Factoides

Feliciano, o sapatão e o passarinho: Uma fábula para nossos dias

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No mundo existem dois tipos de pessoas: as que acham que o mundo está perdido e as que acham que o mundo precisa se encontrar.


As primeiras são cínicas, desiludidas, bebem, fumam, veem filmes dinamarqueses e leem policiais suecos. As segundas são idealistas, otimistas, andam de bicicleta, bebem muita água, adoram favela-movie e acham demais de bacana o Jean Wyllys.


Ninguém é só uma coisa ou outra. E nenhum dos dois tipos quer o Marco Feliciano na Comissão dos Direitos Humanos. Não é preconceito algum contra a religião do cara, veja bem. No mundo atual, cada um reza pra quem quiser: pro Poderoso Thor, pra Santa Ignorância, pros Poderes de Greyskull ou pro Grande Congamonga. Chato é quando os adeptos de cada deus querem impor seus conceitos pro resto da sociedade. Aí não dá.


Se o infeliz que mora no meio do Kafiristão acha bacana vestir a mulher de apicultor é problema dele. Afinal, lá não tem costureiros legais como o Hepatitich ou o Pedourenço. Agora, se o infeliz exige que toda mulher em qualquer parte do mundo se vista de apicultor para a glória do Grande Congamonga, aí o bicho pega. Religiosidade é questão de foro íntimo, igual ao vibrador tailandês de três velocidades na gaveta do criado-mudo. Essas coisas só dizem respeito a você e a ninguém mais.


Mas Marco Feliciano acha que não. Ele diz que, antes dele, a Comissão de Direitos Humanos estava nas mãos de satanás. Uai! É assim mesmo. O governo é de coalizão. O Sarney e o Renan Calheiros não estão lá também?


Além do mais, a cor do capeta é questão de ponto de vista. O Charles Manson, por exemplo. Ele se achava um cara legal e batuta. Todo sujeito religioso acha que está do lado do Bem e lutando contra o Mal. Lembra do Osama Bin Laden? Pois então. A estrada pro Inferno está cheia de gente bem intencionada. E nos carros deles tem sempre um adesivo escrito "dirigido por mim, guiado por Deus".

Crédito: Edson Aran


Vive la differénce!, como diria a francesinha observando a enorme estrovenga do imigrante senegalês que ela conheceu na night. Só quem não viu nenhum filme da série "Blacks on Blondes" pode achar que os africanos são amaldiçoados. Olha, se aquilo lá é ser amaldiçoado, eu também quero uma maldição dessas pra mim. Não precisa nem embrulhar. Vou sair usando aqui mesmo.


A marcha da história é igual a um bolero: são dois pra frente e dois pra trás. O apogeu e a glória do fundamentalismo religioso no Congresso deu oportunidade para cantoras de MPB saírem do armário e, desta forma, perpetuarem uma das nossas mais ricas tradições culturais: a Cantora Sapatão.


Cantora brasileira ou é descabelada e grita feito sirene de ambulância ou é uma versão mais arrumadinha do Kim Jon-um, o miniditador da Coréia do Norte. Lil' Kim faz parte daquilo que George W. Bush, aquela besta, chamava de Eixo do Mal. Um "eixinho", na verdade. O pai dele parecia o Chico César do Mal. O filho tem jeitão de que a qualquer momento vai sair pra investigar o tráfico de mulheres na Turquia.


Mais ridículo que o Lil' Kim com seu visual Clube-Irmã-Caminhoneira só mesmo o Nicolás Maduro, lá da Venezuela, falando que o falecido Hugo Chávez apareceu pra ele em forma de passarinho. Maduro estava atrás de uma bananeira, livrando-se de um jugo imperialista com fritas que tinha comido no McDonalds, quando o passarinho surgiu. Deu duas voltinhas socialistas no ar e gorjeou alegremente "bolííííívar! Bolííííívar!". Aí seguiu voando em defesa dos pobres e oprimidos da América Latina.


Eu sou do tempo em que gente de esquerda se dava ao respeito. Vê lá se alguém ia dizer: "Karl Marx virou um passarinho e apareceu cantando na minha janela. Vou começar imediatamente o massacre da burguesia!"


Ah, fala sério! Ou melhor, não fala não. Deixa assim que está bom. Afinal, se a civilização está indo para o abismo, o mínimo que podemos fazer é nos divertirmos durante a viagem.


Edson Aran é autor de cinco livros. O mais recente, "Delacroix Escapa das Chamas" (Editora Record), é uma sátira futurista passada na São Paulo de 2068. Sua série de cartuns "O Totalmente Dispensável Almanaque Inútil do Aran" é publicada mensalmente no "Folhateen". Ele foi diretor das revistas "Playboy", "Sexy" e redator-chefe da "Vip". É um tuiteiro compulsivo e sua conta é @EdsonAran.

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