Casagrande, Maria Ribeiro e Thiago Lacerda testemunham demarcação inédita
Trio se emociona com doação de território a pataxós em jogo encabeçado pelo comentarista na aldeia Katurãma
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Longe dos holofotes e frivolidades que normalmente ditam a rotina da maioria das celebridades, os atores Thiago Lacerda e Maria Ribeiro, e o comentarista e ex-atleta Walter Casagrande Jr. experimentaram o prazer da desaceleração e da inevitável contemplação de quem visita uma aldeia indígena, mas não em um dia qualquer.
Estamos em São Joaquim das Bicas, terra vizinha a Brumadinho, em Minas, na aldeia Katurãma, onde a Associação Nipo-brasileira acaba de formalizar a doação de uma área que lhe pertencia aos pataxós. A ocasião foi celebrada por meio de um evento que vem sendo planejado há meses por iniciativa de Casagrande e Célia Xakriabá: um jogo de futebol unindo atletas indígenas e personalidades, como ele mesmo anunciou no Altas Horas ainda em maio, e como esta coluna relatou em junho.
A cena finalmente aconteceu na última sexta, 23, e foi testemunhada por indígenas das linhagens Xakriabá, Krenak, Maxakali, Xucuru Kariri, Tikuna, Kambiwá, Yawanawa e Tapajó, vindos de outros cantos do país, como informou o repórter Leandro Aguiar, em reportagem para o UOL.
A escritura foi entregue às mãos da cacique Célia Hã Hã Hãe, também nominada como Cacica Ângoho, pelas mãos de Rogério Nakamura, vice-presidente da Associação Nipo-brasileira: "O que a associação deseja, de todo o coração, é que vocês vivam suas culturas, sua religiosidade, suas vidas, com segurança, que vocês vivam realmente com dignidade e em paz nessa terra", disse ele. "Pra nós é muito importante que esse projeto se consolide."
Os indígenas chegaram por ali após o rompimento da barragem da Vale, ocorrida em janeiro de 2019, que afetou o território onde estavam. Cientes que essa área em São Joaquim de Bicas era de preservação ambiental e vinha sofrendo assédio de grileiros, os indígenas procuraram os proprietários do local para pedir autorização de ocupar o espaço e zelar por ele.
Em vez disso, os integrantes da associação acharam por bem doar formalmente as terras aos indígenas.
DEMARCAÇÃO
A ocasião veio a calhar para a realização do jogo planejado por Casagrande, que ganhou a adesão de um grupo de voluntários. A ideia do evento, batizado como "Sem Demarcação não Tem Jogo", era chamar atenção e dar visibilidade a uma causa urgente: a demarcação de terras indígenas e o respeito a áreas que há séculos pertencem aos povos originários.
A população indígena, que nunca foi devidamente honrada no Brasil, enfrenta nos últimos quatro anos o completo descaso de autoridades em relação a leis ambientais e o incentivo do atual governo ao que ficou conhecido como "passar a boiada", como disse o ex-ministro do meio ambiente Ricardo Salles em reunião ministerial ocorrida no dia 22 de abril de 2020.
Foi nesse contexto que os times presentes no jogo promovido para celebrar a escritura conquistada pelos pataxós em São Joaquim de Bicas traçaram, com cal, as linhas equivalentes a um campo de futebol, termo usualmente adotado para mensurar as perdas que acumulamos em desmatamento,
"Bolsonaro e seus ministros são os cabrais do século 21, porque nós somos o povo que resiste pela força do cantar. Antes do Brasil da coroa, existe o Brasil do cocar", afirmou Célia Xakriabá.
A cacique Shirley Krenak endossou: "É chegada a hora de a sociedade deixar de ser um povo dominante para ser um povo pensante. É chegada a hora de mudança, é chegada a hora de trabalhar a política de um jeito coletivo de verdade, uma democracia que nunca foi feita de uma forma realista. É chegada a nossa hora, gente".
ATIVISMO DE QUEM TEM VOZ
Para Casagrande, a imersão na aldeia Katurãma teve efeito terapêutico, coisa de quem normalmente sai transformado de uma experiência que pressupõe valores tão diferentes da desenfreada rotina urbana que nos é imposta.
"Voltei para minha casa sendo uma outra pessoa, mas ainda não identifiquei essas mudanças. Precisarei de um tempo para me adaptar ao meu novo eu", disse ele
Para Maria Ribeiro, "a gente tem que voltar a amar o Brasil, a gente tem que ter orgulho da camisa da nossa origem, dos indígenas, dos povos originários, da diversidade, das etnias".
"Viva os povos originários brasileiros", falou Thiago, celebrado por vários indígenas que o acompanham há anos pelas novelas da Globo.
TIMES EM CAMPO
A realização do evento Sem Demarcação não tem Jogo envolveu uma lista de nomes de um grupo homônimo que se formou em torno da iniciativa. Além da Cacica Ângoho, Célia Xakriabá e Casagrande, o time que colocou o evento em pé contou com Ana Mesquita, Bruna Marcatto, Elisangela Guanaíra, Felipe Altenfeder, Gustavo Pizzi, Irlana Cassini, João Rosa, Mïdia Ninja, Moara Passoni, Nara Mendes e Wallison Amin.
Os brasões e uniformes dos times Floresta e Terra contaram com a assinatura de Washington Olivetto. Maria Ribeiro e Thiago Lacerda foram convidados a prestigiar a causa.