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Mídia acusa personagem de mangá japonês de subversão

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Desde sua estreia, 45 anos atrás, Doraemon tornou-se um dos personagens de animação mais amados da Ásia –mas, para alguns órgãos de mídia chinesa, o gato rechonchudo e sem orelhas, com sorriso de boca aberta, está numa missão para corromper a juventude chinesa.

O gato robótico do futuro atraiu legiões de fãs no Japão e outros países, incluindo a China, com seus poderes de teleportação, seu "vício" em panquecas de feijão doce e a variedade de engenhocas espertas que utiliza para ajudar seu amigo azarado, o menino Nobita.

Crédito: Xue Yubin - 16.ago.2014/Xinhua Mulher tira fotos em exibição do mangá Doraemon, no sudoeste da China
Mulher tira fotos em exibição do mangá Doraemon, no sudoeste da China

Mas um jornal chinês acusou o personagem de subversão política, dizendo que sua presença numa exposição recente na cidade de Chengdu, no sul da China, fez parte de uma conspiração para mostrar o Japão sob uma ótica mais benigna, no momento em que os dois rivais asiáticos se desentendem em torno da história da guerra e de territórios no mar da China Oriental.

"Doraemon faz parte dos esforços do Japão para exportar seus valores nacionais e realizar sua estratégia cultural, e esse é um fato indiscutível", disse o jornal local do Partido Comunista "Diário de Chengdu" em editorial.

"Com isso em mente, precisamos ser menos cegos e ficar frios quando beijamos as bochechas do gato azul gordinho."

Dois outros jornais da região de Chengdu reiteraram a acusação, e Wang Dehua, colunista do "Global Times", avisou: "Doraemon é bonitinho, mas representa o 'soft power' do Japão. Jamais podemos deixar que um gatinho robótico controle nossas mentes."

Protagonista de um catálogo imenso de mangá e filmes de animação, além de ser o rosto por trás de um império de merchandising de sucesso tremendo, Doraemon possui influência cultural indiscutível.

Criado por Fujiko F. Fujio, o mangá já vendeu mais de 100 milhões de cópias, sendo um dos mais vendidos do mundo, enquanto o seriado de TV já conquistou plateias de mais de 30 países.

No início do ano a Disney anunciou ter adquirido o direito de transmitir o seriado em língua inglesa em seu canal via satélite.

Em 2002 a revista "Time" saudou Doraemon como um de seus heróis asiáticos. Em 2008 o governo japonês nomeou Doraemon "embaixador" com responsabilidade especial pela promoção da cultura japonesa no exterior.

Ele "tomou posse" numa cerimônia em Tóquio que teve a presença do então ministro das Relações Exteriores, Masahiko Komura. Papel semelhante já foi confiado a ele durante os preparativos para as Olimpíadas de 2020 em Tóquio.

As alegações chinesas suscitaram uma reação sobretudo bem-humorada por parte da comunidade online do Japão. De acordo com traduções ao inglês publicadas no site Japan Crush, um internauta teria dito no 2ch.net: "Caramba, já descobriram nosso plano!".

Outro explicou: "Sabe o que é, se a gente estende o nariz do Doraemon, vira a bandeira japonesa. O Partido Comunista chinês é esperto!".

Um dos editoriais de Chengdu disse que a exposição recente de Doraemon, também promovida em várias outras cidades da China, representou uma forma de "intervenção cultural" japonesa e "uma tentativa de enfraquecer a postura firme do povo chinês em questões históricas".

Outros comentaristas chineses foram mais tolerantes. Escrevendo no "Global Times", Liu Zhun acusou aqueles que enxergam uma influência maligna sobre os jovens chineses de terem uma "reação exagerada".

"A cultura chinesa precisa se globalizar, mas o primeiro passo é sintonizar sua cabeça e abraçar a influência de outras culturas", escreveu Liu.

"Doraemon pode não ser um protótipo exato da cultura japonesa tradicional, mas ainda pode funcionar como representante da cultura japonesa. A China deveria refletir sobre isso."

Muitos chineses que cresceram assistindo ao desenho se recusam a acreditar que o gato possa ser um contrarrevolucionário cuja fofice é enganosa, mas o timing da exposição foi criticado: ela foi inaugurada em 16 de agosto, um dia depois do 69º aniversário da rendição do Japão na Segunda Guerra Mundial.

"A exposição, apesar de ter sido comercial, deveria ter sido mais sensata em seu timing, especialmente considerando que políticos direitistas japoneses liderados pelo primeiro-ministro Shinzo Abe persistem com as palavras e os atos que causam tensão nas relações do Japão com seus vizinhos asiáticos", escreveu Zhu Ping no "China Daily".

"Mesmo assim, politizar a exposição, vinculando o gato robótico à política preocupante do Japão, é ir longe demais."

Enquanto os internautas chineses se dividiram entre os pró e os contra Doraemon, cidadãos japoneses continuaram a demonstrar seu afeto por um dos maiores produtos de exportação de seu país.

No mês passado um museu dedicado a Doraemon recebeu seu milionésimo e meio visitante desde que foi aberto, três anos atrás.

Um avanço pequeno, mas altamente simbólico nas relações tensas entre a China e o Japão podem estar prestes a ocorrer, com a notícia de que está sendo preparado o primeiro encontro de Shinzo Abe e do presidente chinês, Xi Jinping, nos bastidores da cúpula da Apec (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico) em Pequim, em novembro.

Tradução de CLARA ALLAIN

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