HUMOR: Com "The Voice Brasil", toda quinta vira uma quinta dos infernos
Toda quinta-feira minha timeline no Twitter tem orgasmos múltiplos com o tal do "The Voice Brasil" (Globo). Pela excitação, parece que estão presenciando a reinvenção do rock'n'roll ou o renascimento do jazz.
Convencido de que estava perdendo o fenômeno cultural mais importante desde o surgimento da escrita, decidi assistir ao troço. Olha, vocês estão todos perdidos nos tóxicos. O "The Voice Brasil" é só uma Buzina do Chacrinha metida a besta.
Lulu Santos é um Décio Piccinini desprovido de humor. Claudia Leitte é uma Elke Maravilha sem graça. Daniel faz um Wagner Montes ainda mais canastra. E Carlinhos Brown é a Aracy de Almeida. Só no visual, claro. Aracy cantava.
Aparentemente ninguém pensou num equivalente ao Pedro de Lara. Vai ver a Paula Lavigne não deixou o Caetano participar...
Cada um dos jurados representa um gênero sorvete-na-testa da música brasileira. A baladinha pop dos anos 80. O sertanejo brega. A axé music. E a bateção de lata. Ou seja lá o que for que o Carlinhos Brown faça na vida.
Já os calouros berram como se estivessem todos numa churrascaria rodízio e tivessem de ser uma atração maior que a chuleta ou a maminha. É uma viagem no tempo. O urro como expressão artística tinha sido enterrado por Chet Baker e João Gilberto havia mais de 50 anos. Esse povo nunca ouviu um disco de Bossa Nova? Cool Jazz? Sinatra? Cartola? Nada?
Claro que não. No último programa, por exemplo, tinha dois cantores com nomes de jogadores do XV de Piracicaba, o Xandy e o Maylsson. Os dois confessaram que nunca haviam escutado João Gilberto na vida. E aí, na sequência, o Xanylsson e o Maiferlaydsson destruíram "Adeus, América".
O júri todo chorou. Mas não de desgosto. De emoção. É tanta gente fazendo barulho que não dá nem pra escutar a civilização ocidental se espatifando no chão.
Isso do choro é interessante. Veja bem, os jurados são cantores, vivem disso, ganham dinheiro com isso. Então por que tantas lágrimas derramadas ao verem outros cantores, hãã, cantando?
Imagina se fosse a mesma coisa com médicos: "Nossa, ele opera uma aorta tão bem... buááááááááá!".
Ou com encanadores: "Nunca vi ninguém fazer isso com uma rosca... buááááááááá!".
Ou agricultores: "Ai, o jeito como ele planta a mandioca me deixa emocionado... buáááááááá!"
Ah, vão se fo...
Opa, perdão, que a Folha é um jornal de família.
Ah, faça-me o favor!
Há alguma possibilidade de que o "The Voice" revele um novo Tom Jobim? Um novo Mutantes? Um novo Seco & Molhados? Ou --vamos baixar as expectativas-- um novo Chico Buarque? É claro que não. Dali só vai sair um monte de gente que berra feito cabrito quando vai pro abate.
Se o Chacrinha fosse vivo, buzinaria o "The Voice Brasil" e jogaria bacalhau pra plateia. E acredite: isso seria muito mais relevante intelectualmente.
EDSON ARAN é autor de cinco livros. O mais recente, "Delacroix Escapa das Chamas" (Editora Record), é uma sátira futurista passada na São Paulo de 2068. Foi diretor das revistas "Playboy", "Sexy" e redator-chefe da "Vip". É um tuiteiro compulsivo e sua conta é @EdsonAran.
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