Mãe de seis, mulher de Brad Pitt e ativista, Angelina Jolie volta às telas em 'Malévola'
"Bom dia, você é meu primeiro", diz uma sorridente Angelina Jolie. Sem maquiagem, a maior estrela de Hollywood me recebe vestindo um suéter cinza largo e calças de seda da mesma cor. Segura com as duas mãos finas uma caneca de chá quente e tem o dom de fazer o cenário ao seu redor parecer apenas isso, cenário. Ela é uma estrela, mas não uma diva. Está relaxada nesse papel e responde a todas as perguntas de modo assertivo e sereno.
Move-se graciosamente pelo quarto antes de escolher onde sentar. Então, cruza as longas pernas lentamente, inclina-se para frente, apoia o queixo na mão e me olha nos olhos quando diz: "Senti falta disso, de entrevistas, de conversar sobre cinema. Quem diria?" E sorri com aquela boca imensa.
O local escolhido por ela é o hotel Bel-Air, o preferido de Elizabeth Taylor, de Marilyn Monroe e da princesa Grace de Mônaco. É um de seus lugares preferidos. Sua vida "profissional" começa perto da hora do almoço. Mas a mãe de seis já está em pé desde cedo.
"Nosso primeiro compromisso de todos os dias é preparar o café da manhã das crianças", diz. "A família está sempre em primeiro lugar. Se algo acontece em casa, cancelamos qualquer compromisso."
A frase é forte, mas não é 100% verdadeira. Afinal, Angelina Jolie é a metade do casal mais badalado de Hollywood -a outra, caso você tenha morado em Saturno nos últimos nove anos, é o ator e produtor Brad Pitt, 50. "Eu e Brad temos um planejamento. Nesse momento, ele está passando mais tempo com as crianças."
Ou seja: às vésperas da estreia mundial do novo filme da atriz, seu parceiro (ou noivo, ela confirmou que devem se casar em breve) passa os dias correndo atrás dos seis filhos do casal, Maddox, 12, Pax, 10, Zahara, 9, Shiloh, 7, e o casal de gêmeos Knox e Vivienne, 5.
Brad não pode reclamar. Angelina volta aos cinemas como atriz em "Malévola", releitura do clássico da Disney "A Bela Adormecida", que estreia em 29 de maio, interrompendo uma pausa de quatro anos sem atuar. "Eu não sabia o que fazer", diz a atriz de 38 anos sobre o hiato.
"Há alguns anos, cheguei à conclusão de que gostaria de contar histórias de uma maneira diferente. E, desde então, não encontrei nada que me importasse o suficiente para me afastar da família por meses. Precisaria ser algo que nunca tivesse feito antes."
A GRANDE VIRADA
Não foi apenas uma decisão motivada pela falta de bons roteiros em Hollywood. Em maio do ano passado, Angelina passou por uma cirurgia para a retirada das duas mamas e colocou seios de silicone no lugar.
O procedimento, segundo artigo escrito pela própria atriz no "New York Times", diminuiu suas chances de desenvolver um câncer de 87% para apenas 5% -a mãe dela, Marcheline Bertrand, morreu em 2007, aos 56 anos, vítima de câncer de ovário. A atriz ainda planeja passar por outra cirurgia para a retirada do útero e dos ovários.
Esse é o único assunto que parece deixá-la incomodada —"um pouco envergonhada", como ela diz. "Mas estou bem, muito bem. Obrigada por perguntar", responde, em tom mais frágil que o de costume. "Em minhas viagens, encontro mulheres que passaram pela mesma situação e conversamos sobre saúde, câncer de mama, de ovário. Me sinto muito próxima delas. A bondade e o apoio das pessoas me comoveram."
Mas ela sabe que sua vida é diferente da vida das pessoas comuns. E cheia de privilégios. Ela é rica, bonita, famosa, requisitada. Mas sempre teve grandes dramas. Na adolescência, a tendência depressiva a levou a fazer cortes nos braços e pernas. Era louca por facas.
Foi casada duas vezes e abandonou os dois maridos, o ator inglês Jonny Lee Miller, 41, com quem ficou de 1996 a 1999, e o ator e diretor americano Billy Bob Thornton, 58, com quem ficou de 2000 a 2003 e cujo nome tatuou no ombro esquerdo.
A tatuagem foi apagada com laser e substituída pelas coordenadas geográficas dos locais de nascimento de seus filhos (Camboja, Etiópia, Vietnã, Namíbia e França) —os três mais novos biológicos, os três mais velhos, adotivos.
GAROTA MIMADA
A relação com o pai, o ator Jon Voight, 75, é tumultuada desde que ela descobriu as infidelidades dele, que causaram o fim do casamento com sua mãe, em 1980. Tirou o sobrenome Voight na Justiça. Pai e filha passaram anos sem se falar e só voltaram a conviver depois da intervenção de Brad Pitt.
Em 2000, ano em que ganhou o Oscar de atriz coadjuvante pelo filme "Garota, Interrompida" (mas não por causa disso), sua cabeça começou a mudar. Nesse mesmo ano, filmou a superprodução "Lara Croft: Tomb Raider", no Camboja, e se assustou com a miséria do país.
A garota mimada de 26 anos, que se gabava de dormir com facas embaixo do colchão e usava um colar com gotas de sangue do então marido Billy Bob, começava a amadurecer. Dois anos depois, adotou seu primeiro filho, Maddox, no país. Virou embaixadora da Boa Vontade da ONU e já visitou 30 regiões pobres ou em conflito.
Em 2008, em visita ao Afeganistão, a atriz descobriu ser "alvo" de grupos radicais por ser mulher e fazer parte da comitiva da ONU —tentaram invadir seu alojamento e ela foi obrigada a andar com colete à prova de balas.
Chegou a escrever uma carta de despedida para Brad Pitt, que levava no bolso do colete o tempo todo. "Não aconteceu nada, mas, duas semanas depois, um esconderijo da ONU foi destruído em uma explosão. Imaginei que, se algo acontecesse comigo, ele encontraria a carta", disse ela.
"Depois de ver os horrores que os homens podem fazer uns com os outros, como genocídio, estupro e tortura, não posso evitar o pensamento de que existe o mal verdadeiro", diz. "Parece que há mais situações extremas hoje em dia. Existe mais sensibilização, mas menos habilidade para levar criminosos à Justiça. Também esquecemos facilmente as crises e pulamos para outra mais da moda. Nada está completo. Não acabamos com o conflito no Iraque ou no Afeganistão. É frustrante."
Angelina, que estudou direção e roteiro na Universidade de Nova York antes dos 20 anos, resolveu praticar o ativismo também por trás das câmeras. Em 2011, lançou seu primeiro longa de ficção como diretora, "Na Terra de Amor e Ódio", um drama de guerra pesadíssimo e sem final feliz sobre um relacionamento durante a Guerra da Bósnia (1992-1995). "É uma carreira nova e exige tempo e dedicação", diz.
Ela já tem um novo projeto como diretora, "Unbroken", baseado na história do americano Louis Zamperini, um ex-corredor olímpico, hoje com 97 anos, que lutou na Segunda Guerra, ficou à deriva por 47 dias no Pacífico após um acidente de avião e virou prisioneiro dos japoneses por dois anos.
O roteiro circulou por Hollywood por quase 30 anos até cair nas mãos de Angelina e ganhar aura imediata de concorrente ao Oscar —tanto que o estúdio decidiu lançar o longa em dezembro, período reservado para filmes que querem prêmios. "Louis tem uma história incrível e é meu vizinho", diz a atriz.
HUMANITÁRIA
No ano passado, enquanto estava filmando "Unbroken" na Austrália, não pôde se dedicar tanto ao seu lado humanitário nem viajar a campos de refugiados mundo afora, atividade a que se dedica com frequência desde 2012. "Foi difícil me afastar do trabalho nas Nações Unidas. Foi também a única vez em que precisei me separar por mais de uma semana da família."
Ela voltou a percorrer zonas de conflito neste ano. Pouco antes da entrevista, estava no Líbano, dando voz para a história de uma garotinha que perdeu os pais nos conflitos na Síria e precisava cuidar do irmão mais velho, atingido por explosões.
Dias depois, estava na Inglaterra falando sobre a Iniciativa de Prevenção à Violência Sexual (Psvi), que atua principalmente em zonas de conflito. "Parece que faço muito, mas esse tipo de ação é mais fácil para nós, artistas, que trabalhamos poucos meses por ano e temos muito tempo livre", diz. "Sinto pelas famílias que não têm esse privilégio."
PERVERSA E ELEGANTE
Mas como uma mulher aparentemente tão preocupada com o estado sócio-econômico-ambiental do mundo, que ouve histórias de horror em diferentes países, volta para casa e encara o trabalho num conto de fadas da Disney?
"Não sinto que as duas coisas estejam separadas", diz. "Acordei essa manhã com meus filhos do lado e vivendo nesse mundo, então quero saber o que acontece nele e fazer minha parte", diz. "Quero exibir 'Malévola' em um campo de refugiados. Sorrir pode ajudar."
A vilã Malévola é um ícone da animação da década de 1950 que ganha agora a boca, os olhos e o corpo de Angelina Jolie. "Era minha personagem preferida na infância. Tinha medo, mas me sentia atraída. Havia algo perversamente maravilhoso nela, uma mulher elegante com muito autocontrole", diz. "Malévola é assustadora porque representa a mulher, a mãe, alguém que deveria significar a segurança de uma criança, mas é o próprio perigo."
Quando levou os filhos para o set, na Inglaterra, apareceu caracterizada como a vilã, com próteses nas bochechas e chifres pretos e retorcidos na cabeça. Seu filho Pax, de dez anos, saiu correndo com medo. "Pensei que fosse brincadeira", diz. "Comecei a correr atrás dele como se fosse a personagem, mas ele estava realmente assustado. Precisei tirar os dentes pontiagudos, toda a maquiagem e as próteses na frente dele para acalmá-lo."
Mas nem todos se assustaram. A pequena Vivienne, 5, não precisou fazer testes para viver o papel da princesa Aurora quando criança. Foi nepotismo involuntário. "Precisávamos de uma menina que não tivesse medo de mim, porque Aurora não enxerga Malévola como um demônio e tem um coração puro", conta a atriz. "Vivi era a única que não chorava quando me via."
"Malévola" é o primeiro filme como diretor de Robert Stromberg, técnico de efeitos visuais de longas como "Jogos Vorazes" e "As Aventuras de Pi". E tem recebido críticas por querer "humanizar" a vilã, uma feiticeira que se vinga do desprezo de um rei (Sharlto Copley) ao lançar uma maldição na princesa Aurora (Elle Fanning, quando alcança a adolescência).
"O filme explica como ela ganhou a imagem que todo mundo tem de Malévola. É sobre as origens do mal", justifica a atriz. "Para combater o mal, precisamos entendê-lo."
ABAIXO, ASSISTA AO TRAILER DE "MALÉVOLA":
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