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Jennifer Hudson diz que todo artista precisa encontrar Aretha Franklin

Atriz, que era amiga da cantora, protagoniza sua cinebiografia agora

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Jon Pareles

Jennifer Hudson, 39, teve muito tempo para pensar sobre como interpretar Aretha Franklin nas telas. Em 2007, pouco depois de ela receber um Oscar como melhor atriz coadjuvante –por interpretar uma cantora em “Dreamgirls – Em Busca de um Sonho”—, Franklin lhe disse que ela deveria interpretá-la em uma cinebiografia, o que deu início a uma amizade que durou dez anos e que incluía conversas semanais.

Como Franklin, Hudson cresceu cantando na igreja e despejou o talento adquirido cantando gospel na interpretação de canções pop. E como Aretha Franklin, cuja mãe morreu de ataque cardíaco aos 34 anos, Hudson também sofreu uma perda repentina e devastadora: sua mãe, irmã e sobrinho foram assassinados em 2008 em Chicago.

Ao longo de sua carreira, Hudson prestou tributo a Franklin repetidas vezes, começando ao selecionar uma canção do repertório dela para sua audição no programa American Idol em 2004; em 2018, no funeral de Franklin, ela cantou “Amazing Grace”. Agora, Hudson interpreta a estrela na cinebiografia “Respect”, em cartaz nos cinemas americanos e que deve chegar aos cinemas brasileiros em 9 de setembro.

“Todo artista, todo músico, precisa encontrar Aretha, especialmente se você deseja ser grande”, disse Hudson em uma entrevista por vídeo de Chicago, onde vive; seu gato cinzento, Macavity, passeava ao fundo. “Ela sempre esteve presente em minha vida de alguma forma, mesmo que eu não soubesse”.

Enquanto Hudson explicava as escolhas que orientaram seu desempenho, disse que, ao longo do filme, ela veio a compreender até que ponto Franklin serviu de “projeto básico” para ela. “A música que cantávamos na igreja vinha dela. A versão de ‘Amazing Grace’ que cresci cantando na igreja veio do álbum ‘Amazing Grace’ que ela gravou. Só percebi isso fazendo minhas pesquisas para o filme”.

Hudson é a estrela e a produtora executiva de “Respect”. O filme acompanha a vida de Franklin da infância– como um prodígio vocal no coral da igreja de seu pai, o reverendo Clarence Franklin— e passa por uma gravidez aos 12 anos de idade, pelos anos de frustração como cantora de standards de jazz na gravadora Columbia Records para chegar ao seu triunfo como Rainha do Soul na gravadora Atlantic, sem deixar de lado as pressões e o alcoolismo que colocava em risco tudo que ela realizou.

A história termina em 1972, quando Franklin retornou às suas raízes na igreja para gravar um histórico álbum de gospel ao vivo, “Amazing Grace”.

“Respect” é o primeiro filme dirigido por Liesl Tommy, nascida na África do Sul na era do Apartheid e que trabalhou extensamente em teatro, dirigindo clássicos com concepções modernizadas e peças modernas de forte teor político como “Eclipsed”, sobre mulheres durante a guerra civil na Libéria. (Ela foi indicada ao Tony como melhor diretora por essa produção.)

“Quando propus minha ideia para o filme”, disse Tommy, por telefone de Los Angeles, “a ideia seria que o começo seria na igreja e o final seria na igreja. O tema era a mulher com a melhor voz do planeta enfrentando dificuldades para encontrar sua voz. Eu queria descobrir de que modo uma pessoa canta com tamanha intensidade emocional”.

“Muitas pessoas têm vozes maravilhosas”, ela prosseguiu, “mas ela é a única que interpreta as canções como faz. Não acho que seja possível se tornar a Rainha do Soul se a viagem for fácil”.

Franklin voltou a ser celebrada depois de sua morte em 2018. O filme que registra o show que resultou no álbum “Amazing Grace” e nunca tinha sido lançado, enfim saiu este ano. E a National Geographic dedicou toda uma temporada da série “Genius” a Franklin, com Cynthia Erivo no papel da cantora. “Aretha Franklin viveu uma vida que permite muitas, muitas versões, das tantas histórias que existem sobre ela”, disse Tommy. “E é o que ela merece”.

“Respect” justapõe as correntes políticas e pessoais da carreira de Franklin: a transformação de “Respect” em hino feminista e ao mesmo tempo seus problemas com um marido abusivo; a presença regular ao lado do reverendo Martin Luther King e ao mesmo tempo o apoio a figuras controvertidas como a ativista do Black Power Angela Davis.

Uma das cenas mais emotivas mostra Franklin cantando no funeral de King. “Imagine ser Aretha Franklin naquela era e ver o reverendo King, de quem ela era muito próxima, assassinado”, disse Hudson. “Imagine o sofrimento e a dor que ela estava vivendo. Mas, em sua posição, ela ainda tinha de ser a pessoa que servia como fonte de luz em uma era tão escura. Muito difícil”.

Mas ainda assim Tommy e Hudson estavam determinadas a conferir posição central no filme à música de Franklin. “Todo mundo comenta que jamais viu uma cinebiografia com tanta música na qual se pode ouvir canções inteiras”, disse Hudson. “Não se trata de um musical. É uma biografia cinematográfica sobre artistas, músicos. Mas não me lembro de outra cinebiografia ou musical feito dessa maneira”.

Como produtora executiva, disse Hudson, “eu queria garantir que as canções certas estivessem no filme. Eu queria ‘Ain’t No Way’. Se eu fosse só atriz, não teria direito de escolha, mas como não sou, pude insistir e dizer que sem ‘Ain’t No Way’ não faríamos o filme”.

Em uma longa sequência em um estúdio de gravação, as irmãs de Aretha, Carolyn e Erma Franklin, cantam todos os backings [da canção] –não Cissy Houston, cujo contraponto transfigura a gravação. “Nesse caso, foi licença poética”, disse Tommy. “Havia um limite para o número de personagens que podíamos incluir”.

Para criar presença, Franklin gravou as cenas de shows de Franklin cantando ao vivo diante da câmera –não dublando no estúdio ou acrescentando vocais posteriormente.

“Queria experimentar o mesmo que ela experimentou em vida”, disse Hudson. “Sempre que recriamos alguma coisa, reencenamos o que ela fez em vida. Se a ocasião era ao vivo, a decisão sempre foi a de fazer a rodagem ao vivo. Gravamos ‘Amazing Grace’ ao vivo. ‘Ain’t No Way’ ao vivo. ‘Natural Woman’ decidimos cantar ao vivo. Para que pudéssemos ser autênticos com relação ao que ela foi na vida”.

Franklin era uma pianista talentosa de gospel, além de cantora, dois talentos que desenvolveu na infância na igreja. Seus primeiros álbuns para a gravadora Columbia, que não fizeram sucesso comercial, tinham arranjos orquestrais complicados e o acompanhamento de músicos célebres de jazz. Eram gravações elegantes, mas já antiquadas na década de 1960.

O retorno dela ao piano foi um dos catalisadores para seus sucessos inesquecíveis na Atlantic, definindo o groove com uma base de gospel e construindo uma cadeia visceral de chamado e resposta entre suas mãos e sua voz. “Foi minha escolha como atriz dizer que não era possível interpretar Aretha Franklin sem aprender um pouquinho de piano”, disse Hudson.

“E agora, quando estou estudando música, eu não olho só para a linha superior, a linha da melodia, do canto. Penso mais como arranjadora. Penso no tom em que a canção está, na progressão”.

Hudson também refletiu sobre como reinterpretar as canções de Franklin. As vozes delas são diferentes: a de Hudson é mais aguda e mais clara, a de Frankin mais próxima ao blues, mais roufenha, e Hudson queria emular a estrela sem copiá-la.

“Eu estava usando a abordagem dela e permitindo que a influência dela sobre mim transparecesse enquanto usava suas inflexões e suas diferentes nuanças”, disse Hudson. “Era mais uma questão de feeling que de seguir as notas”.

A despeito de seus anos de conversas, Hudson ainda precisou pesquisar Franklin. “Aretha não era uma pessoa que verbalizasse muito a não ser pela música”, ela disse. “Sei, de minha experiência em conviver com ela, que eu nunca estava completamente segura sobre qual era minha posição, aos olhos dela. Ela não revelava muito”.

Por isso, Hudson decidiu tentar compreender a era em que Franklin cresceu e as outras circunstâncias de sua vida, a fim de perceber como era ser mulher, então. “No meu caso, só percebi literalmente no meio das cenas as coisas que ela vinha me dizendo, as coisas que a experiência dela revelava. A maior expressão dela acontecia pela música–e isso era real”.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci