Celebridades

'Ninguém nunca nos explicou o que estava acontecendo', diz Tom Hanks sobre dramas da infância

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Selo BBC Brasil

Caso fique sozinho em uma ilha deserta, quais álbuns de música gostaria de ter?

Essa é a premissa do programa de rádio "Discos da Ilha Deserta" ("Desert Island Discs"), que a BBC apresenta semanalmente desde 1942.

Nesta semana, o "náufrago" convidado foi o ator Tom Hanks, que ao falar dos discos lembrou, emocionado, da solidão que passou durante a infância "nômade" que teve.

Antes de fazer dez anos, Hanks já tinha tido duas madrastas e havia vivido em dez casas em cinco cidades diferentes.

Assim, aprendeu desde criança que para sobreviver teria que "se aclimatar" a qualquer circunstância que enfrentasse na vida.

Hanks talvez seja o único convidado do programa da BBC que sabe o que é estar em uma ilha deserta, dada a experiência em seu filme "Náufrago" (2000).

Conexão emocional

"Quando fizemos Náufrago , Bob (o diretor Robert Zemeckis) e eu discutimos muito sobre do que sentiria mais falta se estivesse numa ilha deserta", conta Hanks.

"Decidimos que, além da companhia, seria um som que não fosse do oceano, ar ou aves. Algum som feito pelo homem, alguma forma artística que chegasse diretamente aos ouvidos". Ou, dito de outra forma, música.

Tom Hanks chegou ao programa com uma lista de canções que escolheu, baseado na premissa da "conexão emocional que sente ao ouvir cada peça musical".

"Porque são músicas que fazem lembrar onde estava, o que estava fazendo, com quem estava e qual era o momento da vida quando escutou a canção pela primeira vez".

​​Beatles

A lembrança de dividir um quarto aos sete anos com o irmão e o pai levou Hanks a escolher "There's a Place", dos Beatles.

"Ela me marcou com esse conceito de que há um lugar que pertence apenas a você, inclusive se você é um garoto de sete anos que tem que dividir seu quarto".

"Pensava que não estaria sozinho quando estivesse nesse lugar e que me sentiria aceito e feliz. Pensei tudo isso na primeira vez que ouvi essa música."

A canção, diz Hanks, teve um impacto mais forte nele do que em outros meninos de sete anos.

"Meus pais foram pioneiros na lei de dissolução de casamentos na Califórnia. A união durou 11 anos, e nesse tempo eles perceberam que não tinham absolutamente nada em comum e se separaram".

"Mas minha mãe não podia manter quatro filhos. O mais novo acabara de nascer. Assim meu pai nos levou, os outros três filhos, para morar com ele. Logo se casou com outra mulher, outra garçonete de café (como a mãe de Hanks)."

Esse casamento durou uns dois anos.

Hanks, sendo menino, ficou preso na "complexidade" dessas situações. "Nunca fomos vítima de nenhum abuso físico. Mas estávamos confusos porque ninguém nunca nos explicou o que estava acontecendo."

Em cinco anos, Hanks se mudou para dez casas diferentes —a razão era o emprego de cozinheiro do pai, Amos.

Uma "vantagem" dessa vida de "menino errante foi a liberdade de levar minha vida como quisesse", diz Hanks.

"Quando você tem oito anos e vive em uma casa cheia de gente, você aprende a cuidar de si. Comecei a ver exemplos da condição humana que tiveram grande impacto em mim."

Strauss

A seleção musical seguinte de Hanks é "Also sprach Zarathustra" ("Assim Falou Zaratustra"), de Richard Strauss.

"Quando vi '2001: Uma Odisseia no Espaço', de Stanley Kubrick, e começou a tocar a música e a fusão da Lua com a Terra e o Sol... Nunca tinha ouvido essa peça e nem visto aquela imagem", relata o ator.

O ator ganhou dois Oscars, por Filadélfia e Forrest Gump "Era como a visão de Deus sobre nosso Sistema Solar... Essa combinação foi o momento 'uau!' da minha vida. Foi quando passei de ser um menino que buscava descobrir o que lhe interessava na vida a um jovem que queria ser artista."

Segundo Hanks, o encontro com a música de Strauss foi também o momento em que ele começou a "fazer uma série de perguntas sobre como encontrar o vocabulário para expressar o que passava pela minha mente".

Quando a apresentadora do programa de rádio, Kirsty Young, perguntou a Hanks quais eram os pensamentos que o atormentavam quando era um adolescente de 14 ou 15 anos, o ator fez uma pausa para se acalmar.

"Não faça isso comigo", disse Hanks com voz embargada, para completar: "Era o vocabulário da solidão. Eu não tinha vocabulário para expressar aquela solidão."

Ele depois contou que, aos 20 anos, alguém disse que deveria entender uma coisa se quisesse ser ator: que todas as grandes peças de teatro abordam a solidão. "Isso foi como um relâmpago, e pensei: 'é o que me trouxe até aqui'."

O ator, de 59 anos, reconhece que foi "uma tentativa de sufocar essa solidão" que o levou a se casar e ter um filho aos 21 anos.

"Eu pensava que estava seguindo a ordem natural das coisas", diz ele, que naquela época sobrevivia "fazendo um pouco de tudo" como ator em Nova York.

Seu grande ano, conta, foi 1988, quando, aos 27 anos, conheceu sua segunda mulher, a atriz Rita Wilson.

"Eu me dei conta que havia experimentado muitos compromissos amargos e que havia conseguido superá-los, e que as coisas que tinham que ter me destruído não haviam me destruído."

"E no fim, acabei encontrando essa outra pessoa, de quem pensei: 'ela, sim, me entende'", afirmou o ator.

"O que senti quando conheci minha esposa foi: 'acho que nunca mais me sentirei sozinho'."

Talking Heads

Hanks escolheu "Once in a Lifetime", dos Talking Heads, como homenagem ao primeiro encontro que teve com Rita Wilson.

Naquele mesmo ano Hanks foi indicado para um Oscar pelo papel em "Quero ser Grande" (1988). O resto é história.

Ele já foi premiado com dois Oscars (por "Filadélfia" e "Forrest Gump"), oito Emmys, um Bafta e quatro Globos de Ouro. E é o ator mais jovem que já recebeu uma distinção do American Film Institute.

E se ele tivesse que escolher um objeto para tornar sua vida mais suportável em uma ilha deserta, qual seria? "Uma máquina de escrever portátil e papel", afirma o ator. "Porque com esses objetos você sempre terá algo a fazer na vida."

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