Saiu no NP: Após caminhar quilômetros, menino de 12 anos conhece e visita quarto de Senna
Era domingo, dia 24 de março de 1991... Ayrton Senna conquistava o seu primeiro GP Brasil de F-1, disputado no autódromo de Interlagos, na zona sul de São Paulo. Foi, então, a 28ª vitória do piloto na primeira categoria do automobilismo.
Do outro lado da cidade, no bairro da Freguesia do Ó (zona norte), um garoto chamado Francisco Lins Silva, o "Chiquinho", então com 12 anos e fã incondicional de Senna, vibrava e se emocionava com a vitória inédita do ídolo. Ainda no domingo, pouco depois da corrida, Chiquinho ouvira na TV que Senna daria uma coletiva na manhã seguinte, no aeroporto do Campo de Marte, em Santana, também na zona norte da capital paulista. Inquieto, viu no evento a chance de tornar realidade o seu maior desejo, o de conhecer pessoalmente o piloto.
Na segunda-feira, dia da entrevista, nem a greve dos motoristas e cobradores de São Paulo, que perdurava havia cinco dias, fez Chiquinho desistir de seu sonho. Ele caminhou por quase cinco quilômetros da Freguesia do Ó —onde morava com a mãe— até Santana, no Campo de Marte. A idolatria que tinha pelo piloto, somada à sua determinação, renderam-lhe "uns dez autógrafos", alguns abraços e de quebra o boné que Senna usava na ocasião. O jornal "Notícias Populares" publicou reportagem em que relatava o episódio.
Vinte e quatro anos depois, aos 36 anos, Francisco já não é mais chamado de Chiquinho, mas ainda vive na Freguesia do Ó, onde nasceu e foi criado. Noivo há dois anos, trabalha como promotor de eventos esportivos. Também vende roupas para ajudar no orçamento, já que pretende se casar até o final de 2015. Aqui, ele relata como foi estar ao lado de Ayrton Senna e sobre um momento inusitado, quando fez uma visita inesperada à casa do piloto.
Aquela foi uma das semanas mais marcantes da minha vida. Morava com minha mãe na época e tinha mais duas irmãs e dois irmãos que foram criados pela minha avó materna. Eles moravam próximos à minha casa. Minha mãe era epilética e tinha outros problemas de saúde, por isso não pôde criar todos os filhos. Ela morreu quando eu tinha 18 anos, de ataque cardíaco, a partir daí passei a morar só. Não conheci meu pai —ele nos abandonou quando eu ainda era recém-nascido. Quando criança, o que eu mais queria era ser piloto de F-1, mas minha família não tinha grana para bancar esse sonho, então me agarrei na chance de me tornar o fã número 1 do Ayrton Senna, o que me trouxe muitas alegrias.
No domingo em que o Senna ganhou pela primeira vez no Brasil, perguntei à minha mãe se eu podia matar aula para vê-lo no aeroporto do Campo de Marte, onde ele daria uma entrevista para jornalistas. Era uma rara oportunidade de conhecê-lo. Eu queria muito estar perto dele, que era como um herói para mim. Pedi tanto à minha mãe, que ela, sabendo da veneração que eu tinha, acabou cedendo ao meu pedido. A partir daí, tive o pressentimento de que alguma coisa boa aconteceria comigo.
Na segunda-feira, dia da coletiva, acordei às 6h30, como de costume. É que eu estudava de manhã, e sempre saia um pouco depois desse horário. A entrevista com o Senna começaria às 10h30. Sai de casa às 8h para chegar a tempo. Os motoristas e cobradores estavam em greve naquele dia, por isso tive que andar por pelo menos uma hora e meia até o aeroporto. Cheguei cerca de uma hora antes da coletiva e, para não ter problemas com a segurança, entrei por uma viela que ficava a uns 200 metros da entrada principal. Eu conhecia o lugar, já tinha ido algumas vezes com amigos para ver os helicópteros pousarem e decolarem, coisa de criança mesmo.
Quando entrei no aeroporto, havia uma quantidade muito grande de jornalistas, além de fãs e algumas crianças que também esperavam por ele. Assim que o Senna chegou, entrei em pânico e logo corri na direção da perua Mercedes que ele dirigia. Antes mesmo de ele parar o carro, comecei a bater no vidro e a gritar inúmeras vezes "Senna, eu te amo!". Queria chamar a atenção dele de qualquer jeito. Nesse instante já havia uma pequena aglomeração de fãs próxima do carro.
Quando ele estacionou o veículo, minha intenção inicial era abraçá-lo e, depois, pedir um autógrafo. Mas a primeira coisa que fiz foi pedir o boné que ele usava naquele dia. É que antes de o Senna chegar, ouvi uma voz vinda de um grupo de garotos, onde um deles dizia que ia pedir o boné para ele. Então pensei comigo: é mais fácil o Senna dar o boné para mim do que para eles, que estavam em mais de uma pessoa. Por isso fui mais rápido do que eles e me sai bem nessa. Mas o Senna disse que só me daria o boné no final da entrevista, que durou cerca de uma hora. Durante esse tempo, confesso que senti um pouco de receio de que ele se esquecesse de mim ou então que desse o boné para outra pessoa. Mas "no fundo, no fundo" senti que o boné seria meu.
Terminada a coletiva, mais uma vez corri na direção dele. Assim que me aproximei, ele logo colocou o boné sobre a minha cabeça, foi quando o abracei bem forte e o agradeci muito por aquele momento. Depois disso, fiquei ainda por um bom tempo "enchendo o saco dele", no bom sentido, claro. O resultado do encontro, além do boné e dos vários abraços que ganhei, foi um caderno com pelo menos uns dez autógrafos, tamanha a minha insistência. Ele chegou a me perguntar o porquê de tanto autógrafo, e eu respondia que gostava muito dele e que aquilo significava muito para mim. Dali, ele seguiu de helicóptero para Angra dos Reis, no Rio, para descansar.
Um repórter e um fotógrafo do jornal "Notícias Populares" fizeram uma reportagem comigo nesse dia. Na terça-feira, no dia seguinte, fui surpreendido com uma homenagem na escola onde estudava. Naquela época, costumávamos cantar o Hino Nacional antes da aula, e nesse dia, a diretora expôs a página do jornal do lado da bandeira do Brasil, que ficava no pátio, para que todos vissem a reportagem. No final do hino, todos me aplaudiram. Foi uma semana inesquecível.
VISITA INESPERADA
Dias depois da coletiva, voltei ao aeroporto para tentar saber o endereço do Senna, e o Campo de Marte era o único lugar que eu conhecia onde eu poderia ter essa informação. Não tinha internet na época. Para a minha sorte, consegui o endereço com um dos atendentes do aeroporto. Ele me disse que o Senna morava na avenida Cantareira, no Tremembé, na zona norte. Depois disso, passei a fazer campana em frente à casa dele, onde outros fãs também costumavam fazer "guarita". Às vezes eu ia com um amigo, sempre na expectativa de que ele aparecesse, nem que fosse no muro da casa. Faltei muitas vezes na escola para tentar vê-lo, e por isso minha mãe acabou picotando o boné que eu tinha ganhado no aeroporto, o que me deixou muito triste.
Em um desses dias, uns quatro meses depois do encontro no Campo de Marte, fui sozinho até a Cantareira, onde ele morava. Chegando lá estavam um segurança e um outro porteiro, de nome Paulo. Perguntei para o primeiro se o Senna estava em casa, e ele, de forma desprezível, me disse que o Senna estava na Europa. Mas a resposta não me convenceu. Perguntei então ao Paulo, o porteiro, que, muito simpático, me respondeu que sim, que o Senna estava em casa. Decidi então esperar por algum tempo na expectativa de vê-lo de novo.
De repente, o portão da garagem se abriu. Era a mãe do Senna, Dona Neyde. Consegui então me aproximar dela e perguntei se eu podia entrar para dar um abraço no filho dela. Ela me disse que o Senna estava dormindo, e que ela tinha que sair para buscar os netos no colégio, na região do Pacaembu. Então perguntei se ela podia me dar um beijo. Muito gentil, ela me beijou e me abraçou. Mas a vontade de ver o Senna era tão grande que insisti com ela para me que deixasse entrar. Ela então pediu para que eu esperasse até ela voltar do colégio. Feliz e ao mesmo tempo receoso com a promessa, perguntei se podia ir com ela buscar os netos. E ela disse que sim, e assim fomos ao Pacaembu.
Chegando lá, a Dona Neyde pediu que eu a esperasse dentro do carro enquanto ela ia buscar as crianças. Eu me lembro que, no carro, havia um acendedor de cigarro, mas na época eu não sabia o que era. Minha curiosidade era tão grande que, quando tirei o aparelho pra ver o que era, percebi que estava muito quente. Pensei até que eu tinha quebrado. O pior foi que eu não consegui encaixá-lo no lugar, de forma correta. Com medo de que isso pudesse atrapalhar o meu encontro com Senna, achei melhor não contar o que eu tinha feito e, para a minha sorte, ela acabou não percebendo. Na volta, minha expectativa era muito grande em rever o Senna, ainda mais sendo o encontro dentro da sua própria casa. Seria outro sonho realizado.
Quando chegamos, Dona Neyde me levou até o quarto dele, mas, antes, bateu na porta. No momento em que o Senna me viu, percebi que ele se mostrou um pouco surpreso com minha visita. Ele tinha acabado de acordar e pediu para que eu esperasse um pouco enquanto ele trocasse de roupa para me receber. Assim que me chamou, a primeira coisa que fiz foi abraçá-lo, mas abracei de forma a não largá-lo, até que ele teve que tomar a iniciativa para que eu "desgrudasse" dele. Perguntei se ele se lembrava do dia em que havia me dado o boné, e ele me respondeu que sim, que lembrava de mim, e brincando disse: "Você não desiste mesmo, né garoto?" [Francisco se emociona ao recordar o episódio].
No quarto havia muitos objetos relacionados a competições da F-1, mas o que mais gostei, foi um capacete, que até pensei eu pedir para ele, mas achei que seria muito abuso da minha parte. O pai do Senna também estava na casa, mas não tive contato com ele, que parecia ser uma pessoa muito séria. Depois de um bom tempo ao lado dele, tive que ser convidado a ir embora, na maior gentileza, claro. Senão eu ficaria por lá para sempre. No final das contas, depois de faturar outro boné e alguns brindes como canetas, chaveiros e uma camiseta, ganhei também um lanche e a grana para a condução. Mas, para mim, o mais importante foi estar próximo dele. Pelo que sei, fui a única criança "desconhecida" a entrar na casa do Senna.
No dia da sua morte, em 1º de maio de 1994, no GP de San Marino, na Itália, minha ansiedade em ver a corrida, por incrível que pareça, não foi a mesma de todas as competições a que assisti antes. Acordei um pouco triste naquele dia, mas não sabia por qual motivo. Achei que, quando a corrida começasse, eu talvez me animaria um pouco. Foi quando, durante a corrida, vi o carro do Senna se chocar com muita violência contra o muro, o que causou a sua morte. No dia do enterro, na Assembleia Legislativa de São Paulo, no Parque do Ibirapuera, fui um dos primeiros a entrar. Algumas pessoas até me viram pela TV. Meu sentimento era o de que o mundo tinha acabado. A partir daí, a F-1 nunca mais foi a mesma para mim.
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