raciais não significam o fim do racismo. "Aprendi nessa jornada que um casal inter-racial não é sinônimo de que o racismo acabou nem de que o antirracismo venceu. Os discursos e as atitudes são construídos diariamente."
O estudo cita artigos do século passado e resgata informações sobre as feridas deixadas por tentativas de embranquecer uma população composta por ex-escravizados e seus herdeiros, vítimas do doloroso e longo processo de escravidão praticado com pessoas trazidas de países africanos.
A novela se passa em 1942, que "marca o questionamento mais profundo e agressivo dos intelectuais brasileiros à pretensa cientificidade da eugenia", informa o dossiê. E o caso é a 2ª Guerra Mundial e a conscientização cada vez maior dos horrores do nazismo."
São 39 páginas de dados, reprodução de artigos, dicas de leitura, gráficos e informações sobre todos os aspectos que contemplam o contexto da novela, sustentada pelo amor entre um negro e uma branca como casal protagonista. O par terá os tradicionais conflitos de melodrama reforçados justamente pelo preconceito que pautava --e ainda pauta-- a sociedade.