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Chay Suede diz que não sonhava em ser ator, e que impeachment foi golpe

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O ano de 2017 promete ser marcante para Chay Suede, 24. O ator e cantor capixaba estreou nesta semana em seu primeiro papel de protagonista numa novela da TV Globo, "Novo Mundo", e repetirá o feito no cinema, quando chegar às telas "Minha Fama de Mau", cinebiografia de Erasmo Carlos, em que ele interpreta o Tremendão.

Se tudo correr como ele sonha, a telona também verá sua estreia na direção, com o longa "O Eremita", feito a partir de roteiro de seu pai e com R$ 115 mil investidos do próprio bolso. "Meu pai estava com esse roteiro há um tempo, muito empolgado para fazer. É uma história fascinante, de um homem que vive recluso numa mata, precariamente. Filmamos em duas semanas, numa reserva indígena de um cacique amigo nosso, no Espírito Santo", diz ele.

Por fim, antes da dupla estreia cinematográfica, Chay se casará com a atriz Laura Neiva, 23, com quem já vive há cerca de dois anos -- atualmente, num apartamento alugado na Gávea, zona sul do Rio, em companhia de quatro cachorros.

Hoje em clara ascensão na sua ainda breve carreira de ator, Chay diz que precisou de um tempo para gostar da profissão. Quando começou a atuar, em "Rebelde" (2011), novela teen da Record, sonhava em ser músico. Mas precisava de grana, coisa que a carreira musical --que ele ainda toca em paralelo-- não lhe dava.

Foi aceitando os convites que surgiram até parar na TV Globo, onde se destacou rapidamente em papéis menores em duas novelas das 21h, "Império" (2014) e "Babilônia" (2015). Renovou contrato com a emissora em julho passado, até o fim de 2019, e tem autonomia para escolher os trabalhos que fará -- recusou, por exemplo, o convite para protagonizar "Rock Story", a atual novela das 19h.

Chay recebeu a Folha no prédio em que mora, para uma conversa de duas horas, na qual estava acompanhado de dois de seus cachorros e de duas assessoras, uma pessoal e uma da Globo.

Calmo, reflexivo e bastante seguro de si e de suas convicções, falou sobre o trabalho atual, sua relação com a profissão e com a fama, seus ídolos e suas crenças. Criado em uma família presbiteriana que não lhe permitia sequer ouvir música secular, diz não ser religioso, mas espiritualista.

Acredita em Cristo e fez, aos 18 anos, duas tatuagens que indicam isso, de modo meio cifrado: no lado esquerdo do peito, a palavra "here" (aqui, em inglês); no antebraço esquerdo, uma cruz vazia e a inscrição "not here" (não aqui).

"Acredito que Ele não continua na Cruz, depois do terceiro dia. A Bíblia diz que ele mandou o Espírito Santo, que mora no nosso coração e é o nosso apito", diz ele, afirmando confiar na orientação divina para tomar decisões.

Leia abaixo uma versão editada da conversa com o ator.


Folha: Como será a história do Joaquim, seu personagem em "Novo Mundo"?

Chay Suede: Ele embarca num navio para o Brasil, chega numa praia no sul da Bahia após levar um tiro e é resgatado por uma tribo tupi guarani. Ele passa a viver com os índios, a princípio sem o menor saco, querendo ir para o Rio ver a mulher que ele ama, mas está muito machucado, precisa ficar ali. E o pajé diz que ele não está ali por acaso, tem uma missão a cumprir pela tribo. Até que um dia, numa tentativa de sair, chama a atenção de bandeirantes, que chacinam a tribo. O Joaquim volta e luta ao lado dos índios contra os brancos. Naquele momento ele começa a entender que aquela é uma missão espiritual dele e passa a cumprir. Faz uma marcha de quatro anos com eles até o Rio para tentar encontrar um lugar seguro para eles.

Como os fatos históricos se misturam à trama da novela?

Eles estão presentes o tempo inteiro como pano de fundo da história, que é o romance entre personagens fictícios, a Ana [Isabelle Drummond] e o Joaquim. Boa parte das coisas interessantíssimas que aconteceram naquela corte dizem respeito a violência e sexo, e não podem ir ao ar por causa do horário.

Há muitas situações que aconteceram nesse período do Brasil [1817-1822] que estão como pano de fundo. A Ana e o Joaquim acabam participando da Independência, de maneira direta, com dom Pedro. Eles substituem pessoas que eram do povo, que participaram daquele momento, mas nunca foram citadas.

Como é sua rotina durante as gravações?

Acordo, tomo café, faço exercícios e vou trabalhar. A hora de acordar depende da que eu durmo. Amanhã [sexta, 17] chego no Projac às 10h, faço uma dublagem que está faltando para uma cena, depois tem prova de figurinos para os próximos capítulos e gravo das 13h às 21h. Os roteiros são semanais, você só tem acesso à sua semana na sexta.

E como você encaixa o resto da sua vida nesse período?

Não encaixa, na verdade. Não consigo fazer praticamente nada. Só ficar em casa, fazer exercícios aqui perto e, de vez em quando, ir para a casa de um amigo, jantar num restaurante. Às 22h eu já estou exausto, arrasado.

Você é um sujeito diurno?

Tenho me tornado, por causa dessa novela. Desde o início, o Vinicius [Coimbra, diretor de "Novo Mundo"] falou que as gravações seriam pesadas e que precisaríamos estar fortes, então precisei começar a me exercitar. Faço levantamento de peso e outras coisinhas cardiovasculares. E exercício é bom de dia. Se eu faço de manhã, meu dia fica muito mais legal, nada se compara à endorfina. Passei a dormir e acordar mais cedo. O dia passou a ter mais graça, o Rio passou a ter mais graça.

Você renovou seu contrato com a Globo no ano passado. Ele permite que você escolha seus trabalhos?

Acredito que sim. Já ouvi pessoas dizendo que não, que mandou, tá mandado, mas não acredito muito em "mandou, tá mandado" para quem trabalha com arte, em trabalhos que envolvem um ano da vida de uma pessoa.

Tem coisas que não precisam ser resolvidas por contrato, que podem ficar no diálogo. Gosto ou não de fazer, quero ou não, tem a ver ou não. E aí, junto com a liderança da Globo, a gente chega a uma conclusão. Mas pode rolar uma insistência.

Por que você decidiu não fazer "Rock Story"?

Achei que não tinha a minha cara, que não ia fazer bem. Achei parecido com "Rebelde" em algum lugar, por ter música, por ser um astro teen de verdade. E aí a gente chegou à conclusão que podia ser legal fazer outras coisas. Quando recebi o convite para "Novo Mundo", o Vinicius falou meia dúzia de coisas sobre o personagem, por telefone, e eu topei imediatamente.

Você disse que seu personagem na novela é muito religioso. Você também é?

Não. Fui criado numa família presbiteriana muito religiosa, mas não sou, nem acredito em religiosidade. Acredito no mundo espiritual e vivo minha vida ciente dele. E acredito em Jesus Cristo, oro todos os dias. Agradeço muito, porque as coisas acontecem na minha vida de uma maneira muito clara, Deus sempre foi muito incisivo. Agradeço pelas furadas de que ele me livra.

Como isso acontece?

Sempre tive uma relação com Deus que me deu uma certa segurança em estar vivo. Acho muito difícil ser humano, é triste demais, a gente é a pior coisa que existe, temos de lutar todos os dias contra nossa índole má. E Deus sempre me tranquilizou em relação a isso.

Quando falo em vida espiritual, tem a ver com carreira, com as atividades do dia a dia, com tudo. Boa parte das escolhas que deixei de fazer conscientemente, que deixei que Deus fizesse, me fizeram muito bem. É, às vezes, deixar de tomar à frente quando seu ímpeto faria isso. Segurar esse impulso e orar antes tem funcionado.

E isso te preparou para a fama?

Não. Porque a fama é uma coisa... "impreparável". Nunca vou estar confortável em relação à fama, apesar de cada vez estar mais confortável em relação ao meu trabalho. Acho que a gente nunca vai estar preparado, é uma coisa que acontece ou não, não tem a ver muito com talento.

Quando você se tornou famoso?

Quando fui fazer "Rebelde" [2011], era famoso num nicho: crianças e adolescentes da classe C. Antes teve o "Ídolos" [2010], mas ele não me deixou famoso, não era muito reconhecido. Com "Rebelde", isso começou a acontecer, mas muito setorizado. Adultos não nos conheciam, em geral. E, dependendo do lugar, [as pessoas] conheciam mais ou menos. Porque a Record, nesse momento, atingia uma parcela específica da população, as classes C e D. Então, apesar de ser muito furioso, de os fãs amarem a gente de uma maneira muito incabível para uma consciência normal, não acho que éramos famosos naquela época. Era uma coisa mais específica: se eu passasse em frente a uma escola, sabia que ia dar merda. Mas ir ao shopping era ok. Paparazzi nunca tirava foto de nenhum de nós, até porque a gente era da Record e paparazzi não tira foto de gente da Record. Ou pelo menos não tirava, agora com o sucesso de "Os Dez Mandamentos", devem tirar. Então a gente não sentia tanto essa parada de fama.

Comecei a sentir mesmo depois de "Império" [2014]. Aí eu era reconhecido na rua. Quando eu digo que jamais vou me acostumar, tem a ver com você estar num ambiente e saber que, de alguma maneira, alguém está falando de você ou te observando.

A fama te tornou mais recluso?

Na verdade, não. Eu me forcei a não deixar isso me incomodar a ponto de ficar em casa. Depois de um tempo, você passa a ir a lugares em que sabe que não vai ter dor de cabeça, que não vai apenas tirar foto da hora em que chega até a que vai embora.

Você lê notícias sobre si mesmo?

Não procuro, mas leio, aparece no feed do Instagram ou me mandam no Whatsapp. Em geral saem coisas ótimas [risos], até melhores do que a realidade.

Com que frequência você fica nas redes sociais?

Uso todos os dias. Poucas horas, ultimamente, porque estou gravando na maior parte do tempo, mas, quando estou descansando, estou com o celular do lado. Não é nem questão de gostar, se tornou um hábito forte.

Como é sua relação com a música?

Minha relação era mais de ver música sendo feita, ficava atrás do palco, vendo meu pai e minha mãe tocando. A gente não tinha muitos CDs em casa, tinha uma coisa de não poder escutar música que não fosse cristã, apesar de o meu pai ouvir escondido da minha mãe. Meu pai é músico, mas não vive disso. Toca violão, compõe, canta, tinha uma banda gospel de samba reggae. Sempre ouvi meu pai tocar e escrever, ele e meu padrasto me ensinaram a tocar.

Eu queria ser baterista, tinha uma bateriazinha. Quando tinha 16 anos, montei uma banda em Vitória, Itatiaia Dreams, a gente fez um showzinho ou outro. Eu já compunha, eram umas músicas ruins, mas a gente sempre escreveu, eu e o Caio, meu parceiro de banda.

Entrei no "Ídolos" achando que não tinha a menor chance de passar em nenhuma fase, mas fui passando. Ainda como candidato, assinei contrato para fazer "Rebelde".

E como foi sua relação com a profissão de ator?

Desde moleque eu queria fazer cinema, tanto que fiz vestibular para isso. Depois que comecei a interpretar, demorei um tempo a gostar de ser ator. Durante "Rebelde" eu não sentia essa paixão, quando acabou eu tinha praticamente desistido [de atuar], queria fazer música, tanto que fui para São Paulo. Mas aí me chamaram para fazer coisas, estava precisando muito de grana, a música não estava me dando, eu fui fazer. E fui descobrindo o mundo mágico e maravilhoso da dramaturgia, que me fisgou para sempre. Hoje eu sou ator, respiro isso.

Qual é a graça de ser ator?

Não tem graça nenhuma, é só sofrimento [risos]. A música tem muito prazer, mas atuar é sofrimento puro, é entrega e confiança no próximo. Talvez por eu não ter essas coisas, a interpretação me ensina isso.

Mas o que exatamente é sofrido na profissão?

Tudo. A quantidade de atenção sobre você, o quanto você está suscetível a críticas de todo tipo, e muitas vezes sem cabimento, de pessoas que não fazem a menor ideia do que estão dizendo. Tem críticas que são fundamentadas, outras são mais bode do crítico, preguicinha. Coisas mais sérias, de pessoas que entendem do que estão falando, mexem comigo. As outras não, não fazem a menor diferença.

Quem são os artistas que o inspiram?

Na música, em primeiro lugar o Caetano. Gosto do Devendra  Banhart, dos Novos Baianos, dos Mutantes. Gosto muito de música latina, da Amazônia, de música baiana. O Caetano é o principal porque é o que eu mais ouvi desde pequeno, acho ele genial. Também gosto muito do Cazuza.

Como ator, gosto dos latinos. É clichezaço, mas meu favorito, em quem eu mais me inspiro, é o Wagner Moura. Porque ele é brasileiro e é ótimo. E ele tem uma masculinidade muito interessante, muito monocromática. A androginia hoje é tudo, né? Tipo, você vê os galãs de hoje, né [aponta para si]? E o Wagner não, ele é homem, macho, uma cor só, até nos papeis femininos dele. Isso é muito legal.

Você se acha andrógino?

Acho, um pouco. Assim, ultimamente até menos, mas acho que eu tenho um rosto mais delicado, uma coisa mais feminina. Tenho uma parcela feminina grande, no meu gestual e tudo.

E é uma androginia apenas estética ou sexual também?

Não, só estética [risos].

Wagner Moura também é reconhecido por se posicionar politicamente. Como é seu comportamento, nesse sentido?

Eu não sou muito ativo politicamente. Votei no Freixo nas últimas eleições [para a Prefeitura do Rio]. Não votaria no Crivella em hipótese alguma, não concordo com nada que ele diz ou tenha feito. E o Freixo, apesar de eu não o conhecer profundamente, me parece um sujeito mais bem intencionado, com propostas mais claras e, principalmente, mais abrangentes, que incluem mais pessoas.

E para presidente, em quem você votou?

Na Dilma, nos dois turnos.

Então, para você, foi golpe?

Cara, foi golpe, né? Não para mim, foi golpe com certeza. Isso é muito claro.

Há uma parte da população que discorda.

É. Há. Por isso o Temer está aí.

Você costuma expressar suas opiniões políticas, como o Wagner faz?

Ele tem muito mais conhecimento de causa do que eu, pode falar sobre mais assuntos do que eu. Não me sinto preparado para falar sobre vários assuntos desse tema. Acho que, ultimamente, tem sido realmente importante se manifestar mais, uma necessidade que eu não sentia, talvez por não ter conhecimento nenhum antes, estou adquirindo esse conhecimento aos poucos. Ultimamente tenho sentido cada vez mais vontade de me manifestar, às vezes faltam oportunidades. Tenho aprendido muito sobre o que está acontecendo, e mesmo assim eu ainda não entendo nada, e acho difícil [haver] quem entenda.

Às vezes, soa um pouco precipitado sair em defesa de qualquer efemeridade dessas que as pessoas de esquerda em geral saem. Apesar de eu concordar com muitas delas, prefiro esperar um pouco e observar, para aprender mesmo e não dizer coisas que não vão fazer sentido nenhum para mim daqui a três meses.

Seus pais são de esquerda?

Não, não têm filiação partidária. Mas eu acho que quem tende a olhar para o mundo com amor, a olhar para o próximo com igualdade, tende a ser de esquerda, né?


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