Bauru criado no Ponto Chic em 1937 se tornou o sanduíche mais querido e conhecido do Brasil
Famoso lanche ganha versões variadas até em outros países
Anos atrás eu fiz uma viagem à pacata Montevidéu. Qual não foi o meu espanto quando me deparei com uma empanada de bauru de cerdo? Em pleno Mercado del Puerto, um dos principais polos gastronômicos da capital vizinha, jamais imaginaria ver o salgado predileto dos “charrúas”, com um acento brazuca. A versão uruguaia do recheio, com carne de porco, só mostrou quão grande se tornou o sanduíche bauru em seus 82 anos de vida.
E falar de bauru é falar do Ponto Chic. Afinal de contas, foi nesse nonagenário restaurante que tudo começou. A história do sanduba mais famoso do Brasil é bem difundida. Em 1937, o estudante de direito Casimiro Pinto Neto, mais conhecido como “Bauru”, acabara de ler “O Livro das Mãezinhas”. A publicação orientava como fazer refeições equilibradas, com proteínas, fibras e carboidratos. Ao chegar ao Ponto Chic, no Largo do Paissandu, o jovem deu as coordenadas para o chapeiro: rosbife, queijo derretido e tomate. Um amigo provou e logo ordenou: “me dá um desse do Bauru”. Rapidamente, a receita se espalhou pela cidade.
Em alguns anos, o bauru se tornou uma preferência nacional. Ganhou diferentes versões e acentos por esse Brasil afora. A mais comum, que vai em sanduíches, salgados, pastéis e até mesmo pizzas, leva presunto, queijo e tomate. Mas o bauru ao Ponto Chic é leal à receita original: queijo fundido, rosbife, tomate e, ainda, picles de pepino.
Mas o que me impressiona é a perenidade do sabor. Vou desde garoto ao local e, agora, de barbas brancas, posso dizer que o sabor é sempre o mesmo. “Nossa maior responsabilidade é manter o sabor inalterado. Pois um cliente que volta aqui depois de dez anos deseja a mesma experiência que teve anteriormente”, conta Rodrigo Alves, que já é a quarta geração de proprietários do Ponto Chic.
“A nossa bússola é a tradição. Não vendemos comida, nós vendemos tradição.” É dessa maneira que Rodrigo encara o negócio. A casa “esconde” toda a tecnologia que usa. Os garçons anotam os pedidos no bloco de papel. “Usar tablets ou celulares quebraria o encanto. A experiência no Ponto Chic tem de ser mágica”, conclui Alves. Ele ainda conta que 25% da folha de pagamento é de funcionários acima dos 60 anos. Grande parte dos garçons é experiente, como o simpático Miguel Moreira Neto. Miguel trabalha há 40 anos no local. É daquelas figuras carimbadas, que te deixam à vontade. Muita gente vai ao Paissandu só para bater um papo com ele. Sobre essa relação com a clientela, o garçom conta com orgulho o dia em que estava de férias em Fortaleza e foi reconhecido por um cliente da casa.
O Ponto Chic é pura história. Testemunha da transformação de São Paulo em metrópole. A casa fundada por Odílio Cecchini e Antonio Milanese nasceu com a Semana de Arte Moderna, em 1922. Viveu intensamente os combates da Revolução Constitucionalista de 1932, quando o próprio Milanese morreu no conflito. Fez parte da “era do rádio”, uma vez que as grandes emissoras ficavam todas no centro da capital. Era comum radialistas usarem o telefone do Ponto Chic para transmitir notícias às suas redações.
O mundo do circo também tem uma relação estreita com a lanchonete. Nos anos 1920, a região do Paissandu abrigava os importantes circos Queirolo e Alcebíades. Este último contava com o maior palhaço de todos os tempos, o genial Piolin. Além disso, até os anos 1990, donos de circo e artistas se encontravam em frente ao Ponto Chic. Era o lendário “O Café dos Artistas”, onde negociavam as turnês e contratavam os artistas.
O sanduíche, recheado de tanta história, é agora um patrimônio cultural imaterial. O bauru foi agraciado no fim de 2018 com seu tombamento pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Governo do Estado de São Paulo). No Ponto Chic são feitos 130 mil baurus por mês. Pelo país, devem ser milhões de sanduíches. Cada um à sua maneira. Mas, com certeza, o sanduba é preferência nacional.