Saiu no NP

Boca do Lixo perde um de seus reis

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Quinzinho dividiu por décadas o título de "Rei da Boca do Lixo", ao lado de Hiroito de Moraes Joanides (1936-1992).

Seu nome era Joaquim Pereira da Costa. Ele morreu atropelado na madrugada de 8 de abril de 1984, quando tentava apartar uma briga envolvendo dois amigos em plena avenida São João, no centro de São Paulo.

Conforme relatou a edição do "Notícias Populares" de 9 de abril daquele ano, o relógio marcava 3h30 quando Quinzinho, então com 62 anos e há tempos fora do crime, caminhava pela avenida São João, rumo ao Palacete César Rudge, onde dividia - de favor - um pequeno quarto com o colega Paulinho TremeTerra. No trajeto, ao ver dois amigos, Osvaldo Felipe dos Santos e Marco Félix Rodrigues, atracados depois de uma discussão, tentou intervir para apaziguar o violento confronto.

Crédito: Matuiti Mayezo - 22.out.1982/Folhapress
Quinzinho posa para fotografia, durante entrevista

Repentinamente, Quinzinho e os dois rapazes foram parar no meio da rua e acabaram sendo atropelados por um Voyage amarelo, conduzido pelo advogado Pedro Roberto Bianchi, 32, que, de acordo com testemunhas, tentou fugir do local.

Os três foram levados às pressas à Santa Casa de Misericórdia. Quinzinho morreu assim que deu entrada no hospital, já os amigos Osvaldo e Marcos Félix permaneceram internados em estado grave, tamanho o impacto causado pelo acidente.

Nascido no bairro do Canindé, na zona norte de São Paulo, em 28 de agosto de 1922, Quinzinho não teve uma das melhores infâncias. Segundo a reportagem do "NP", o mirrado menino, aos oito anos, já carregava um longo currículo de traquinagens que acabaram por levá-lo a um reformatório para menores, de onde só saiu ao atingir a maioridade.

O título de "Rei da Boca", segundo o próprio Quinzinho sempre fazia questão de contar, foi criado nos idos dos anos 1950, pelo jornalista Ramão Gomes Portão, que, a partir da década seguinte, faria parte da redação do "Notícias Populares". Foi nessa época que Quinzinho "governou" com a coragem de um leão a agitada Boca do Lixo -ou Quadrilátero do Pecado-, como também era conhecida a região localizada entre as avenidas Duque de Caxias e São João e as ruas dos Timbiras e dos Protestantes, onde até o final dos anos 60 se concentrava a nata da marginália paulista.

Crédito: Acervo UH - 29.mai.1962/Folhapress
Após blitz-relâmpago no Centro, Quinzinho é detido por investigadores do 3º Distrito e Delegacia de Roubos

A Boca do Lixo, hoje conhecida como Cracolândia, foi também o principal reduto do meretrício em São Paulo. Quinzinho era um dos que lucravam -e muito- com a exploração da prostituição lá.

Mas o local também teve o seu lado glamouroso quando lá foram instaladas inúmeras produtoras cinematográficas, que fizeram com que a região se tornasse o berço dos chamados cinema marginal e erótico que vingaram até os anos 1980. Não era raro ver atores e diretores, como Ozualdo Candeias (1922-2007), Rogério Sganzerla (1946-2004) ou Carlos Reichenbach (1945-2012), dividindo espaço nos mesmos bares ou restaurantes frequentados pelos marginais de plantão.

"O velho Quim", conforme reportou o "Notícias Populares" no dia seguinte à sua morte, tinha prazer em recordar o passado quando contava suas "proezas e glórias" para os amigos, sempre de forma bem-humorada, mesmo quando o assunto se tratava das vezes em que conseguira escapar da morte, como o dia em que tomou conhecimento que a mulher de um amigo havia sido algemada por Hiroito e Nelsinho da 45, outro célebre marginal.

Desaprovando a atitude dos bandidos, foi à procura de uma das mulheres do primeiro. Chegando até a moça deu-lhe uma tapa na cara e disse: "Conte pra ele que fui eu, o Quinzinho". A mulher fez o que ele mandou e, certa noite, quando Quinzinho encontrava-se parado dentro de seu carro, fora surpreendido pelos dois criminosos, que, armados, abriram fogo contra ele. Quinzinho, que estava sem arma e após os disparos fingiu-se de morto, conseguiu escapar da investida dos bandidos.

Somadas as penas de Quinzinho ao longo das décadas de 50, 60 e 70, ele ficou 22 anos preso, sendo a maior parte do tempo pelas práticas de lenocínio e por tráfico de maconha. Uma das últimas detenções -esta voluntária- se deu em 1973, período em que o "Esquadrão da Morte" já havia começado a espalhar terror na "Boca": "Ao saber que seria o próximo a ser executado, não vacilou, sabia que estava com duas prisões preventivas decretadas e para não morrer, procurou o juiz corregedor e apresentou-se, escapando assim mais uma vez da morte", informou o "NP".

A partir daí, o homem que teve o seu nome impresso por diversas vezes nas páginas policiais da imprensa paulista pretendia levar uma vida honesta e tranquila, desde que fosse no antigo "quadrilátero do pecado" ou pelo menos próximo à região onde ele havia reinado por anos como criminoso.


Após um longo período fora das páginas policiais, Quinzinho só voltou a ser notícia em 1982, mas desta vez na seção de artes, quando, no final de março, fora convidado pelo diretor Ugo Giorgetti a apresentar na segunda quinzena de abril, no TBC (Teatro Brasileiro de Comédia), um monólogo onde o ex-marginal relataria passagens de sua vida criminosa na Boca do Lixo. No mesmo ano, foi lançado o filme "O Rei da Boca", do cineasta Clery Cunha, inspirado especialmente na vida do bandido.

A derradeira passagem de Quinzinho numa delegacia aconteceu no final de janeiro de 1983, por razão de uma confusão com o motorista de táxi Antônio Sanches. De acordo com o taxista, Quinzinho havia embarcado na praça Júlio Mesquita, mas na hora em que chegaram ao destino, na rua Vergueiro, pediu ao motorista que estacionasse o táxi e alegou não ter dinheiro para pagar a corrida. O motorista, sentindo-se lesado, quis levar o caso à polícia.

Crédito: Dalton Antonio Giovannini - 8.abr.1984/Folhapress
Corpo de Quinzinho deixa o velório em 8 abril de 1984

Quinzinho foi então conduzido para o 5º Distrito, na Aclimação, região central de São Paulo. Chegando lá, ao verificar os antecedentes, constatou-se que o ex-bandido tinha pendente uma condenação de seis meses de prisão por envolvimento em uma briga.

Contudo o "Rei" ficou isento tanto da condenação quanto do processo que teria que responder por não ter pago a corrida ao motorista, fato desmentido por ele dias depois.

Pai de um filho adotivo chamado José Manoel, Quinzinho tinha, além da nora Dorinha, dois netos, que sempre receberam bons conselhos do avô que por mais de 20 anos trilhara o mundo do crime, reportava o "Notícias Populares" em 9 de abril de 1984. "Mas o 'Rei' está morto. Quinzinho, talvez o último poema vivo da velha Boca, é agora apenas uma porção de histórias", finalizou o "NP".

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