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Harmonização facial eleva autoestima de famosos e anônimos, mas pode haver riscos

Saiba quanto custa, como funciona, quem realiza e quais os principais problemas

A relações públicas Daniela Raddi durante procedimento de harmonização facial

A relações públicas Daniela Raddi durante procedimento de harmonização facial Bruno Santos/Folhapress

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São Paulo

Na era da disseminação das selfies, um rosto perfeito é o sonho de consumo de muitas pessoas. Fazer sumir aquela ruguinha que teima em aparecer, levantar a pontinha do nariz que aponta para baixo quando você sorri ou mesmo revitalizar a pele que deu aquela caída com o passar dos anos são apenas alguns dos anseios de quem se submete a uma harmonização facial.

O procedimento estético, já há alguns anos, virou moda entre os famosos e, cada vez mais, vem se disseminando entre anônimos. E nem a pandemia do novo coronavírus aplacou a vontade de melhorar aquilo que a genética deu a cada um. Basta dizer que, de março a outubro, a procura pelo termo teve um crescimento de 115% no Google, segundo levantamento da empresa de pesquisa e análise de comportamento digital Decode.

Mas, afinal, o que é a harmonização facial? O dermatologista Ivan Rollemberg, 33, que tem entre os clientes de sua clínica na zona sul de São Paulo nomes como Grazi Massafera, Giovanna Antonelli, Wesley Safadão e o cantor sertanejo Mariano, que atualmente está em A Fazenda 12, é um dos especialistas que se destacaram neste conjunto de técnicas que visam buscar, como o próprio nome diz, uma harmonia maior para a face.

"Uma face harmônica depende de vários fatores", explica o médico, que já realizou o procedimento em cerca de 2.000 pacientes. Ele diz que seu primeiro balizador é a proporção áurea, constante matemática que aparece em diversos elementos da natureza, inclusive no corpo humano, e é bastante utilizada nas artes desde a Antiguidade.

Porém, não basta fazer cálculos para se chegar a um resultado satisfatório e que vá funcionar para todos. "Não se trata de buscar uma simetria perfeita", afirma. "As faces mais bonitas, do meu ponto de vista, não são necessariamente as que têm uma simetria perfeita, mas as que são mais equilibradas."

O médico afirma que o conjunto de técnicas que envolvem a harmonização facial já existem há muitos anos. Elas podem envolver procedimentos invasivos (como lifting, rinoplastia e próteses). No entanto, os processos não-cirúrgicos são os que tem consquitado os brasileiros.

De fato, dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) apontam que procedimentos cirúrgicos e não-cirúrgicos já aparecem praticamente empatados nas clínicas de todo o Brasil. Em 2018, ano do último Censo realizado pela entidade, os não-cirúrgicos responderam por 49,9% de todos os procedimentos efetuados por cirurgiões plásticos no país. Em 2014, eles representavam apenas 17,4%.

Entre eles estão a aplicação de preenchedores (como o ácido hialurônico, com o qual é possível remodelar partes do rosto), da toxina botulínica (o famosos botox, que ameniza rugas de expressão ao bloquear o movimento do músculo) e dos esvaziadores (substâncias que promovem a diminuição da gordura), além dos fios de tração facial e lasers, entre outros.

Embora lembre que os médicos são proibidos de fazer publicações falando de valores ou mostrando os famosos "antes e depois", Rollemberg aponta o advento das redes sociais como o principal impulsionador da harmonização facial. "Cresceu muito com os famosos mostrando grandes resultados na internet", diz. Ele aponta o clã das Kardashians como sendo o pioneiro nesta divulgação.

"Hoje em dia as pessoas trabalham mais e têm menos tempo, elas querem mais resultados com menos riscos. Temos também uma expectativa de vida maior, com relacionamentos durando cada vez menos e as pessoas querendo viver com a qualidade que merecem. E tem ainda a autonomia feminina, a igualdade de recursos. As mulheres foram as primeiras a aderir e depois trouxeram os namorados."

IDADE, DURAÇÃO, RISCOS E... QUANTO CUSTA?

Em teoria, qualquer pessoa que não tenha alergia ao produto que será aplicado pode se submeter à harmonização facial. Rollemberg alerta, porém, que devem tomar cuidados especiais os portadores de doenças autoimunes, pessoas com processos inflamatórios e aqueles que fazem uso de anticoagulantes. Além disso, menores de 18 anos devem ter a autorização dos pais.

Na clínica, ele diz que a maior parte dos pacientes são mulheres (65%), principalmente na faixa de 35 a 70 anos. Por causa da quarentena, o espaço ficou fechado por cerca de dois meses. Após a reabertura, a procura foi alta. Ele calcula que dobrou com relação ao período anterior ao distanciamento social.

O médico conta que 99% dos pacientes o procuram para realizar a harmonização ou resolver algum outro problema relacionado à face. Ele diz indicar o que o paciente precisa após entender com ele qual o objetivo e se recusa a fazer qualquer procedimento que considere inadequado para aquele rosto.

Ele também adverte que, apesar de técnicas para que a sensação seja minimizada, alguns procedimentos pode causar dor durante a aplicação. O efeito pode ser percebido quase que imediatamente, mas inchaços e hematomas são relativamente comuns. O risco mais temido, no entanto, é a necrose (morte de algum tecido, se o problema não for rapidamente resolvido), motivo pelo qual recomenda-se procurar um profissional habilitado e de confiança (leia mais abaixo).

Normalmente, pode-se apreciar o resultado final depois de 3 a 7 dias. E, no caso dessas técnicas menos invasivas, a duração é, em média, de um ano. Depois, é preciso repetir o procedimento caso o paciente queira. Com relação ao custo do procedimento, é difícil precisar, já que cada paciente tem uma indicação diferente. Em geral, o custo é calculado a partir da quantidade de material usado no tratamento. Rollemberg diz que, na clínica dele, o paciente pode gastar entre R$ 900 (consulta) e R$ 50 mil (se quiser realizar todos os procedimentos disponíveis).

QUEM JÁ FEZ CONTA COMO FOI

A relações públicas Daniela Raddi, 45, ainda nem viu o resultado final de sua harmonização facial, mas já está satisfeita. Ela passou pelo procedimento na terça passada (27) e notou imediatamente que o contorno facial estava mais definido. "Sou ex-jogadora de polo aquático, comecei na natação com sete anos, então a maior parte da minha vida foi dentro d'água, no sol e com cloro", conta.

"Sentia que a pele já estava ficando mais flácida, envelhecida. E olha que podia até estar pior, porque eu judiei muito dela." "Não sou tão vaidosa", garante. "Não uso protetor solar nem hidratante, não gosto muito. Mas tem uma hora que você quer ter uma pele mais durinha, mais firme."

O procedimento, que ela calcula ter durado entre 15 e 20 minutos, envolveu fios de tração facial, preenchimento com ácido hialurônico no lábio, no queixo, na boca, na mandíbula e no nariz, além de botox na testa e do lado dos olhos. "Fiquei uns 10 a 15 anos mais nova", comemora. O investimento para esses procedimentos é, segundo apurou o F5, de cerca de R$ 30 mil.

Raddi diz que tomou coragem depois de acompanhar o resultado obtido pela irmã, Renata, que realizou o procedimento no final de 2019. "Eu vi a autoestima dela mudando", afirma. "O resultado foi muito impressionante. Ela ficou mais ativa e mais feliz."

Antes, Daniela só havia aplicado botox, há cerca de dois anos, e feito preenchimento ao redor da boca, no chamado bigode chinês. "Meu pavor era ficar torta", afirma. "Já vi muita gente com uma sobrancelha em cada lugar. Não gosto quando muda a identidade da pessoa, então tem que encontrar um profissional que tenha o mesmo propósito que o seu, que não vai fazer o seu rosto inteiro só pra ganhar mais dinheiro."

Já a influenciadora digital Virginia Fonseca, 21, publicou em seu canal no YouTube um vídeo em que mostrou para os fãs como foi seu procedimento, realizado em março deste ano. Ao F5, ela afirma que continua contente com o resultado. "Ficou melhor do que eu esperava, bem natural e saí muito satisfeita."

Noiva do cantor Zé Felipe, 22, com quem mora em Goiânia (GO), Fonseca diz que já fez lipoaspiração, colocou implantes de silicone e realizou uma lipo LAD (cirurgia que promete retirar gordura valorizando a musculatura da região onde ela é realizada). "Sempre achei meu lado esquerdo mais bonito que o direito", conta. "Com a harmonização pude melhorar isso. Não pretendo mudar mais nada", diz ela, que atualmente está grávida.

A escolha da influenciadora digital por publicar o procedimento nas redes sociais fez com que muitas pessoas a procurassem para saber mais sobre o tema. "Elas sempre têm muitas dúvidas e dessa vez não foi diferente", diz. "Faço o máximo para tirar as dúvidas, seja no canal ou nas minhas redes sociais."

Outra que usou as redes sociais para falar sobre o resultado de sua harmonização facial foi a diretora de escola Doralice Scafi, 61. Moradora de Mogi Mirim (interior de SP), ela detalhou em seu canal no YouTube como foi passar pelo procedimento em agosto deste ano. "Com a idade, o nosso rosto vai derretendo, é muita flacidez", brinca.

Ela conta que preferiu a harmonização com técnicas não-invasivas a uma cirurgia plástica tradicional. "A cirurgia plástica deixa o rosto muito puxado", avalia. "E se não der certo, não tem como voltar atrás." Por ter sofrido um AVC (Acidente Vascular Cerebral) há cerca de quatro anos, Scafi toma anticoagulantes –justamente uma das condições que merecem atenção especial antes de realizar os procedimentos. Por isso, se cercou de cuidados. "Ficou mais caro, mas senti mais confiança", diz ela, que gastou cerca de R$ 18.000 no procedimento.

Scafi fez preenchimento com ácido hialurônico e aplicou botox e bioestimulador de colágeno. Gostou tanto do resultado que tomou gosto e, neste mês de outubro, fez uma blefaroplastia (cirurgia para melhorar o aspecto das pálpebras). "As minhas filhas acham que é um pouco de exagero", conta. "Mas depois de uma certa idade, creme não dá mais resultado."

Ela também disse que a harmonização facial fez com que ela recuperasse a confiança. "Com o AVC, a autoestima vai lá no pé, porque compromete a parte motora", explica. "Se eu vou ser uma coroa, quero ser uma coroa top." Separada, ela diz que começou a receber uma reação inusitada nos aplicativos de paquera dos quais participa. "Eu estou no Tinder", revela. "Só que agora ninguém acredita na minha idade. Acham que a foto é antiga ou está editada."

Moradora de Natal (RN), a blogueira Thalita Moema, 34, foi outra que teve a autoestima transformada. Ela fez os procedimentos aos poucos e diz ter gasto cerca de R$ 5.000 ao longo de 3 anos. Primeiro aplicou botox para arquear as sobrancelhas e prevenir as rugas na testa. Depois, vieram os lábios e, por fim, fez preenchimento na região das maçãs do rosto e levantou a ponta do nariz.

"Minha expressão facial era muito triste", diz. "As sobrancelhas eram muito caídas, os lábios muito finos e minha testa, quando eu sorria, parecia uma pista esburacada. Sempre trabalhei muito, então as marcas vão ficando muito fortes no rosto. Eram horríveis."

Somado a tudo isso, ela começou um tratamento ortodôntico e emagreceu 20 kg, o que fez sua imagem se transformar radicalmente.

Ela chegou a passar pela cirurgia plástica tradicional, mas não no rosto. Fez lipoaspiração no abdômen e colocou próteses. Porém, no mesmo período descobriu que estava com diabetes tipo 2 e acabou engordando muito. "Perdi a cirurgia toda", exagera. "Só agora, depois de 2 anos, que está dando para ver o resultado. Minha autoestima melhorou muito. Perdi a vergonha de sorrir."

ARREPENDIMENTO

Não é todo mundo que fica plenamente satisfeito com a harmonização facial. O cantor Lucas Lucco, 29, passou pelo procedimento no ano passado e não gostou do resultado. "Desde o primeiro momento, eu achei que ultrapassou o limite do que eu imaginava", declarou em redes sociais. "Confiei no profissional, para a quantidade que ia ser colocada, mas comecei a retirar o ácido do rosto um mês depois."

O Conselho Federal de Medicina (CFM) e da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) recomendam que os procedimentos sejam feitos apenas por cirurgiões plásticos e dermatologistas e alertam que esses procedimentos "equivocadamente conhecidos como não-invasivos, dando a impressão de simplicidade, não o são". "A cirurgia plástica tem adotado a nomenclatura de procedimentos estéticos não-cirúrgicos, porque embora não sejam cirúrgicos, envolvem, sim, riscos, mesmo com médicos especialistas."

O texto lista os seguintes riscos passíveis de acontecer caso os produtos sejam aplicados de forma errada e acabem indo parar na circulação sanguínea do paciente: choque anafilático (reação alérgica grave), reações urticariformes (lesões na pele), cicatrizes e deformidades, além de sequelas mais graves, como necrose e cegueira. "Quando acontece qualquer um desses problemas com outros profissionais que não médicos especialistas, o que ele faz é mandar urgente para um médico tratar", afirma a entidade.

Contudo, o entendimento do Conselho Federal de Odontologia (CFO) é diferente. Em 2019, a entidade publicou uma resolução (que tem força de lei para a classe) reconhecendo a harmonização orofacial como especialidade odontológica e estabelecendo os critérios para regular a atuação dos cirurgiões-dentistas nesta área –em agosto deste ano, a entidade especificou que dentistas não estão aptos a fazer cirurgias como blefaroplastia, lifting de sobrancelhas e rinoplastia, entre outras.

Nenhuma das duas resoluções, no entanto, cita as aplicações de preenchedores e toxina botulínica, por exemplo. A disputa entre os dois conselhos foi parar na Justiça em 2017. O CFM e a SBCP pediram uma liminar para suspender a resolução do CFO, mas não foram atendidos nem na primeira nem na segunda instância. As entidades médicas estão recorrendo da decisão.

"Respeitamos a classe dos odontólogos e entendemos que eles têm um valor importante na saúde bucal", defende Dênis Calazans, presidente da SBCP. "Ocorre que os procedimentos minimanente invasivos não são minimamente isentos de risco. Quem faz o procedimento tem que ter habilitação para tratar suas eventuais complicações."

VAIDADE OU DOENÇA?

Professora da Universidade Veiga de Almeida e coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), a psicóloga Joana Novaes afirma que a disseminação da harmonização facial faz parte de um fenômeno maior, que tem tido forte influência na população brasileira há pelo menos 20 anos.

"Isso está dentro de um contexto que diz para o sujeito que o valor está na sua aparência", avalia. "É a ideia de que o corpo é um capital, de que as pessoas devem investir tempo e dinheiro. Ninguém quer amargar o custo da exclusão. Se você se descuida da sua aparência, você é visto como desleixado."

"Na sociedade de consumo, esse imperativo da imagem se democratizou", explica. "O discurso diz que a beleza está ao alcance de qualquer um, que só é feio quem quer. Por isso, vemos uma adesão muito grande a qualquer nova técnica da medicina estética. Como se fosse um passaporte para a felicidade."

Para a psicóloga, a internet ajudou, sim, a fazer com que esse fenômeno se acentuasse nos últimos anos. "Com as redes sociais, a capilarização explodiu", diz. "E o discurso se dá através da imagem. No Brasil, já temos mais celulares que TVs. Você fica de graça deslizando o dedinho e vendo tudo aquilo. E mesmo sabendo que, na maioria das vezes a foto tem filtros, não deixa de ser seduzido."

Novaes diz que essa é a nossa "loucura contemporânea", mas que cada período histórico teve a sua. "Na Renascença, quando o grosso da massa morria famélica, o ideal a ser alcançado era ser corpulento. Aí aparecem as madonas de Rubens e Rafael. Quem era gordo naquela época? Uma pequeniníssima parcela da população, para quem as técnicas de conservação de alimentos tinha chegado."

A pesquisadora diz ainda que é tênue a linha entre doença e vaidade, na qual a pessoa quer apenas se adequar ao universo cultural em que está inserido. Principalmente, porque a percepção sobre o assunto mudou. "Há 30 anos, se eu dissesse que acordo e não como nada porque estou no jejum intermitente, vou fazer um treino de duas horas e só depois me permito fazer uma complementação proteica, que cortei carne vermelha, lactose e glúten, e que não como carboidratos depois das 18h, isso seria considerado TOC (Transtorno Obssessivo-Compulsivo)", compara. "Hoje, é uma pessoa vaidosa, muito ciente e atenta a seus índices corporais."

Ela diz que é preciso observar como a pessoa se relaciona em todas as esferas da vida para tentar entender se há algum traço de que o comportamento esteja ultrapassando o limite da vaidade. E alerta que a compulsão por tratamentos estéticos pode vir associada a outras dismorfias corporais, como anorexia e bulimia. Nesses casos, o ideal é procurar ajuda psicológica e psiquiátrica. "Normalmente vem em par, é um combo", explica. "É uma tentativa de controle, que dá um falso sentimento de poder, de que você vai conseguir vencer o seu corpo."

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