'Sou incrivelmente tímida, por baixo de tudo', diz autora de '50 Tons de Cinza'
Livros de E.L. James ajudaram a popularizar fetiches sexuais
Já é assinante? Faça seu login
Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:
Oferta Exclusiva
6 meses por R$ 1,90/mês
SOMENTE ESSA SEMANA
ASSINE A FOLHACancele quando quiser
Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.
Para uma romancista que ganhou fama escrevendo romances eróticos ousados, E.L. James é surpreendentemente introvertida. "Sou incrivelmente tímida, por baixo de tudo", diz.
É difícil conciliar essa ideia de James como uma pessoa caseira, reservada e quieta com a franquia bilionária que ela criou com base em fetiches. Desde o lançamento de "50 Tons de Cinza", em 2011, a trilogia "50 Tons" vendeu 165 milhões de cópias em todo o mundo, e foi adaptada para o cinema em uma série de filmes que James coproduziu.
Os livros ajudaram a popularizar fetiches sexuais especializados envolvendo “bondage”, olhos vendados e prendedores de mamilos, e os ajudou a ganhar espaço no mercado e na cultura mais amplos.
James registrou "50 Tons" como marca e licencia a produção de vinhos, lingerie, chibatas, vibradores e algemas, e desenhou pessoalmente muitos desses produtos. (“Decidi registrar minha marca porque não queria ver certas coisas como ilustração em lancheiras”, ela brinca. “Licenciei muita coisa, mas não quero ver minha marca em um Happy Meal”.)
Os fãs queriam ainda mais. E James os atendeu. Em 2015, ela lançou “Grey”, que reconta a saga escaldante da paixão ente o bilionário Christian Grey e sua "submissa", a pudica Anastasia Steele. James, que criou "50 Tons" como "fan fiction" relacionada à saga “Crepúsculo”, retomou a trama do livro original, mas dessa vez narrada do ponto de vista de Christian, e não de Anastasia.
Depois de “Grey” veio “Mais Escuro”, um segundo livro narrado da perspectiva de Christian; em seguida, ela deixou a saga de lado e lançou um romance separado, “The Mister”. Leitores insatisfeitos imploraram que ela concluísse a trilogia narrada por Christian, e chegavam a postar fotos que mostravam suas estantes com espaço reservado para o livro restante.
Quando chegou a pandemia, no segundo trimestre do ano passado, James decidiu que era hora de concluir o projeto. Em “Freed”, que a Bloom Books lançou em maio, Anastasia e Grey estão planejando seu casamento e brigando quanto aos votos nupciais, enquanto ex-parceiros obcecados, rivais empresariais impiedosos e pais intrometidos ameaçam sua felicidade.
“Freed” parece ser o final de sua história —casamento, felizes para sempre—, uma vez mais. Mas James parece não estar preparada para declarar o ponto final. Quando perguntada se o livro era o fim do caminho para Christian e Anastasia, ela respondeu: “Nunca digo nunca. Veremos”.
Em uma recente entrevista em vídeo com ela, de seu escritório caseiro em Londres, James falou sobre a evolução e o impacto da série. A seguir, trechos editados da conversa.
“50 Tons” surgiu da “fan fiction”, e seus leitores já estavam escrevendo versões da história narradas do ponto de vista de Christian. Isso a inspirou, de alguma maneira?
Foi interessante, porque, quando minha história era “fan fiction”, cheguei a escrever um par de capítulos desse ponto de vista. E as pessoas então disseram que gostariam de ver mais situações narradas daquele jeito. E aí os filmes foram feitos e, como todo mundo sabe, o primeiro filme foi um período muito sacrificado para mim, e por isso voltei para casa e escrevi o livro, mas não contei para ninguém. Minha ideia era a de que precisava retomar o contato com os personagens, e foi o que fiz. Não imaginei que as pessoas quisessem mais. Provavelmente foi ingenuidade minha, mas sempre me admiro por as pessoas quererem ler o que escrevo, de qualquer modo.
Ou seja, os livros surgiram de seu desejo de retomar os personagens ao seu modo, depois que o primeiro filme a deixou insatisfeita?
Sim. Com certeza. Não foi uma experiência feliz. Eu não falei muito a respeito, e não tenho vontade de falar sobre isso agora. Mas posso dizer que gosto de estar de volta ao mundo dos livros.
Os livros narrados da perspectiva de Christian se tornaram muito populares com muitos de seus leitores, mas alguns fãs disseram que a sensação era a de que você estava tentando explorar o tema ao máximo sem levar a história em frente. O que o novo livro acrescenta à história?
Foi escrito para os fãs mais dedicados, que queriam isso. Não foi escrito para qualquer pessoa que não deseje ler o livro, sabe? É bem simples. E outro fator é ver aqueles cinco livros. A sensação para mim era de que a história não estava completa, e com isso voltamos à questão de se, agora, concluí a história. Por enquanto sim. Isso com sorte me dará liberdade para explorar outras ideias.
Reescrever seus livros é quase como escrever “fan fiction” baseada em seu próprio trabalho, mas também é complicado, porque você não quer contradizer a trama dos seus trabalhos anteriores, não?
Exatamente. E é essa a sensação de escrever “fan fiction”. É divertido, porque agora estou no Clubhouse [uma rede social para conversas por voz]. Adoro aquilo. E há muitos escritores conversando em grupo, e com isso é fácil perceber a diferença entre os escritores que fazem voos cegos e aqueles que planejam muito suas tramas. Eu gosto do voo cego. Faço uma vaga ideia de para onde estou indo, mas não sei bem se chegarei lá.
Quando você começou no Clubhouse? O que faz por lá?
Provavelmente em março, acho, ou abril, ou fevereiro deste ano. O tempo não quer dizer mais coisa alguma, é assim que as coisas são. Hoje é quinta-feira ou sábado? Sei lá! Ou seja, comecei em algum momento deste ano, estou lá há uns dois meses pelo menos. Demorei bastante para começar a falar, porque sou incrivelmente tímida. Há uma comunidade fantástica de escritores. E também temos mágicos e humoristas, com quem converso. São hilários. Uma amiga, que faz humor stand up, estava no Clubhouse e brinquei com ela por isso, mas a acompanhei a uma sala de chat, que estava cheia de mágicos e humoristas. Não existe companhia melhor.
O que você acha sobre o impacto de seus livros no setor editorial, depois que eles ajudaram a trazer histórias românticas mais intensamente eróticas ao mercado?
É algo que me surpreende constantemente. Fico sempre surpresa com esse tipo de aberração. Para mim, vender 5.000 livros teria sido delicioso, e imaginei que continuaria trabalhando na televisão e fazendo aquelas coisas todas, vivendo minha vida pacatamente. Mas tudo mudou. É algo que encaro com surpresa e humildade, e em que eu mal consigo acreditar até agora.
Também penso que a série ajudou a apagar o estigma que existia antes quanto aos livros eróticos pesados, e provou que eles podem ser imensamente lucrativos.
As mulheres querem ler esse tipo de coisa, sabe? Não é segredo. Todos queremos nos apaixonar de novo. Se isso é possível em um livro, é um lugar bem seguro para que aconteça. Por isso acredito, sabe, que qualquer coisa em que a mulher tenha posição central costuma ser desdenhada, e as pessoas se acostumam a isso, mas, na verdade, é uma indústria de US$ 1 bilhão. Fico espantada com o quanto as pessoas podem ser desdenhosas. E aí você vê que os filmes também faturaram bem, porque as pessoas gostam de ver uma história de amor com um lado apimentado. Agora usamos o termo “apimentado”. É essa a palavra. “Apimentado”. É o que o Clubhouse me ensinou. Apimentado.
Qual era a palavra em uso antes?
Quente. Sexy. Uma dessas. Todas as palavras desse tipo. “Apimentado” é bom. Com “apimentado”, você mostra que há mais coisas acontecendo.
Os livros tiveram forte impacto cultural, ao permitir que as mulheres julguem que é aceitável serem mais aventurosas em termos sexuais, e falar abertamente disso.
Com certeza. Sim. As mulheres são levadas a sentir vergonha. Elas sempre são forçadas a se envergonhar, por tudo que fazem, não é? É a vida das mulheres. Você não é uma boa mãe. Você não é isso ou aquilo. Não leu isso ou aquilo. É cansativo, posso dizer. Por isso, sim. É algo que me interessa demais. Quero que parem de nos fazer sentir vergonha. Vamos levar a vida adiante.
Já que alguns fãs adotaram “50 Tons” não só como uma história de que gostam, mas como algo que eles de algum modo imitam em suas vidas, você se vê como guru de estilo de vida?
Não. Não. Não. O livro não é um manual. Ou uma lista. É só uma história para entreter as mulheres.
Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci.