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Direito da USP organiza festa para sua rainha, um aluno travestido

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O largo São Francisco (centro), faculdade de direito da USP, proclamou uma rainha. Ela não foi eleita democraticamente, mas os gritos de 300 alunos em festa realizada na escola na quinta (11) legitimam o alcance do seu poder.

A soberana atende pela alcunha de "Raynha" para seus súditos, mas também pelo nome Ricardo Borghi dos Santos, 20, quando frequenta as aulas do quarto ano da graduação.

Mas era o nome no feminino que era berrado no porão da faculdade, durante a festa "O Retorno da Raynha: Abertura dos Corpos às Nações Amiguès" --um trocadilho com o tratado entre Portugal, Brasil e Inglaterra nos tempos coloniais.


A Raynha tomou o palco dançando "Spectrum", música de Florence and The Machine. Vestia seios (de enchimento) à mostra, meia-calça e uma tatuagem nas costas que dizia "vivida e rodada tudo num minuto".

Enquanto a festa rolava, Ricardo não arredou o pé (sobre um salto 15) do palco. Dançou e fez dançar ao som de: Kelly Key, Daniela Mercury, Rouge, Cyndi Lauper, Madonna, Beyoncé e afins.

Era o figurino mais ousado das aparições, até então. Na Festa Junina do ano passado, foi a noiva da quadrilha, com um véu branco de cinco metros, saia transparente preta e sutiã de renda.

"Um homem se travestindo ainda é muito tabu, e se é tabu, a Raynha estará lá." É ainda mais tabu nas Arcadas --como é conhecida a escola de direito da Universidade de São Paulo--, que até 1972 exigia de seus alunos uso de gravata.

NASCIMENTO

O personagem nasceu na edição 2011 da Peruada, espécie de Carnaval de rua que alunos da instituição realizam todo outubro. Como o príncipe William e Kate Middleton estavam prestes a se casar, Ricardo se vestiu de rainha Elizabeth e foi.

Fez sucesso. "Aquela recepção positiva gerou em mim uma grande empolgação e eu vislumbrei que a minha personagem poderia ser um grande veículo de comunicação e militância."

Desde então, reavivou o lado feminino em eventos acadêmicos. Recepcionou os calouros no dia da matrícula, participou da eleição do Centro Acadêmico e ganhou uma festa de despedida quando foi passar seis meses em intercâmbio em Portugal.

"No começo foi difícil, porque lidar com o olhar de reprovação de muitos, uma vez que a Sanfran ainda é um ambiente machista e opressor, remetia-me àquele mesmo ambiente escolar de desproteção e estranheza", diz ele, que sofreu bullying por 14 anos no colégio.

Mas o colégio serviu para ele dar valor ao amor que agora sente. "Definitivamente, me sinto acolhido, amado... Ver as pessoas me esperando na escada, aplaudindo a Raynha, gritando para ela, pedindo beijos e abraços, héteros e gays, foi um êxtase, a conquista que eu sempre sonhei pra minha vida."


Abaixo, leia um breve pronunciamento da Raynha:

"Todo aquele preconceito dos meus colegas de escola, que virou discriminação e foi velada por toda a estrutura do meu colégio, hoje foi transformado em força pra lutar por quem sofria o mesmo e por eles que praticavam o bullying, pois eu tenho a certeza de que também são vítimas disso. A gente não nasce amarrado e eu resolvi que não compraria essa ilusão, agora eu quero fazer de tudo para que eles também percebam que eles podem ser tudo o que quiserem, da maneira como quiserem ser."

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