'Friends', 20, imortalizou uma juventude que não existe mais
Quando "How I Met Your Mother", herdeira direta de "Friends", chegou ao fim, neste ano, deu-se um embate entre fãs. Qual a melhor série sobre amigos-de-20-e-algo-se-virando-na-cidade-grande? A dos anos 90 ou a dos anos 2000?
A resposta tende a variar conforme a geração, mas dá para dizer que a mais antiga ganha por dois motivos.
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O primeiro está nos diálogos afiados, entre os mais bem escritos da TV americana, entregues a um elenco cuja afinação estava à altura. Quem assistiu demais à série tende a ter passado por alguma dificuldade em parar de construir frases como Chandler, cheias de inversões e ênfases no lugar mais bizarro (dá para falar mais estranho?) ou não pensar logo em Joey ao cumprimentar alguém em inglês, sobretudo se for do sexo oposto (how are you dooooing?).
Claro, não faltam séries com piadas rápidas e tiradas espertas. "Friends", porém, levou isso à escala máxima. Incrível que o tenha feito usando um humor quase asséptico, limpinho, sem maiores baixarias. Era uma graça sutil, que ia do quase inocente, sem cair no nonsense, até o altamente irônico. Um tipo de humor fácil de "vender", que agrada diferentes públicos e com o qual o espectador, fatalmente, vai se identificar em um momento ou outro.
O segundo mérito é que "Friends" foi a primeira série a captar a mudança do eixo familiar dos parentes para os amigos.
Até então, as sitcoms americanas que não exploravam situações esdrúxulas sempre orbitaram em torno da família, com poucas variações. Pense em "I Love Lucy", "A Feiticeira", "Um Amor de Família", "Os Simpsons".
"Friends" deslocou esse eixo e criou uma relação com o público em um momento crucial da vida, o de virar adulto. Nos EUA, isso normalmente significa deixar a casa dos pais —sem mesada— e mudar de cidade; uma época conturbada e cheia de perrengues na qual os amigos próximos são as pessoas com quem você realmente compartilha sua vida. Na TV, ninguém havia focado isso antes, ao menos não com tanta eficácia.
É verdade que "Seinfeld" (1989-1998), com um humor muito mais sofisticado, havia aberto caminho. Só que "Seinfeld" retrata um momento mais maduro da vida, e é difícil crer que Jerry, George, Elaine e Kramer inspirassem alguém com suas doses cavalares de sarcasmo e mesquinharia.
Já Joey, Rachel, Chandler, Phoebe, Ross e Monica... Bonitos, jovens e "bonzinhos", meio destrambelhados, tentando ganhar a vida na cidade grande e com ótimos cortes de cabelo, viraram modelo para milhões.
Nunca ninguém soube direito como Rachel pode viver bem com um salário de garçonete por tantos anos (se você acha aluguel em São Paulo ou no Rio caro, em Manhattan ele é impossível). Nem como Phoebe e Joey, que basicamente faziam bicos, sobreviviam. E daí? O que é uma mentirinha, um desvio de roteiro meio inverossímil, em troca do conforto que suas caras alegres ofereciam ao espectador?
"Friends" é de um otimismo típico de uma juventude que não existe mais. Se duvida, veja "Girls". Ou mesmo "How I Met Your Mother", que tem seus momentos áridos.
Não culpe os roteiristas: 1994 era uma época de bonança econômica nos EUA, pré-11 de Setembro, pré-Guerra no Iraque (que só estouraria no penúltimo ano da série), pré-crise financeira. Talvez seja por isso, para reencontrar esse mundo que parecia melhor (talvez nem fosse) que tanta gente continua, a qualquer momento, revendo a série.
"Friends" não é adulta. Não é revolucionária. Não é profunda. Mas é reconfortante. E, muitas vezes, é só do que precisamos.
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