Prestes a fazer Batman, Robert Pattinson diz que o legal é explorar o grotesco e o bizarro
Ator tem se reinventado a cada trabalho após 'Crepúsculo'
Quando Robert Pattinson, 33, aceitou o papel do encrenqueiro Delfim [príncipe herdeiro] da França em "The King", que estreia em breve na Netflix, ele sabia que era um papel suculento, que lhe ofereceria o prazer de insultar Timothée Chalamet. Mas Pattinson não tinha compreendido o personagem perfeitamente até ver as fotos do cabelo e maquiagem de sua coestrela Lily Rose Depp, 20, escalada para o papel de uma jovem inocente da família real.
"Eu pensei na hora que queria fazer o papel de uma princesa, também", disse Pattinson.
O cabeleireiro capitulou, dando-lhe cachos longos e dourados, mas Pattinson tinha mais uma surpresa em reserva: no estúdio, ele exibiu um sotaque francês tão deliciosamente exagerado que todas as suas cenas ganharam uma energia cafona maravilhosa. No começo, "eu não tinha certeza de se aquilo era ridículo", recorda Pattinson. Mas depois da primeira tomada, ele viu um colega de elenco, Joel Edgerton, gargalhando com seu desempenho. "E imediatamente pensei que aquilo era ótimo, e eu estava amando".
Há pouca coisa de que Pattinson goste mais do que de confundir expectativas, e havia muitas expectativas quanto a ele depois da franquia "Crepúsculo", um imenso sucesso de bilheteria cujo episodio final foi concluído em 2012. Desde então, ele vem se reinventando como muso de cineastas criativos, sempre disposto a emprestar seu espírito brincalhão e seu frisson pela cultura pop a filmes de arte de diretores como Claire Denis, David Cronenberg e os irmãos Safdie.
Seus instintos irreverentes são exibidos com mais destaque m "The Lighthouse", um novo, divertido e sombrio filme de Robert Eggers ("The Witch"), que opõe Pattinson a Willem Dafoe como guardiões de um farol no século 19 que bebem, brincam e até dormem abraçados. A filmagem, realizada na região canadense da Nova Escócia, foi trabalhosa, e a abordagem incomum de Pattinson —para entrar no clima das cenas, ele às vezes se sufocava ou se esbofeteava— em muitos momentos apanhou Eggers e Dafoe de surpresa.
Mas Pattinson considera que a tensão ajuda. "Mesmo que seja raiva que você está sentindo, isso é mais interessante do que tédio, porque raiva é algo que você pode usar". Pattinson me disse recentemente em um hotel em North Hollywood, onde "The Lighthouse" havia acabado de ser exibido para uma plateia de pessoas com direito a voto em premiações de cinema.
Depois de passar os últimos anos trabalhando em filmes independentes. Pattinson planeja uma nova mudança de rumo. Ele está filmando "Tenet", um filme de grande orçamento para lançamento no verão, sob o comando de Christopher Nolan", e acaba de ser escalado para o papel principal de "The Batman", uma visão repaginada do herói de quadrinhos, prevista para 2021. "É uma experiência muito diferente dos filmes que venho fazendo", disse o ator. "Normalmente minhas filmagens duram seis semanas; esta durará seis meses".
Abaixo, trechos editados de nossa conversa:
É justo dizer que personagens excêntricos o atraem?
Sempre pensei que o único motivo para interpretar um cara bonzinho o tempo todo é que você morra de vergonha do que vem fazendo na vida real, enquanto que, se você é uma pessoa bem normal, a parte mais divertida de fazer filmes é que você possa explorar os lados mais grotescos ou bizarros de sua psique em um ambiente razoavelmente seguro. E é sempre mais divertido quando você choca as pessoas que estão na sala. Se você terminar sendo tedioso, é a pior coisa que pode acontecer.
Você acha que foi tedioso em algum trabalho?
O tempo todo. Você entedia até a você mesmo. Em "The Lighthouse", de 17 tomadas que eu fazia, duas funcionavam, e nas outras eu arriscava alguma coisa diferente que me conduzia a lugar nenhum. Mas é melhor isso do que fazer um plano e respeitá-lo.
Como foi o primeiro dia de filmagem de "The Lighthouse?
Bem, minha primeira cena era uma de masturbação feroz. É sempre gostoso fazer algum coisa exagerada na primeira tomada, e eu fui fundo naquele dia. Fiz o contrário do que tínhamos tentando nos ensaios, e vi que Robert (Eggers) parecia meio chocado, depois. Mas para mim a ideia era a de que, se ninguém me mandou parar, posso continuar nessa direção. E assim que fiz isso foi como se a estrada começasse a ser pavimentada.
Por que você não sentiu que podia mostrar esse lado do personagem nos ensaios?
Eu tento fazer diferente toda vez, e se você ensaiar a cena 30 vezes, vai ter de pensar em 30 maneiras de fazê-la - mesmo que a primeira dessas maneiras provavelmente seja a melhor. Odeio fazer uma segunda tomada exatamente igual à primeira. Melhor que me demitam.
Fazer a cena do mesmo jeito lhe parece falso?
É tedioso, e só! Eu certamente conheço atores que adoram ensaiar, e são muito bons, de modo que há algum benefício nisso. Mas também há algo de bom em estar completamente comprometido na hora de filmar, na hora do fazer ou morrer, e isso permite que você seja mais livre. Ou talvez eu seja só preguiçoso e só queira trabalhar no dia em que a filmagem começa!
"The Lighthouse" no começo parecia ser uma comédia, para você?
Quando li o roteiro, achei hilariante, mas tive uma experiência parecida em "High Life" [um drama espacial sobre condenados enviados a um buraco negro]. Quando Claire Denis e eu assistimos a algumas cenas sozinhos, nos mijamos de rir - é insano, aquele filme. Mas na estreia de "High Life", havia aquele silêncio mortal, as pessoas assistindo sem rir. E eu fiquei pensando que ninguém estava percebendo o absurdo daquilo.
As pessoas imaginam que, por ser um filme de arte, não pode ser engraçado.
Eu fiquei preocupado com a possibilidade de que, se as pessoas não forem informadas de que "The Lighthouse é uma comédia, elas não se sentiam no direito de rir durante o filme. No passado, eu senti que fazer filmes era quase como fazer uma prova na escola - havia grande pressão para acertar. Mas agora eu me virei mais para o lado oposto das coisas: filmar é para ser divertido, e se você trabalhar assim, aprecia mais e termina bem. Rir realmente muda as coisas.
Você está trabalhando no novo filme de Christopher Nolan e vai começar a filmar "The Batman" em breve. Como é a sensação de ter trocado filmes de arte pelas maiores produções de estúdio?
Bem, "Dunkirk" foi quase um filme de arte. Chris Nolan é literalmente o único diretor capaz de fazer um filme de arte com um orçamento de centenas de milhões de dólares, e que não tem a menor cara de filme de estúdio. No caso de "Batman", se eu tivesse feito o filme alguns anos atrás, teria ficado incrivelmente nervoso, mas ainda faltam alguns meses para o início das filmagens. Tempo de sobra para ter um ataque de pânico.
Você disse antes que encara com ceticismo qualquer ator que queira interpretar o herói, e aí está você, fazendo o Batman.
Batman não é um herói, porém. É um personagem complicado. Não acredito que eu pudesse interpretar um herói real - é preciso que sempre exista algo de errado. Acho que é porque um dos meus olhos é menor que o outro.
O que o empolga, no Batman?
Amo o diretor, Matt Reeves, e o personagem é bacana. A moralidade é um pouco fora de esquadro. Ele não é o garoto de ouro, ao contrário dos demais personagens de quadrinhos. A visão de mundo dele tem uma simplicidade, mas seu posicionamento é estranho, e isso dá mais espaço para que o ator se divirta com o personagem.
Você se interrompeu.
Sempre tenho medo de que, quando digo algo sobre "Batman", as pessoas na internet fiquem tentando decifrar o que a fala significa. E eu não sei! Eu costumava ser bom em me censurar, mas disse coisas ridículas vezes demais, ao longo dos anos, e por isso sempre fico curioso, ao promover meus filmes, sobre o número de besteiras que vou fazer. Parece que com cada filme lançado, há sempre alguma coisa que digo que provoca reações do tipo "mas que experiência absurda pode ter produzido essa absoluta bobagem?"
Você disse que antecipava uma reação ácida na internet, depois de ser escolhido para o papel de Batman.
Talvez eu já esteja acostumado a ser agredido. Pelo menos não recebi ameaças de morte desta vez - isso é uma vantagem! É engraçado que as pessoas fiquem tão furiosas sobre "Crepúsculo". Nunca entendi o motivo.
Quando um ator estrela em uma franquia feita para mulheres, há homens que se ressentem: "Minha namorada gosta dele, e assim eu não gosto".
Eles precisam pensar sobre os motivo do que sentem. Talvez seja hora de eles examinarem suas almas a fundo. Por que você teme o que você não compreende? Mas, sim, é muito estranho. Tudo que acontecia em torno de "Crepúsculo" era estranho. Eu costumava andar na rua sem ninguém me reconhecer, e em quatro anos tudo mudou.
Você se preocupa com a possibilidade de que voltar a fazer filmes grandes possa atrair escrutínio desse tipo de volta à sua vida?
As pessoas já não mexem comigo do mesmo jeito agora. Quando eu era mais jovem, os paparazzi me seguiam como loucos. Eu saía de algum lugar e as pessoas gritavam e me xingavam - não consigo imaginar que as coisas voltem a ser assim. As revistas de fofocas todas meio que desapareceram e todo mundo publica suas coisas no Instagram, de qualquer jeito.
Todo mundo menos você.
Bem, sou velho e chato. E só tenho barriga tanquinho por duas semanas ao ano, se tanto.
Tradução de Paulo Migliacci