Javicia Leslie, a 1ª Batwoman negra, diz que está abrindo seu caminho a cotoveladas
Atriz fala sobre interpretar a heroína na segunda temporada da série
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Javicia Leslie, 33, estava toda arrumada, mas não tinha aonde ir. Presa em casa, em quarentena severa, ela havia passado uma semana sem falar pessoalmente com ninguém fora de suas acomodações do Airbnb em Vancouver, no Canadá.
Ela estava lá para concluir a rodagem da segunda temporada de “Batwoman”, série da rede CW. Tinha acabado de voltar de uma viagem para ver a família, no período de festas, em Los Angeles. E agora nem o pessoal de cabelo e maquiagem estava autorizado a visitá-la. “Por sorte eu estava bem ocupada”, disse ela. “Nem tive tempo de me sentir sozinha."
Também não ficou nada desinteressante. Leslie que se tornou a primeira atriz negra a retratar a Batwoman na TV, iluminava o quarto em que vem morando desde agosto, em um top branco e brincos quádruplos, e usando um tom feroz de batom rosa-choque –a segunda temporada da série, em que ela estreia como protagonista, vai ao ar a partir desta sexta (29) no Brasil, na HBO e na HBO GO.
“Vou ficar por aqui até maio”, disse. “Mas pude ver a família por duas semanas, e com isso acho que vou conseguir aguentar firme os cinco meses que faltam”. Enquanto espera para retomar a filmagem da metade final da nova temporada de “Batwoman”, ela vem suportando o frio do inverno com a ajuda da série “Pose”, no canal FX, e espera ansiosamente a primavera, quando o jardim dela florescerá e Leslie estará cercada de tulipas e girassóis “de, tipo, mais de dois metros de altura”.
Quanto a isso Leslie não é tão diferente de sua nova personagem, Ryan Wilder, uma jovem moradora de rua que vive em um furgão com uma planta, antes de começar a saltar de telhado a telhado em Gotham City como Batwoman. Ryan assume o trabalho da Batwoman anterior, a rica empreendedora Kate Kane (Ruby Rose), prima de Bruce Wayne, mas, como Leslie aponta, a nova Batwoman está longe de ser uma cópia da primeira.
Ainda que, como Kate, Ryan seja atlética e uma lésbica assumida, ela também é mais selvagem, mais divertida e mais bagunceira. E enquanto Kane cresceu com dois pais que a apoiavam e foi uma das melhores alunas na escola militar onde estudou, Ryan cresceu sozinha, em ruas infestadas de criminosos. “Sei como eles pensam”, diz ela, na nova temporada. (Kate não foi morta; seu desaparecimento tem importância central na nova temporada –mas Rose preferiu deixar o papel principal no ano passado, uma decisão que ela atribuiu à dificuldade de se recuperar de um acidente sofrido no set.)
Leslie no passado interpretou o papel de Ali Finer, uma jovem religiosa mas com uma irmã ateia, cuja vida vira de cabeça para baixo quando ela recebe um pedido de amizade de Deus no Facebook, na série "Deus Me Adicionou", da rede CBS, e foi uma menina festiva mas mimada no drama sobre crime “The Family Business”, do canal BET+. Mas este é seu primeiro papel central em uma série importante.
Em entrevista, ela discutiu as consequências de ser escalada como uma super-heroína negra, falou sobre como foi sua experiência de crescer amando tanto Barbies quanto super-heróis, e sobre a diversão de fazer suas cenas de ação sem dublê (Ela estuda artes marciais). Abaixo, trechos editados da conversa.
Sua personagem, Ryan, foi criada recentemente para a série. Como ela se compara a Kate Kane?
As duas vêm de mundos diferentes. Ryan tem uma dinâmica de humor mais aparente, porque ela tem muitos defeitos. Sempre penso nela como alguém que quebra tudo em uma loja de porcelana, como se dissesse, “ops, foi sem querer, mas acabei quebrando”. Ela não é toda controlada, como a maioria dos super-heróis. Não foi uma situação em que eu tivesse me esforçado para torná-la diferente de Kate. Ela é mesmo diferente.
Você sabia, antes de ser escalada, que seria a primeira mulher negra a interpretar a Batwoman, se conseguisse o papel?
Pensei nisso em alguns momentos durante a audição, mas a coisa pesou realmente depois que fui contratada. Quando me vi pela primeira vez vestida de Batwoman em um outdoor, duas semanas atrás, tive de fazer uma pausa por um instante, para me compenetrar do momento.
Quem foi a primeira pessoa a quem você contou que foi escalada?
Minha mãe, claro. Ela ficou superempolgada. Disse: “Eu vou ser a Batmom! (mão morcego)”. É estranho dizer que sou a Batwoman, porque minha mãe foi a minha supermulher, quando eu era criança. Criou meu irmão e me criou enquanto servia no Exército, sem ajuda, e eu via a cada dia o quanto ela era poderosa.
Que outros heróis você teve quando era pequena?
Como pessoa negra, eu era muito fã da Tempestade, dos X-Men, e a Mulher-Gato era a melhor das supervilãs. Fora do mundo dos quadrinhos, meus heróis eram pessoas que usavam sua arte como caminho para o ativismo –pessoas que lutavam por seu direito de existir na indústria do entretenimento, como Diahann Carroll, Dorothy Dandridge e Nina Simone.
O que você tinha na parede de seu quarto quando era criança?
Tudo da Barbie. Eu ao mesmo tempo amava os super-heróis que via na TV e amava a Barbie, que estava sempre comigo e me permitia criar personalidades e mundos. Eu amava as Barbies negras, a Barbie Dream House e o Barbie Corvette.
Como você se sentiu na primeira vez que colocou o figurino da Batwoman?
Senti uma imensa responsabilidade por representar uma super-heroína. Aquele sinal do morcego enorme no meu peito. Fiquei empolgada, mas senti o peso.
É causa de frustração para você que tenha demorado até 2021 para que uma mulher negra fosse escalada para o papel de Batwoman?
A primeira Batwoman negra é o começo da mudança, mas deveria ter acontecido muito tempo atrás. O mundo é enormemente diverso e os papéis principais no entretenimento precisam refletir isso.
Você alguma vez já sentiu ter perdido um papel importante por ser negra?
Não que eu saiba. Mas, é claro, as coisas nunca são tão simples a ponto de me permitirem dizer que “vocês não me escolheram porque sou negra”. No começo da minha carreira, atores negros não eram procurados para papéis principais em filmes e séries a menos que o criador do conteúdo fosse negro. Só essas pessoas nos contratavam.
O que a frustra na indústria do entretenimento?
Não basta contratar uma pessoa e imaginar que com isso a questão de representação está resolvida. É preciso garantir que a pessoa tenha o apoio de um conjunto de roteiristas diversificado, dublês diversos, substitutos diversos –todas as categorias precisam ser afetadas.
Você acha que estamos a que distância de uma representação verdadeira na televisão?
Ainda estamos muito, muito longe. Quando fui contratada como a primeira Batwoman negra, eles também tiveram de contratar uma dublê negra e uma motorista negra para fazer as cenas de ação com veículos. O coordenador de dublês, Marshall [Virtue], trabalhou muito para conseguir encontrar uma motorista negra para o posto, e isso serve para demonstrar como estamos mal representados no setor. Agora que temos programas como a iniciativa de Ava DuVernay, Array Crew, que facilita que os criadores de conteúdo encontrem profissionais não brancos, profissionais LGBTQ e mulheres, por meio de um banco de dados, não existem mais desculpas. Se você quer uma operadora de câmera negra, agora há como encontrá-la.
Você só revelou para sua mãe que é bissexual depois de conquistar o papel. Foi difícil?
Minha mãe e eu não falamos de sexo, em geral, e assim não é que eu estivesse escondendo alguma coisa. Jamais senti que era preciso esconder quem eu sou –venho de Upper Marlboro, Maryland, uma comunidade queer muito inclusiva, onde todos têm orgulho do que são. Jamais houve um momento em que eu tivesse de temer alguma coisa por conta daquilo que sou. Mas quando conquistei o papel, achei que era necessário ter essa conversa com ela porque não quis que ela ouvisse de alguma outra pessoa qualquer coisa que ela não conhecesse sobre mim.
Como foi a reação dela?
Ela disse que “você é minha filha e sempre vou te amar e apoiar em tudo que você fizer”. Não me senti como se estivesse saindo do armário; era mais como uma conversa. Eu já estava vivendo minha verdade; só quis manter minha mãe informada.
Você exibe técnicas muito desenvolvidas de artes marciais, na nova temporada. Fez todas as cenas de ação sem dublê?
Não todas. Mas muitas delas, especialmente entrar e sair voando das cenas. Adoro trabalhar no alto, a 15 metros do chão, e ver Vancouver inteira lá embaixo.
O que a encoraja, na indústria do entretenimento?
Tenho orgulho por, sendo uma pessoa de uma categoria mal representada, eu estar abrindo caminho a cotoveladas para encontrar meu lugar. Não deixaremos mais que nos silenciem.
Tradução de Paulo Migliacci