Saiu no NP

Foliões ficam sem maconha no Carnaval

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"Nos dias de Carnaval, o povo que sofre se veste de Rei. Se veste de Duque, e ele —o povo— é quem comanda o espetáculo."

A frase, que fez parte de reportagem publicada no "Notícias Populares" em 18 de janeiro de 1964, já ressaltava a evidente desigualdade que há tempos predomina no país.

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Mas era Carnaval, momento de esquecer as diferenças e curtir a maior festa popular brasileira.

Intitulada "Escolas de Samba vão provar: existe carnaval em São Paulo", a reportagem contava de forma romântica e poética o esforço dos então cordões carnavalescos "Lavapés" e "Vai-Vai" para mostrar ao Brasil a força do carnaval paulistano.

Crédito: 24.fev.1963 /Acervo UH/Folhapress
Em seu primeiro Carnaval, em 1964, o 'Notícias Populares' abordou a luta para provar que existia Carnaval em São Paulo

No mesmo dia, o "NP" apresentava a incessante luta do poeta, teatrólogo e coreógrafo Solano Trindade (1908 - 1974) pela preservação da cultura negra no Brasil. Na última noite, num pequeno palco da União Brasileira de Escritores, Solano e seu grupo de dança exibiram um Carnaval diferente, regado a congada, candomblé e maracatu.

Eram as primeiras reportagens dos festejos carnavalescos feitas pelo "Notícias Populares". A partir daí, o jornal cobriria outras 36 folias até a sua última edição, em 20 de janeiro de 2001.

Ainda em 1964, em 10 de fevereiro, a pouco mais de um mês da instauração do regime militar no Brasil, o jornal deu o primeiro sinal de ousadia ao publicar na capa a foto de uma jovem com o umbigo de fora em um baile de Carnaval, comportamento não muito comum há 50 anos.
Na página interna, "Orgia explode no Arakan: 10 mil foliões" deu o tom do que rolou dentro de um dos bailes de Carnaval mais liberais e requisitados naqueles anos.

O uso de drogas dentro dos salões também foi assunto de algumas edições do "NP". Em 4 de fevereiro de 1967, a reportagem "Baile do Paramount com muita bolinha e maconha" denunciou o consumo de entorpecentes no Paramount, também um dos salões mais frequentados pelos foliões na época.


O oposto ocorreu em 14 de fevereiro de 1983, com a manchete "Foliões ficam sem maconha no Carnaval". Após uma denúncia anônima, a Polícia Militar apreendeu 2.000 cigarros de maconha em Osasco, na Grande São Paulo. De acordo com as autoridades, a droga seria consumida durante as festas de Carnaval.

No entanto, a partir da segunda metade dos anos 70, os Carnavais do "NP" tiveram seu foco quase que inteiramente nos "bailes orgíacos", onde tudo era permitido.

Manchetes como: "Festa do Diabo", "Todo mundo nu no carnaval da Geni", "Mais de mil taradas no salão" ou ainda "Carnaval E.T.: Extras Taradas", esta última publicada em 1983, um ano depois do lançamento do filme "E.T. - O Extra Terrestre", mostravam o que prevalecia nos Carnavais do "Notícias Populares" desde então.

Crédito: J.F. Diorio - 14.fev.94/Folhapress
Trenzinho em baile fez parte de Carnaval picante no "NP"

As tragédias decorrentes da festa também renderam manchetes. Desde os seus primeiros anos, o jornal costumava divulgar o saldo de mortes ocorridas durante as folias.

De 17 mortes noticiadas no primeiro Carnaval do "NP", em 1964, o número saltou para 408 óbitos em todo o país nos festejos de 1980. Segundo as autoridades, só em São Paulo foram 102 casos nos quatro dias dias de "loucura". De acordo com a polícia, o excesso de bebidas alcoólicas foi o principal causador das mortes.

No dia 3 de março de 1976, o "NP" publicou o pânico vivido por 4.000 foliões que participavam de um baile no clube do Internacional do Rio Grande do Sul. Um incêndio de grande proporção, iniciado na cozinha do restaurante do clube, culminou em correria e desespero por parte dos participantes do baile. Neste caso, felizmente, não houve mortos.

No Carnaval seguinte, em 21 de fevereiro de 1977, 67 pessoas despencaram das arquibancadas instaladas na av. Tiradentes, na época a nova passarela do carnaval paulistano. Também não houve mortes.

Desastres à parte, o Rio de Janeiro, com o seu Baile de Gala Gay, também deu as caras no Carnaval sem censura do "Notícias Populares". "Luxo, plumas e paetês no Baile de Gala Gay" foi a manchete do dia 8 de março de 1981. Com as presenças ilustres de veteranos como Dercy Gonçalves, Clodovil e Rogéria, o "NP" publicou fotos exclusivas que comprovavam o sucesso do famoso baile carioca. A festa teve um pouco de tudo: travestis em busca da fama, bebidas à vontade e muita animação, plumas e paetês.

De volta a São Paulo, a edição do "NP" de 20 de fevereiro de 1983, com a manchete "Carnaval do Brasil escandaliza o mundo", trouxe um caderno com 150 fotos dos bastidores dos "bailes proibidos". Se as imagens divulgadas na capa do jornal eram dignas de revistas eróticas, o que esperar das outras 150?

O Carnaval de 1987, porém, foi denominado pelo "NP" como o "Carnaval da Aids". A manchete "Carnaval da Aids deixa os foliões apavorados", estampada na capa do jornal em 8 de março, informou sobre a preocupação dos foliões com a doença, que naqueles anos matava de forma rápida e cruel os infectados. Ainda não existiam medicamentos que brecassem a reprodução do vírus nos doentes.

Por outro lado, a edição do "NP" de 5 de fevereiro de 1992 esbanjou saúde ao estampar no topo da primeira página a "abundância" de 6 das 9 candidatas ao concurso "Miss Bumbum de Ouro 92", criado pela escola de samba Mocidade Alegre. A disputa, realizada na quadra da escola, no bairro do Limão, teve como vencedora a jovem Elaine Cristina de Souza, 24, favorita do público e do júri.

Crédito: 5.fev.92/Folhapress Saiu no NP
'Notícias Populares' estampou na capa 6 das 9 candidatas no concurso "Miss Bumbum de Ouro 92", criado pela Mocidade Alegre

Em 96, com o grande sucesso da dança da garrafa, que se espalhou por todo o Brasil, "a mulherada só queria dançar no gargalo, e não dava bola pros caras", dizia o "NP". Sob o título "Marmanjos têm ciúmes da garrafa", uma reportagem mostrava a ira dos machões com a nova paixão das foliãs.
"Descubra se a gata do salão é macho" foi uma das chamadas do jornal no Carnaval de 1997. Publicado em 9 de fevereiro daquele ano, o texto dava nove dicas para os foliões não levarem gato por lebre. Entre elas estava a do cabelo: "Toda boneca ama jogar o cabelo pra baixo e pro alto sem parar. Se sua gata estiver com esse tique, cuidado."

Crédito: 8.fev.71/Folhapress
O carnavalesco Clóvis Bornay, que revelou ao "Notícias Populares" em 2000 frustração com os concursos de fantasia

Já no domingo de 27 de fevereiro do ano 2000, um pouco mais comportado, o "Notícias Populares" trouxe uma entrevista com o carnavalesco e museólogo Clóvis Bornay (1916 - 2005), que à época com 84 anos, comemorava a marca de 72 Carnavais entre concursos de fantasias e desfiles em escolas de samba. Considerado o maior estilista de fantasias de todos os tempos, Bornay disse ter abandonado os concursos do quesito. A decisão, segundo o carnavalesco, foi tomada por razão das mutretas dos organizadores em não repassarem os prêmios aos vencedores. Ele disse ainda que desfilaria em duas escolas naquele ano.

Por fim, no dia 8 de março de 2000, o "NP" publicou sua última manchete de Carnaval: "NP é o campeão das gostosas - edição de hoje leva nota máxima no quesito mulher boa". E presenteou os leitores com uma seleção de fotos picantes flagradas nos salões onde quase tudo era permitido.
Foi um fim de Carnaval digno para um jornal que dedicou a maior parte de seus 37 Carnavais à pureza e à beleza das damas do maior espetáculo popular do Brasil.

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