Sarah Michelle Gellar retorna ao drama do ensino médio, mas como diretora
Atriz de 'Buffy' e 'Segundas Intenções' explica longo hiato na carreira
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Sarah Michelle Gellar estava sofrendo com o "jet lag", por conta da viagem de casa até o trabalho. Ela tinha acabado de voar de volta a Los Angeles, depois de alguns dias de gravações de uma série derivada de "Teen Wolf", em Atlanta. Sua decisão de participar de "Wolf Pack", como atriz e produtora executiva, estava condicionada em parte à liberdade de permanecer em Los Angeles com sua família e viajar para o set só em seus dias de gravação, carregando apenas sua bagagem de mão para cada passagem pela costa leste.
Depois de um longo hiato em sua carreira como atriz, Geller, 45, está começando a construir o que define como sua "carreira adulta". E desta vez, é ela que dita as condições de seu trabalho. "Acho que esse é um privilégio que conquistei de uma maneira muito honesta", ela disse em uma recente conversa por vídeo. "Trago comigo 40 anos de experiência. Parte dela boa, parte ruim, parte mais ou menos".
Mas antes: seu pequeno papel na comédia de humor negro escolar "Justiceiras", que estreou no último dia 17 na Netflix, sob a direção de Jennifer Kaytin Robinson. Mais de 20 anos depois que Gellar interpretou Kathryn Merteuil, uma garota que sempre usa um crucifixo mas cheira cocaína sem parar, em "Segundas Intenções", ela volta a estar cercada de adolescentes manipuladores, na tela. Mas agora, Gellar é a diretora da escola e aconselha os alunos.
"Eu de jeito nenhum gostaria de voltar aos 17 anos", disse Gellar. "Trinta e dois, quem sabe. Mas 17, não". Gellar começou a atuar quando criança, na década de 1980, antes de se tornar uma das maiores estrelas da jovem Hollywood na virada do novo milênio, graças aos seus papéis nos filmes "Segundas Intenções" e "Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado", e na série de TV "Buffy, a Caça-Vampiros".
(Depois que o criador de "Buffy", Joss Whedon, foi acusado de comportamento abusivo, Gellar divulgou uma declaração em 2021 afirmando que estava do lado "de todos os sobreviventes de abuso" e que se sentia "orgulhosa por eles terem se pronunciado". Whedon contestou muitas das acusações, mas admitiu que teve casos com integrantes jovens do elenco feminino e que houve situações com as quais ele "deveria ter lidado melhor").
Falando de sua casa em Los Angeles, que ela divide com o marido, Freddie Prinze Jr., e os dois filhos do casal, Gellar estava sentada diante de uma estante monocromática na qual se via um People's Choice Award e um livro sobre o musical "Hamilton" autografado pelo elenco original da Broadway (presente de Lin-Manuel Miranda). Abaixo, trechos editados de nossa conversa.
Como surgiu o seu papel em "Justiceiras?"
Eu tirei alguns anos de folga, e estava começando a entrar naquela mentalidade de, OK, acho que estou pronta para voltar ao trabalho, mas ainda não estava 100% lá. Eles me enviaram o roteiro, e eu pensei que não havia realmente um papel para mim. Quer dizer, se eu estivesse na casa dos 20 anos, estaria disputando um papel no filme a unhadas. Mas pensei que seria bacana conversar com Jenn. Bastaram 10 minutos para eu perceber que, nossa, ela é minha nova melhor amiga. Eu disse que queria fazer o filme, gravar algumas cenas bem exageradas, e voltar rapidinho para casa. Queria só testar as águas.
Quando o roteiro foi enviado a você, a ideia era que você interpretasse a diretora?
Não havia papel para mim. Jenn é grande fã de "Segundas Intenções", e perguntou se eu achava que seria possível escrevermos alguma coisa juntas. E nós meio que criamos o personagem juntas. Planejamos o escritório dela juntas. Até tentamos dar um nome à diretora, o nome verdadeiro de Merteuil em "Ligações Perigosas". Mas sentimos que a citação seria direta demais.
Jenn me disse que, para ela, a diretora é a versão adulta de sua personagem em "Segundas Intenções". Foi assim que você a interpretou?
Com certeza. Eu sempre imaginava o que será que Kathryn estaria fazendo agora. Como seria a pessoa em que ela se tornaria. Mas nós também queríamos realmente que ela fosse uma defensora de mulheres. Ela está preparando as alunas para as coisas que terão de enfrentar, como mulheres.
Em "Justiceiras", Drea (interpretada por Camila Mendes) é uma personagem semelhante a Kathryn, uma pessoa quase desprovida de senso moral, mas ela consegue ter um final feliz. Você gostaria que Kathryn tivesse seguido uma trajetória de redenção em "Segundas Intenções"?
Não. Acho que nem tudo na vida termina embrulhado em um pacote para presente e com um belo laço de fita. Nunca haveria um final feliz porque acho que ela não se permitiria ter um final feliz. Os jovens de hoje veem as coisas de maneira diferente. Sentem que merecem o final feliz e, com isso, saem em busca dele. Acho que isso é uma coisa realmente positiva.
Você filmou para a NBC um piloto de retomada de "Segundas Intenções" como série, antes que o projeto desmoronasse em 2016. Você continuaria interessado em revisitar a história de novas maneiras, hoje?
Não sei. Aquela época foi uma loucura. Nada contra a NBC, mas "Segundas Intenções" é algo que só funcionaria em um serviço de streaming. Já no primeiro dia eu comecei a pensar que aquilo não estava funcionando. Simplesmente não era uma série para uma rede aberta. E, se fosse, não era uma série que me interessasse, de qualquer jeito. Por isso, fiquei grata pelo cancelamento.
Você está nesse ramo há muito tempo. Suas experiências no setor foram boas, em geral, como adolescente e quando você era mais jovem?
Não. Foi realmente difícil. Não havia grandes papéis femininos, quando cheguei ao mercado. Só papéis de namorada, ou de mulher de alguém. Por isso "Buffy" foi tão espetacular, porque ela realmente tinha algo a fazer, e em seguida veio "Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado", onde eram as mulheres que descobriam as coisas. Foi uma virada nos acontecimentos, em uma direção nova.
Isso quanto ao lado roteiro. Há também o outro lado, o de ser uma mulher jovem nesse ramo. Porque cresci em Nova York, eu cheguei já com alguma experiência prática, de vida urbana, o que foi útil. Mas não, não foi fácil. E eu com certeza tive meu quinhão de experiências, mas simplesmente escolhi não falar delas –emocionalmente, sinto não ter coisa alguma a ganhar contando minhas histórias. Eu vejo as pessoas contando suas histórias e fico muito impressionada. Mas em um mundo como o nosso, no qual pessoas são dilaceradas, e as vítimas são tratadas como culpados e forçadas a sentir vergonha pelo que passaram, prefiro manter minhas histórias trancadas aqui dentro.
No início deste ano, você postou um selfie com a legenda "não posso retomar o passado, mas posso lutar pelo futuro". Há mais alguma coisa que você queira compartilhar quanto a isso?
Hoje em dia, exijo a posição de produtora executiva em qualquer projeto em que eu tome parte. "Wolf Pack", por exemplo. Temos duas meninas e dois meninos bem jovens trabalhando na série. Deixei muito claro desde o primeiro dia que, se há coisas que a produção precisa dizer para eles, isso deve acontecer por meu intermédio. Porque eu já passei por aquilo. E quero que [os artistas] tenham sempre um espaço seguro.
Mas eu também sempre tento chegar ao set com um sorriso no rosto, e ditar o tom. Somos todos iguais. Não importa o trabalho que alguém faz; todos devem ser tratados exatamente da mesma maneira. Quando atuei em "Buffy", eu fiz questão de fazer o trabalho de todo mundo no set pelo menos uma vez, para que eu entendesse o que todos faziam. Segurei o suporte do microfone; tentei fazer a mixagem do som –e fui péssima nisso; trabalhei como assistente de câmera. Acho que muitos jovens atores pensam que o trabalho deles é só aparecer e dizer suas falas. Na verdade, não. O trabalho deles é fazer parte da equipe toda.
Você e Freddie estão casados há 20 anos. A que você atribui essa longevidade?
Acho que vivemos em um mundo muito descartável, no momento. Quando eu era criança, se sua TV quebrava, você a levava para uma assistência técnica e esperava o conserto. Agora, se uma TV tiver um defeito, a pessoa compra uma nova. Acho que às vezes pensamos em relacionamentos da mesma maneira. Você tem que estar disposto a fazer o trabalho. E isso é algo que sempre estivemos dispostos a fazer. Mesmo que haja altos e baixos, nenhum de nós desiste.
Então, estamos diante do renascimento completo de Sarah Michelle Gellar?
Acredito que sim. Às vezes você tem que se afastar, para sentir falta de alguma coisa. Passei a vida toda trabalhando. Fiz "The Crazy Ones" (com Robin Williams) semanas depois de meu filho nascer. Imaginei que poderia fazer aquilo pelos cinco anos seguintes e continuar sendo mãe. Mas quando Robin morreu, eu simplesmente tive que reavaliar tudo. Vi o que o trabalho causou a ele. E eu precisava daquela chance de ser mãe e estar presente. O tempo que passei fora da televisão só me faz apreciar o que tenho a oportunidade de fazer agora.
Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci