"The Voice Brasil" não revelaria alguém como Susan Boyle
Os quatro "técnicos" já estão de costas para o palco. Não veem a dona da voz que começa a cantar um dos temas mais conhecidos do musical "Les Misérables". Um deles fecha os olhos para sentir melhor a música. A moça até que é afinadinha, mas não tem nada de mais.
Outro "técnico" hesita e quase aperta o botão, mas é vencido pela preguiça de ter essa fulana em seu time. Prefere esperar por alguém mais original. Afinadinhas existem aos montes.
A música acaba e as poltronas se viram automaticamente para a intérprete recém-desclassificada. Surpresa geral: quem está em cena é uma senhora de meia-idade, mal-vestida e algo desgrenhada. Susan Boyle acabou de perder a grande chance de sua vida, e agora voltará para sua vidinha obscura nos cafundós da Escócia.
Claro que nada disto aconteceu. Na verdade, miss Boyle participou de outro reality show musical, o "Britain's Got Talent". Que tem um formato exatamente oposto ao do "The Voice": primeiros os jurados veem a figura do candidato e conhecem sua história de vida, e só depois vão escutá-lo.
No "The Voice" - cuja versão brasileira estreou neste domingo, dia 23, na Globo - o que interessa é só a voz, pelo menos teoricamente. Os "técnicos" ouvem os concorrentes sem saber nada sobre eles, nem mesmo a aparência. Parece mais justo, não é mesmo?
Só que esta regra provocou algumas surpresas no primeiro programa. A mais chocante foi a desclassificação do cantor sertanejo Yuri Maizon. Ao perceber que se tratava de um índio pareci que ainda vive numa aldeia no Mato Grosso, os jurados aplaudiram-no de pé e foram abraçá-lo, assumidamente arrependidos por não terem escolhido o rapaz.
Este tipo de "injustiça" talvez seja necessário para aumentar o frisson em torno do "The Voice Brasil". Os concorrentes que chegam a se apresentar no programa já passaram por uma série de crivos, e de fato são todos de alto nível.
Junte-se a isto um júri de celebridades que querem pagar de simpáticas, e o resultado é uma rasgação de seda infinita. Ninguém foi criticado na estreia, nem mesmo os que foram despachados de volta para casa. Todos são incríveis, todos têm lindas carreiras pela frente.
O excesso de carinho também decorre da nossa cultura cordial. Brasileiro tem a maior dificuldade em ser desagradável. Dificilmente algum dos nossos "técnicos" vai se tornar a versão tupiniquim de Simon Cowell, o cruel jurado que já passou pelo "American Idol" e outros concursos similares. O cara não tem dó de arrancar lágrimas dos calouros, porque sabe que estes momentos rendem boa TV.
O curioso é que o diferencial do "The Voice Brasil" vai durar pouco. Quando os times de cada "técnico" estiverem completos, não haverá mais mistério. As vozes não estarão mais desencarnadas, e o programa pode ficar parecido com dezenas de outros.
Talvez fique mais justo também: afinal, consumimos não só a voz dos nossos cantores favoritos, mas também suas imagens e até mesmo suas intimidades (taí a a indústria da fofoca que não me deixa mentir).
Tanto isto é verdade que a edição americana do "The Voice" não revelou nenhum fenômeno do gênero Susan Boyle. Serviu mesmo para turbinar a carreira dos "técnicos" de lá. Adam Levine (o vocalista do Maroon 5) e Christina Aguliera se conheceram durante o reality e gravaram juntos "Moves Like Jagger", um dos maiores hits dos últimos meses em todo o planeta. E ninguém se lembra mais de quem venceu o programa.
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