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Você pode se se unir a Deus via Zoom?

Grupo religioso de quakers se reúne via app para culto com maior grau de intimidade

App de chamadas de vídeo Zoom
App de chamadas de vídeo Zoom - Olivier Douliery / AFP
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Bianca Giaever
Nova York

Pelos últimos 27 anos, Ted Ehrhardt acordava a cada domingo e ia em direção ao culto da Brooklyn Quaker Meetinghouse, em Nova York. "Espero a semana toda por esse dia", ele disse. "Conheço cada tábua naquela sala, cada rachadura no gesso."

Os quakers [grupo religioso] se reúnem na casa de culto da rua Schermerhorn desde 1857. As paredes da sala são brancas e nuas, e quando você olha para cima para ver as horas, não há um relógio. A única decoração da sala é um buquê de flores, trazido a cada semana pelo comitê floral.

Depois de lutar na guerra do Vietnã, Ehrhardt, 76, se deixou atrair pelo movimento quaker por causa de sua mensagem contrária à violência. “Sou um homem muito conflitado, confuso e perplexo”, ele disse. “Para mim, o culto é fundamental. É o que me ajuda a manter o prumo."

Por isso, quando ele descobriu que o culto não poderia continuar por conta do coronavírus, Ehrhardt sentiu ter perdido o rumo. Não muito depois, os membros do conselho e do ministério quaker desenvolveram um plano alternativo. O culto seria retomado via Zoom. "A fim de fomentar a quietude e a placidez, seu som deve ser bloqueado assim que começar a participar da reunião", o anfitrião do culto agora anuncia a cada culto virtual dominical, em Brooklyn.

No culto quaker, os membros se sentam em companhia uns dos outros em silêncio, esperando que uma mensagem de Deus se espalhe entre eles. A nova fronteira do culto virtual quaker criou uma questão: será possível se congregar com Deus via Zoom?

"Contei aos meus vizinhos que estou participando do culto quaker via Zoom, e eles riram", afirmou Meg Langworthy, de Middlebury, Virgínia, em um email. "Ficar sentada em silêncio diante de um computador por uma hora. Há coisas que não se pode explicar."

Sasha Chavchavadze, membro do comitê floral em Brooklyn, continua a montar buquês para o culto via Zoom. "Trazer as flores é um ato de devoção", ela disse. "Para mim, é parte do culto." Para uma reunião no mês passado, ela montou um buquê de flores de cerejeira, que tinham florescido pouco antes no quintal da antiga casa de sua mãe em Wellfleet, Massachusetts. “Eram lindas”, ela disse.

Desde que os cultos se tornaram virtuais, no final de março, Arthur Fink, 73, de Portland, Maine, vem participando de cultos realizados no mundo todo. Ele começa sua reunião dominical em um culto realizado em Amsterdã, uma cidade que costumava visitar, e depois participa de um culto em Birmigham, Inglaterra, e de outro no Pendle Hill Institute, nas cercanias de Filadélfia, antes de terminar em Portland, “num dia repleto do espírito”, ele disse.

Via Zoom, as reuniões têm um novo grau de intimidade. Rostos e expressões ficam claramente visíveis. "Vejo que as pessoas estão profundamente envolvidas no culto", disse Joan Malin, sobre seus correligionários quakers em Brooklyn. “Existe uma vulnerabilidade quando alguém está envolvida, e as pessoas agora colocam isso na tela para que todos compartilhemos”, ela disse. “Isso me ajuda a chegar ao mesmo estado."

Os cultos caseiros também afetaram a natureza do “ministério vocal”, os momentos de uma reunião em que um participante se sente compelido a falar. Em uma reunião em Brooklyn, alguém se voltou na direção dos pés de mostarda em seu jardim.

Em Middlebury, Vermont, Robert Wyatt se dirigiu ao piano e tocou uma canção curta. Em Westerly, Rhode Island, um participante se esqueceu de bloquear o microfone depois de uma mensagem, e por diversos minutos o som de um passarinho cantando foi audível no culto via Zoom. “Agradeço por esse pássaro que entrou em nossa reunião”, disse Debbie Dear, 86, de Mystic, Connecticut.

Não é a primeira vez que os quakers realizam cultos fora das casas de culto. Por nove anos e meio, começando em 1994, um grupo de quakers de Brooklyn realizou cultos silenciosos diante da sede da Suprem Corte do estado de Nova York, nas tardes de quarta-feira, como protesto contra a pena de morte. E Chavchavadze recorda uma ocasião em que uma integrante não encontrou onde estacionar diante do local de culto, e participou de dentro do carro. “Àquela altura, ela disse ter compreendido que podia participar do culto em qualquer lugar”, disse Chavchavadze.

Jim Morgan, de Manhattan, diz que continua a participar mentalmente do culto em Brooklyn. “Tenho um lugar específico no qual me sento e contemplo as janelas para o oeste, e consigo imaginar a qualidade da luz”, ele disse. “Consigo imaginar as demais pessoas lá, e as pessoas que já não estão conosco”.

Morgan conheceu sua companheira, Lyn Pyle, em uma reunião quaker 24 anos atrás. Desde que o confinamento começou, ele está em Savannah, Geórgia, e Pyle no Bronx. Quando ele participa da reunião via Zoom usando seu celular, procura o rosto dela entre os participantes, e coloca a imagem de Pyle ao lado da sua na tela. “Ela é uma das três pessoas em minha tela”, ele disse. “Gosto mais quando ela fica à minha esquerda”, a posição que ela ocuparia no banco da casa de culto.

No caso de Ehrhardt, o veterano do Vietnã, será que ele acha possível se congregar com Deus via Zoom? "Deixe-me pensar um pouco antes de responder”, ele disse. Ficamos em silêncio. "Creio que sim", ele prosseguiu. "A maioria de nós é silenciosa o bastante para ouvir aquela voz discreta."

The New York Times
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