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Estudo traz novas pistas sobre sofisticada sociedade que ergueu enigmáticas estátuas gigantes da Ilha de Páscoa

A maior parte dos quase 900 moais mede de 4 a 6 metros de altura

Arqueólogos conseguiram levantar importantes pistas sobre o nível de sofisticação da sociedade que construiu os moais
Arqueólogos conseguiram levantar importantes pistas sobre o nível de sofisticação da sociedade que construiu os moais - BBC News Brasil
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Descrição de chapéu BBC News Brasil
Milão

Os moais, as gigantescas esculturas da Ilha de Páscoa, estão entre as construções mais misteriosas de nosso planeta. Mas foi se debruçando sobre resquícios das ferramentas utilizadas pelos antigos habitantes da ilha, os rapanui, que um grupo de arqueólogos conseguiu levantar importantes pistas sobre o nível de sofisticação dessa sociedade.

O estudo foi publicado nesta segunda-feira (13) no periódico "Journal of Pacific Archaeology". De acordo com a antropóloga Laure Dussubieux, pesquisadora do Museu Field de História Natural de Chicago, nos Estados Unidos, e uma das autoras da pesquisa, a grande descoberta está em como a sociedade dos construtores de moais era organizada e complexa, com muita interação e troca de informações entre os habitantes.

Para compreender este cenário é preciso recuar um bocado no tempo. Os moais –são cerca de 900– foram construídos na Ilha de Páscoa, um dos lugares habitados mais remotos do mundo, a 3.700 quilômetros da costa do Chile, no Oceano Pacífico.

Marinheiros polinésios lá chegaram por volta do ano 1100. Tornaram-se o povo rapanui. As gigantescas esculturas de pedra foram erguidas entre os anos de 1250 e 1500. Até então, se acreditava que essa sociedade tivesse sido destruída logo após a construção dos moais, em decorrência de guerras e fome, causadas pela exploração excessiva dos recursos naturais.

Mas a história não foi bem assim, conforme mostram os cientistas. Eles analisaram a composição química dos resquícios das ferramentas utilizadas pelos rapanui na construção dos moais. E descobriram que as relações dessa sociedade eram complexas, uma vez que encontraram evidências de compartilhamento de informações e colaboração.

"Essa ideia de competição e colapso na Ilha de Páscoa pode ser exagerada", afirma o principal autor da pesquisa, o antropólogo e arqueólogo Dale Simpson Jr., da Universidade de Queensland. "Para mim, a organização industrial das esculturas em pedra é uma evidência sólida de que havia cooperação entre famílias e grupos de artesãos."

Em conversa com a BBC News Brasil, o cientista detalhou essas evidências. Basicamente, o uso de materiais não originários de determinada região da ilha indica que havia uma troca entre diferentes grupos. Além disso, os padrões de distribuição de determinados elementos mostram que havia uma organização hierárquica clara. "Nosso estudo sugere um mínimo de supervisão sociopolítica e econômica e competição por recursos significativa entre membros de cada clã", comenta Simpson.

PESQUISA

O grupo de está há 35 anos pesquisando na Ilha de Páscoa –desse total, Simpson participou de 17 anos. O cientista lembra ainda que a análise do tamanho e da quantidade dos moais também mostra que era necessária uma sociedade complexa para a construção.

A maior parte dos quase 900 moais mede de 4 a 6 metros de altura, e seu peso médio é de 14 toneladas; o mais alto deles tem quase 10 m de altura e há uma estátua inacabada que, pronta, teria cerca de 21 metros de altura.

"Os antigos rapanui tinham chefes, sacerdotes e se organizavam em associações de profissionais que pescavam, cultivavam o solo e esculpiam", afirma. "Era preciso um certo nível de organização sociopolítica, ou não seria possível esculpir quase mil estátuas."

O trabalho de Simpson, Dussubieux e o restante da equipe consistiu em analisar detalhadamente 21 das cerca de 1.600 ferramentas de pedra –feitas basicamente de basalto– recolhidas em escavações arqueológicas na ilha. Na essência do trabalho, estava a ideia de que o estudo de tais ferramentas poderia revelar a maneira como elas eram usadas e, consequentemente, como era a interação entre os escultores ancestrais. Além disso, trazia pistas de como funcionava a "indústria" rapanui de produção de estátuas.

Dussubieux conta que, com o trabalho, foi possível descobrir de onde vinham as matérias-primas usadas para a fabricação dos artefatos e, então, compreender as relações entre diferentes comunidades da ilha – seriam pelo menos três pedreiras de basalto as fontes do material. "Como todo mundo usava o mesmo tipo de pedra, fica claro que eles tinham de colaborar. É por isso que foram bem-sucedidos: eles trabalhavam juntos", argumenta Simpson.

Para Dussubieux, o estudo ainda pode oferecer "insights" sobre o funcionamento de outras sociedades, antigas ou contemporâneas. "O que acontece no mundo é cíclico. Ou seja: o que já aconteceu no passado acontecerá novamente. A maioria das pessoas não vive em uma pequena ilha –mas o que aprendemos sobre as pessoas e as interações no passado são muito importantes para nós agora, porque o que molda nosso mundo é como interagimos", afirma.

Segundo os cientistas, o estudo desmente a narrativa oficial de que os habitantes da Ilha de Páscoa acabaram ficando sem recursos e, portanto, entrado em colapso. A civilização rapanui já estava decadente quando os europeus chegaram à ilha, em 1722. Havia entre 2.000 a 3.000 rapanuis vivendo nela. Doenças europeias, escravidão e emigração para outras ilhas acabaram reduzindo drasticamente a população nativa. Quando a ilha foi anexada pelo Chile, em 1888, havia pouco mais de 100 descendentes de rapanuis vivendo nela.

OUTRAS EXPLICAÇÕES

Não faltam teorias nem para o que seriam os moais, nem para o que teria causado o desaparecimento dos rapanui. A explicação mais aceita sobre as estátuas é a de que seriam monumentos em homenagem a líderes mortos. Mas há ainda quem veja nos moais uma espécie de reprodução da distribuição astronômica das estrelas ou mesmo que eles funcionariam como para-raios nas constantes tempestades da ilha.

Quanto ao desaparecimento dos rapanui, muito também já se falou. Em 2016, o biólogo espanhol Valentí Rull, autor do livro "La Isla de Pascua: Una Visión Cientifica" e membro do Conselho Nacional de Pesquisa da Espanha, publicou um estudo no qual propunha uma reavaliação holística sobre o que teria acontecido com a sociedade rapanui.

Ele levantou todas as hipóteses correntes –o esgotamento dos recursos da ilha, a ideia de que eles teriam sido dizimados por doenças europeias e por tráfico de escravos, a devastação do ecossistema– e propunha uma resposta consistente na soma de todas elas.

"As diferentes interpretações podem ser complementares, mas não excludentes. Na última década, houve um boom de novos estudos, e eles exigem que reconsideremos as questões climáticas, ecológicas e culturais que ali ocorreram", defendeu o cientista.

Rull lembrou que amostras sedimentares propiciaram um estudo sobre os últimos 3 mil anos do clima da ilha, demonstrando como a alternância de secas com estações chuvosas pode ter influenciado nas populações. Ao mesmo tempo, análises arqueológicas de artefatos e restos humanos também estão cada vez mais mostrando como era essa sociedade.

NOME

Pesquisas científicas à parte, o governo chileno anunciou, no início deste mês, que deve rebatizar a Ilha de Páscoa em referência ao passado ancestral do local. Assim, seguindo uma proposta apresentada por parlamentares chilenos em 2016, a ilha deve se chamar Ilha Rapa Nui.

A justificativa governamental para a mudança diz que Ilha de Páscoa lembra um "passado de invasão, saqueamento, escravidão e fim de sua cultura". Rapa Nui, que significa "Ilha Grande", era o nome ancestral do local. Ilha de Páscoa foi o nome dado pelo explorador holandês Jakob Roggeveen (1659-1729), oficialmente o primeiro europeu a pisar na ilha –como ele chegou em um domingo de Páscoa, resolveu dar-lhe este nome.

BBC News Brasil
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