O temido Bandido da Luz Vermelha
A trajetória de João Acácio Pereira da Costa, o lendário "Bandido da Luz Vermelha", que causou pânico na capital paulista na década de 60 ao cometer diversos crimes, foi registrada pelo "Notícias Populares" ao longo dos 37 anos em que o jornal atuou na imprensa paulistana.
Entre os dias 23 de outubro de 1967 e 3 de janeiro de 1968, o jornal publicou uma série de 57 capítulos sobre a vida do criminoso. A história do bandido foi adaptada para a série, e os nomes dos personagens eram todos fictícios. Tanto destaque tinha antecedentes, já que o "NP" acompanhou os passos de Acácio, o qual chamou de "Homem Macaco" e "Mascarado", de acordo com o crime cometido, antes mesmo da rotulação como "Luz Vermelha".
Nascido em 20 de outubro de 1942, em São Francisco do Sul (SC), João Acácio, ao lado do irmão mais velho Joaquim Tavares Pereira, foi criado por um tio após a morte precoce dos pais.
Anos mais tarde, já nacionalmente famoso devido à sua prisão em Curitiba (PR), em 1967, Acácio relatou maus-tratos cometidos pelo tio tutor, José Pereira da Costa, na época em que ele e o irmão viviam sob a guarda dele em Joinville (SC). Os garotos eram submetidos a trabalhos forçados para se alimentarem. "Luz Vermelha" disse ainda que foram torturados física e psicologicamente pelo tio, que depois negou as acusações.
Após a fuga da casa do tio, João Acácio decidiu viver nas ruas de Joinville, onde começou a praticar pequenos delitos como roubo de guarda-chuva na entrada de cinemas e roupas em lojas, para saciar sua vaidade. Nessa época até ganhou alguns trocados como engraxate nas praças da cidade, mas não fugiu à marginalidade e até ficou manjado no município após passagens por roubos e furtos _em algumas vezes ele recebia conselhos em vez de prisão por parte dos policiais.
O futuro "Bandido da Luz Vermelha" também fracassou na tentativa de trabalhar em duas tinturarias. Na primeira, um beijo na filha do patrão, flagrado pelo pai da moça, o fez deixar o emprego. Na segunda, confiscou o terno de um cliente para ir ao cinema, mas foi visto pelo dono da roupa, que reclamou do ocorrido com o chefe de João Acácio, que acabou o demitindo.
Com a polícia de Joinville em seu encalço após cometer algumas transgressões, ele mudou-se para Curitiba, mas não ficou lá por muito tempo, tanto que, no início dos anos 1960, fixou-se na Baixada Santista, em São Paulo, de onde passou a viajar para a capital paulista para praticar roubos a residências de luxo.
Nesse período, em que fez do crime sua profissão, tornou-se um dos bandidos mais temidos de São Paulo, pela forma impetuosa com que agia diante das vítimas. Foram mais de cinco anos de perturbação pública, com dezenas de assaltos, estupros e homicídios na capital paulista.
"Luz Vermelha" foi preso no dia 7 de agosto de 1967, em Curitiba, após incessante investigação da polícia, que o identificou com o falso nome de "Roberto (da) Silva", que foi usado pelo bandido na última vez em que esteve preso em São Paulo, em 1966.
No dia de sua prisão, o "Notícias Populares" publicou em sua primeira página o retrato falado do criminoso, com uma longa legenda que dizia:
"Este é o homem que a polícia está caçando. É ele Roberto da Silva, o bandido da luz vermelha. Foi possível sua identificação através de levantamentos, comparações e análises de impressões digitais, coletadas em diversos locais de assaltos, principalmente nas mansões das ruas Agata e Rafael de Barros [zonal sul de São Paulo]. Há um verdadeiro exército de policiais em seu encalço. Calcula-se que sua prisão deva ocorrer nas próximas horas, caso ainda permaneça em qualquer bairro de nossa cidade".
Cerca de um mês antes, outro retrato falado fora publicado pelo jornal, mas as características físicas não lembravam em nada o verdadeiro "Luz Vermelha". Na edição de 8 de agosto de 1967, o "NP" trouxe na capa a manchete que destacava a prisão do marginal: "Preso Bandido da Luz Vermelha em Curitiba - com malas cheias de dinheiro". A reportagem relatava com detalhes toda a movimentação da polícia paulista até a caça do criminoso no Paraná.
Os episódios da fuga e da prisão de "Luz Vermelha" foram resumidos nos primeiros parágrafos da reportagem: "Acuado pelos policiais paulistas, o mascarado conseguiu ludibriar a vigilância de que era alvo, fugindo ao cerco, tomando o rumo do Sul, passando por Santos. A polícia paulista, certa de que Roberto Silva [nome falso] procuraria homiziar-se no Paraná, imediatamente entrou em contato com as autoridades daquele Estado, alertando-as. Exercendo severa vigilância em todos os pontos por onde o marginal poderia estar no Paraná, os policiais locais conseguiram prender o perigoso bandido que já alcançara Curitiba, submetendo-o, então, a cerrados interrogatórios".
O criminoso, que gastou boa parte do dinheiro dos roubos com mulheres e boates na Baixada Santista, agora não passava de mais um número no sistema prisional brasileiro.
"Luz Vermelha" foi condenado em 88 processos, sendo 77 roubos, quatro homicídios e sete tentativas de homicídios, que renderam a ele 351 anos, 9 meses e 3 dias de reclusão em regime fechado. Porém a lei brasileira não permite que um preso permaneça mais do que 30 anos na prisão.
Logo nos primeiros meses de detenção, João Acácio escreveu de dentro da cela uma carta em que denunciou frequentes ameaças de morte que vinha sofrendo na prisão. O relato foi publicado na capa do 'NP' em 6 de outubro de 1967.
CRIMES E ALCUNHAS
Todas as quatro mortes atribuídas a João Acácio, efetuadas nos últimos dois anos antes de sua prisão e confessadas por ele nos seguidos interrogatórios da polícia, foram manchetes nas edições do "NP".
A primeira morte, em 3 de outubro de 1966, foi a do estudante Walter Bedran, de 19 anos, que, ao tentar surpreender o bandido que acabara de invadir o quintal de sua residência no Sumaré, foi alvejado com um tiro na cabeça. Dez dias depois, a vítima foi o operário José Enéas da Costa, 23, vitimado durante uma briga em um bar na Bela Vista.
No ano seguinte, em 7 de junho, no Jardim América, o industrial Jean von Christian Szaraspatack, após surpreender "Luz Vermelha", foi assassinado numa troca de tiros com o criminoso. Quase um mês depois, em 6 de julho, João Acácio ainda matou o vigia José Fortunato, que tentou impedir a entrada do assassino na mansão em que fazia guarita, no bairro do Ipiranga.
"Luz Vermelha" não foi o primeiro a ganhar o apelido que o consagrou no mundo do crime. No dia 2 de maio de 1960, morria na câmara de gás do presídio de San Quentin, na Califórnia (EUA), o americano Caryl Whittier Chessman, que também ganhou a alcunha de "Bandido da Luz Vermelha", lá "Red Light Bandit". Assim como o criminoso brasileiro, Chessman costumava usar uma lanterna com facho de luz vermelho para intimidar as vítimas.
Antes de se tornar o "O Bandido da Luz Vermelha", João Acácio havia preenchido as páginas do "NP" como o "Homem Macaco", quando usou um macaco hidráulico para alargar as grades das casas que foram roubadas por ele. Outra denominação atribuída ao bandido foi a de "Mascarado", que também ganhou as manchetes do "Notícias Populares" até os seus últimos delitos.
A fama e a repercussão em torno do criminoso brasileiro o fizeram chegar às telas de cinema. Três dias antes do lançamento, em 4 de dezembro de 1968, o 'NP' noticiava com destaque a estreia do filme "O Bandido da Luz Vermelha", de Rogério Sganzerla (1946-2004) --no campo das artes, o bandido ainda ganhou referência nas músicas "Rubro Zorro", do grupo de rock Ira, e "O Bandido da Lupa Vermelha", gravada pelo rapper Patrick Horla.
FIM DA LINHA
Após cumprir 30 anos de prisão, em idas e vindas entre a Penitenciária do Estado e a Casa de Custódia de Taubaté, onde realizava tratamento psiquiátrico, "Luz Vermelha" seria solto em 23 de agosto de 1997. Mas uma liminar concedida pelo então segundo vice-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, o desembargador Amador da Cunha Bueno Neto, o impediu de sair. O magistrado, atendendo a pedido do Ministério Público, alegou que era evidente que a sociedade não poderia ficar à mercê de eventuais atos cometidos pelo sentenciado. "Luz Vermelha" ficaria preso em Taubaté.
No dia 26 de agosto, porém, depois de analisar novos laudos médicos realizados pelos psiquiatras Charles Louis Kiraly e Norberto Zollner Júnior, Cunha Bueno revogou a liminar e "Luz Vermelha" ganhou as ruas. O despacho emitido pelo desembargador dizia: "Ante a clareza das conclusões, não se justificava a permanência do sentenciado na Casa de Custódia".
No dia seguinte, o inquieto Acácio voltou a ser notícia no "NP". Na capa, uma chamada curta : "Luz Vermelha está solto". No início da reportagem o jornal relatava o dia mais esperado por "Luz Vermelha desde sua prisão em 1967: "João Acácio Pereira da Costa, 55, o "Bandido da Luz Vermelha, está finalmente de volta às ruas. Depois de cumprir 30 anos e 4 dias de prisão, o bandido deixou a Casa de Custódia de Taubaté, ontem, às 6h da tarde".
João Acácio, agora livre, seguiu para Curitiba, para a casa do irmão Joaquim Tavares Pereira. Depois de diversas desavenças com os familiares, procurou acolhimento em Joinville, na casa do tio José Pereira da Costa, o mesmo que fora acusado por ele de maus-tratos. Mas novos conflitos fizeram "Luz Vermelha" deixar a residência do tio e trilhar um caminho que, poucos meses depois, o tornaria vítima de assassinato.
A morte de "Luz Vermelha" foi noticiada pelo "NP" em 7 de janeiro de 1998, menos de cinco meses após sua liberdade. Ele foi morto com um tiro na cabeça, disparado pelo pescador Nelson Pisingher, de 46 anos, que confessou o crime. Segundo Pisingher, o disparo foi efetuado para salvar a vida do irmão Lírio Pisingher, que fora agarrado por "Luz Vermelha" e ameaçado com uma faca após um desentendimento por causa de supostos assédios cometidos por Acácio contra a mãe e a esposa do pescador.
João Acácio morava de favor havia dois meses na casa de Nelson. O "NP" apurou ainda que o diretor do Hospital Regional de Joinville, na época, teria assinado o atestado de insanidade do ex-presidiário, dias antes de ele ser assassinado pelo pescador. Segundo apuração do "NP", "Luz Vermelha" seria internado em um hospital de Florianópolis em poucos dias.
Dentro e fora das grades, os 55 anos de vida de João Acácio Pereira da Costa se resumiram em 55 anos de tragédia.
Comentários
Ver todos os comentários