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Viva Bem
Descrição de chapéu maternidade

Mães dizem se preocupar mais com aceitação e autoestima dos filhos

Psicólogas dão dicas de como ajudar crianças e adolescentes

Gaby Viana, 36, e a filhas Helena, 7 anos, e Olívia, 10 meses Ronny Santos -4.mai.2021/Folhapress

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São Paulo

Quando era criança no fim dos anos 1980 e início dos anos 1990, a maquiadora Gaby Viana, hoje com 36 anos, afirma que a principal referência de beleza era a Xuxa, que comandava todas as manhãs na Globo, o programa infantil de maior audiência da TV. "E ela não representava em nada o que eu via quando me olhava no espelho."

"Eu brinco que a Xuxa ferrou com o psicológico de muitas meninas negras. Você chegava no recreio na escola e não podia brincar, porque as meninas todas estavam brincando disso, umas eram a Xuxa, e outra eram as paquitas, também loiras", relembra.

Se enxergar bonita e se aceitar foi um processo para Gaby, que hoje tem essa preocupação com as suas duas filhas: Helena, 7, e Olívia, 10 meses. Felizmente, diz ela, há atualmente muito mais referências de meninas e mulheres negras em livros, desenhos e na mídia que colaboram nessa questão.

Levantamento da Kantar Insights mostra que a aceitação é hoje o principalmente ensinamento que as mães querem passar às filhas. A pesquisa "O Que as Mulheres Querem" ouviu 800 mulheres, de 18 a 65 anos, entre 9 e 17 de fevereiro de 2021.

Desse total, 20% das entrevistadas disseram querer transmitir às filhas e a outras mulheres com quem convivem a ideia de que elas são especiais por si só, e não se devem comparar tanto nem ter vergonha do corpo. Em 2019, de acordo com o mesmo estudo, o tema da aceitação era prioridade para 9%.

A assessora Lenina Velloso, 39, mãe de Luísa, 7, afirma que o assunto começou a preocupá-la conforme a filha foi crescendo e após ela iniciar a vida escolar, quando surgiram os primeiros comentários de pessoas de fora, como os colegas de sala. "Você começa a ficar atenta sobre que percepção a criança está tendo dela mesma a partir do olhar do outro."

"Eu sempre falei e reforcei que temos que nos gostar do jeito que somos. Não importa se está mais gordinha ou magrinha, se tem cabelo liso ou enrolado", diz. Mais do que falar, Lenina afirma ter percebido que precisava dar o exemplo. Ela passou a se policiar para não reclamar do próprio corpo na frente de Luísa.

Segundo a psicóloga Karina Zihlmann, professora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), de fato o exemplo é muito importante para as crianças, mas é preciso tomar cuidado com a incoerência. "Se a autoaceitação da própria mãe não tiver tranquila, se for um discurso da boca para fora, é óbvio que a criança vai perceber", explica.

A transmissão desse valor passa por algo que precisa ser verdadeiro, reforça a profissional. Zihlmann destaca que existe toda uma comunicação não verbal, como o olhar e a entonação ao falar, que vai revelar para a criança se existir uma contradição entre o discurso da mãe e a sua própria aceitação.

Tanto Lenina quanto Gaby Viana afirmam que se preocupam em passar para as filhas que a aparência não é tudo. "O que eu espero é que a Luísa possa aceitar o seu corpo, amando a si própria do jeito que é, mas sabendo que isso é só um detalhe de quem somos. Sem valorizar demais essa questão física, já que ela é muito menos importante do que aquilo que somos por dentro."

Lenina Velloso, 38, com a filha, Luísa, 8
Lenina Velloso, 39, com a filha, Luísa, 7 - Arquivo Pessoal

A maquiadora segue postura semelhante e diz que ela e o marido procuram ressaltar na filha mais velha, já que a menor ainda é uma bebê, outros aspectos, como o fato de ela ser corajosa, por exemplo. "Se ela comete algum erro, nós dizemos: 'Pelo menos você tentou fazer, você está se esforçando, foi a solução que você foi capaz de encontrar nesse momento", descreve.

Para a psicóloga Izabella Paiva Monteiro de Barros, pesquisadora do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo), de fato a autoimagem da criança e do adolescente não pode estar alicerçada apenas em valores e elementos que sejam muito instáveis. "E a estética é um deles, porque a pessoa se transforma, se modifica. Então, a gente não pode ter a nossa autoimagem ancorada em um único bem, em um único valor."

As especialistas, porém, lembram que os padrões e modelos não existem só em relação à imagem do corpo, mas também ao desempenho profissional, sexual e outros. "É muita cobrança. Isso acaba sobrecarregando qualquer ser humano", pontua a psicóloga Zihlmann.

Como agir então? Para ambas, um aprendizado importante de aceitação que não só as mães, mas os pais e a família como um todo, devem passar às crianças é assumir as próprias limitações e imperfeições. "É importante dizer para um filho: você não precisa ser onipotente, você não precisa ser perfeito e, no entanto, você é amado", exemplifica Zihlmann.

Outro fator importante, segundo a psicóloga Izabella Barros, é que não dá para negar que o ser humano é constituído, sim, a partir do olhar do outro. É algo estrutural, diz ela. Por isso, não faz sentido dizer para uma criança simplesmente não ligar quando o outro apontar alguma suposta imperfeição.

Pode machucar sim. "Não podemos ser hipócritas de pensar que alguém na face da terra, algum ser humano possa ignorar completamente a opinião do outro", afirma. "Mas isso não significa que a gente vai sucumbir a partir do que o outro nos diz", complementa.

O desafio é justamente encontrar esse caminho do meio. Ajudar para que a criança possa entender o que a feriu tanto. "É refletir: vamos ver disso que o outro falou o que é verdade para você, o que faz sentido", diz Barros.

Essa saída passa pelo autoconhecimento de pais e filhos, que pode ser incentivado e conquistado por diferentes meios, um dos mais conhecidos são as terapias e análises.

MÃES SOBRECARREGAS

Realizada um ano após a pandemia, a pesquisa da Kantar identificou que a autoestima, especialmente entre as mães, sofreu impacto. Nesse grupo, de acordo com o levantamento, a quantidade de mulheres que se declarou com autoestima acima da média diminuiu significativamente, de 35% em 2019 para 21% em 2021.

“Estresse por sobrecarga decorrentes do acúmulo de tarefas domésticas, preocupação com a família e com o trabalho decorrentes desse momento de pandemia. Isso se soma a um maior convívio entre os casais onde a desigualdade do papel do homem e a tripla jornada feminina ficam mais evidentes", afirma Luciana Piedemonte, diretora de contas da Kantar.

"Esses aspectos levam a uma exaustão física e mental que impacta na crença sobre a sua capacidade e na percepção sobre o seu valor”, acrescenta.

Para a psicóloga Karina Zihlmann, a ideia da sororidade é muito potente e revolucionária e pode ajudar as mulheres neste momento. "Na pandemia, cada vez mais as mães estão sozinhas e isoladas. Temos que encontrar novas parcerias."

"Poder trocar experiência com alguém que vive a mesma coisa que você é muito potente. Uma das coisas positivas do mundo online é que podemos encontrar parceiros e grupos de discussões que, no mínimo, vão ajudar a perceber que você não está sozinha", diz Zihlman.

ADOLESCENTES

A comunicadora digital e DJ Beatrice Oliveira, 42, faz questão de salientar que é preciso fazer o recorte de raça na questão da aceitação. "A autoestima para nós, povo preto, desde sempre nos foi tirada, nos foi roubada por causa do nosso passado de escravidão e das muitas violências sofridas."

Ela afirma que vivenciou o racismo estrutural na infância. "Porque os meus traços eram vistos como feio, a boca, o nariz, o cabelo". Foi só adulta, diz, que ela se enxergou como uma mulher bonita, interessante e inteligente.

Por causa da sua experiência, Oliveira relata que, quando teve o filho, Zion, hoje com 17 anos, quis que ele tivesse uma vivência completamente contrária. "Eu inicie desde cedo nele essa questão da identidade, dele saber que era uma criança negra."

Beatrice Oliveira, 42, e o filho, Zion, 17
Beatrice Oliveira, 42, e o filho, Zion, 17 - Arquivo Pessoal

Um dos símbolos trabalhados nessa aceitação foi deixar o cabelo dele grande como forma de combater o padrão contra os fios crespos. "Menino preto viva careca no passado, porque cabelo crespo não era aceitável."

Dos 6 aos 11 anos, Zion usou dreads. "Eu entendia a força que aquilo tinha para autoestima." Hoje, ela conta que o jovem usa o cabelo completamente diferente. Como ele gosta de funk, o visual segue influências desse gênero.

Para ela, está tudo bem, porque se sentir parte de uma comunidade faz parte da adolescência. Além disso, Beatrice Oliveira destaca que grande parte desse trabalho de aceitação foi feito lá na infância. "Mostrando para ele que ele pode ser o que quiser, usar o cabelo do jeito que quiser."

A psicóloga Karina Zihlmann salienta que, de fato, as relações genuínas quando os filhos são pequenos dão crédito para as mães e os pais usarem mais tarde —é natural que o adolescente passe a questionar tudo.

Ela afirma ser importante que as mães e os pais não abandonem o diálogo e se mantenham próximos dos filhos, atualizados com as referências e influências deles. Especialmente nas muitas opções oferecidas pela internet e nas redes sociais. "Uma das funções do pai e da mãe é ajudar a navegar nesse mundo."

A psicóloga Izabella Barros complementa que não adianta simplesmente ir contra às novas mídias e ferramentas, como, por exemplo, os filtros de aplicativos. "O desafio é o que a gente vai fazer com aquilo que já está posto. Por isso, a importância do autoconhecimento e dessa relação de confiança estabelecida entre mãe e filhos, e entre pais e filhos."

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