Tarde da noite. Na floresta, todos os bichinhos dormem. Menos no Palácio do Planalto, onde uma luz ainda arde. Em torno de uma mesa cheia de comidas e bebidas, vários animais políticos conversam. O clima é de pesar e de desânimo.

"Nós vamos todos morrer! Nós vamos todos morrer!", grita um ministro, enquanto corre ao redor da mesa com os braços erguidos em total desespero.

"Fujam para as montanhas! Fujam para as montanhas!", berra um senador, que também corre ao redor da mesa, só que no sentido contrário.

O ministro e o senador se trombam de frente e desabam no chão como se fossem uma candidatura governista.

"Calma, meus queridos...", diz um marqueteiro, enquanto morde um canapé. "É só a gente falar que não adianta entregar o país pra coxinhas intelectuais que não conhecem o povo... Pronto!"

"Ela não é intelectual! Ela não é coxinha!", desespera-se um diretor de estatal, enquanto puxa os poucos fios de cabelo que ainda lhe restam. "Isso não vai colar!"

"Nós vamos todos morrer! Nós vamos todos morrer!", começa a berrar novamente o ministro, até que leva um tapão no pé do ouvido desferido por um intrépido blogueiro progressista.

"Recomponha-se, companheiro!", fala o blogueiro. "É só a gente repetir que apenas uma pessoa que nasceu pobre e sentiu na pele os rigores da exclusão social é que pode ajudar a população mais carente! Pronto!"

"Você não tá ajudando! Você não tá ajudando!", geme o proprietário de uma empresa de limpeza urbana com contrato nas esferas municipal, estadual e federal. De tanto tremer, ele derruba todo o puro malte 18 anos no tapete.

"Fujam para as montanhas! Fujam para as montanhas!", começa de novo a gritar o senador.

"Calma, gente, calma, gente, calma, gente, calma, gente!", diz um presidente de ONG, nem um pouco calmo.

"É só falar que ela é uma direitista neoliberal coxinha apoiada pela mídia reacionária coxinha assassina!", sugere o marqueteiro.

"Ou uma moralista pequeno-burguesa coxinha que odeia pobre dentro de avião!", acrescenta o blogueiro.

"Ou uma elitista satanista coxinha que vai sacrificar todos os programas sociais! ", sugere o presidente da ONG.

"Ou uma perigosa psicótica coxinha que pretende privatizar a Petrobrás!", grita o proprietário da empresa de limpeza urbana.

"Nós vamos todos morrer! Nós vamos todos morrer!", começa de novo a berrar o ministro, enquanto corre em volta da mesa com as mãos na cara como se fosse a versão animada de um quadro do Edvard Munch.

Nisso, vai passando pelo corredor um ilustre deputado do PMDB que, atraído pela gritaria, resolve entrar na sala para ver o que é que está pegando.

"E aí, o que é que está pegando?", pergunta o deputado do PMDB interessado em saber o que é que está pegando.

O ministro interrompe a corrida ao redor da mesa e esclarece:

"Nós vamos todos morrer! Eu! Você! Nós! Todo mundo! Nós vamos todos morrer!"

O deputado do PMDB abre um largo sorriso e responde:

"Nós quem, cara-pálida? Eu nem conheço vocês!"

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EDSON ARAN é autor de seis livros. O mais recente, "O amor é outra coisa" (Jardim dos Livros), fala sobre o sentido da vida e tem mais de duzentos pensamentos cretinos. Também é roteirista. Seu site é o www.sitedoaran.com.br