Pessoas põem a mão na massa e reformam suas casas com ajuda da internet na quarentena
Homens e mulheres redecoram, criam móveis e fazem jardinagem
Homens e mulheres redecoram, criam móveis e fazem jardinagem
Bastaram poucos dias do início da quarentena para que o gerente de vendas Tarcísio Anitelle, 55, colocasse em prática dezenas de mudanças em sua casa, que há anos ele pretendia fazer. A reforma começou com simples pinturas de parede, e acabou levando-o até à construção de novos móveis.
“Como ficamos o tempo todo dentro de casa, percebemos essas pequenas necessidades de mudanças”, afirma. “Com meu trabalho em home office tenho um horário muito flexível, e isso me deu tempo para me dedicar às coisas de casa. E com certeza isso me ajudou a passar a quarentena de uma forma melhor –para a minha cabeça, pelo menos, foi uma higiene mental”.
Com a ajuda do sogro, Anitelle quebrou parte da parede para trocar a fiação de luzes, trocou tomadas, mudou alguns interruptores de lugar e luminárias antigas, e até subiu no forro do seu telhado para passar alguns fios e melhorar a iluminação da área externa de sua casa.
Dentro da moradia, trocou chuveiros antigos, pintou paredes de garagem, montou prateleiras, recuperou um quadro quebrado, organizou dispensa, limpou bancos de couro branco encardidos, higienizou sua caixa d’água e terminou de envernizar janelas. A intenção, segundo ele, foi “se virar sozinho” para evitar ter profissionais dentro de sua casa, em um momento de disseminação da Covid-19.
Mas os feitos mais notáveis do gerente de vendas foram, sem dúvidas, a construção de móveis. Sem poder ir à academia, Anitelle criou sua própria área de exercícios em casa: comprou uma bola de pilates, reuniu utensílios de musculação e construiu um banco específico para a atividade, usando espuma, corino e pedaços de madeira doados de outra construção, que seriam descartados.
Com uma parafusadora, uma serra semi-profissional que comprou durante a quarentena e tinta branca, ele também criou um móvel de nichos para seu quarto. Dentre outras criações, por causa do “novo normal” da quarentena, ele ainda construiu uma sapateira com assento usando o resto de espuma, couro e madeira que sobrara do banco de musculação.
E a lista ainda está longe de ser concluída. “Ainda quero pintar a fachada da minha casa, porque a experiência que eu tive pintando a garagem foi ótima. Gosto de pintar. Também quero envernizar mais portas e janelas”, diz.
Anitelle conseguiu fazer grandes reformas em sua casa, mas a maioria dos brasileiros preferiu transformar os cômodos de seus lares com mudanças mais simples e igualmente certeiras. Foi o que aconteceu com a profissional de marketing Leticia Almeida, 23, que costumava passar o dia todo fora de casa, e na quarentena tem usado seu quarto para a maioria das atividades rotineiras.
“Comecei a passar meu tempo todo no meu quarto, e percebi que ele não refletia em nada minha personalidade. Era mais infantil e adolescente, mais antigo”, lembra ela. Almeida começou então a buscar inspirações em páginas da internet e especialmente na rede social de tendências Pinterest, até descobrir grupos no Facebook como o “Share Your Decoração”, onde cada vez mais pessoas têm compartilhado suas reformas de quarentena.
“As ideias do Pinterest, muitas vezes, estavam meio fora da minha realidade, tanto por causa do preço quanto por serem de lojas de outros países. No grupo de Facebook, descobri que existiam muitas opções de lojas acessíveis e com inspirações mais realistas”.
A partir de então, a profissional iniciou o planejamento da mudança de seu quarto. Começou trocando o papel de parede, pintou paredes e apostou em pequenas compras que ajudaram a criar o visual desejado –como uma penteadeira, um edredom mais moderno e almofadas. Também mudou a posição de sua cama e móveis, e incluiu algumas plantas.
“Pequenas mudanças fizeram toda a diferença”, diz ela. “E, com certeza, funcionaram como um refúgio para mim. O planejamento era algo que eu fazia para desestressar; funcionou como uma meta para mim. No final, refletiu muito mais a minha personalidade”.
O isolamento social também resultou em um fenômeno curioso: centenas de pessoas passaram a cultivar suas próprias plantas em casa, e até criar pequenas hortas. Tarcísio Anitelle viu na atividade de jardinagem uma ideia para preencher sua rotina em casa, e expandiu a sua pequena horta, que até então tinha apenas dois vasos pequenos com manjericão.
“Plantei tomate, salsinha, cebolinha… E se tornou uma horta dentro de casa, em vasinhos, no quintal”, conta. “Comecei a estudar o que colocar nos vasos, os tipos de adubo, a luminosidade… Apareceu um fungo, certa vez, e eu pesquisei até descobrir o que era, e como tratar –tudo pela internet e pelo meu pai, que também tem uma horta em casa e me deu dicas. Também descobri uma loja específica para isso, onde comprei insumos e me tornei cliente frequente”.
Leticia Almeida também usou as plantas para dar um “novo ar” ao seu quarto. Ela, que não tinha nenhuma experiência com plantas até então, começou a se interessar pelo assunto durante a quarentena e pesquisou quais seriam as melhores espécies para um ambiente fechado, comprando posteriormente uma planta jiboia e acrescentando um terrário.
“Faz total diferença”, diz ela, acrescentando que buscou dicas de pessoas entendidas sobre o assunto, e na internet. “É uma coisa para você cuidar. É muito interessante ver o crescimento delas. Estou gostando muito, e quero ter mais.”
Apresentador do Arrasta Móveis na GNT, Matheus Ilt diz que é possível transformar a casa seguindo três pilares básicos: pintura, iluminação e plantas. “Só eles já mudam totalmente o ambiente”, diz ele. “As pessoas pensam que reforma significa quebrar paredes, trocar encanamento e piso… Mas eu estimulo as pessoas a não mexerem na estrutura da casa, e sim maquiá-la, criando um novo visual”.
> PINTURA
Matheus Ilt acredita que um passo essencial para transformar a casa é mudar suas cores. “Tirar o branco da parede”, segundo ele, já muda a forma como o morador interage com o lar. “A maioria das pessoas já brincou com tinta quando era mais novo, então existe essa memória afetiva, e essa transformação se torna mais fácil. E se a pessoa pintar a não gostar do resultado, é só cobrir com outra cor. É algo muito seguro, e que muda muito o ambiente”, diz ele.
Uma tendência elogiada por ele é o da pintura em meia parede –normalmente, do meio da parede para baixo, em forma horizontal. Segundo Ilt, é uma pintura fácil de fazer, que não vai até o teto, e por isso você gastará menos tinta e terá menos esforço. Essa região de baixo da parede é a que mais suja, no dia a dia, e a cor mais escura ajuda a disfarçar.
A escolha da cor, segundo ele, é algo pessoal e delicado. Se o morador não tem certeza sobre o que gosta, a dica é usar tons mais neutros e “fechados” de verde, azul e cinza, por exemplo. “Recomendo cores dessaturadas e não muito vibrantes. Se você gosta de verde, pode usar um verde militar, em vez do verde mais limão”, diz.
“Tons lavados já passam outra personalidade: um amarelo queimado, um azul lavado… São tons que, mesmo que você enjoe, não irão te irritar –e é importante saber que é natural cansar da decoração e da cor, depois de um tempo. Nós mudamos rápido, e é injusto acharmos que a decoração não muda junto”.
> ILUMINAÇÃO
A iluminação também tem o poder de mudar ambientes, e custa pouco. Não é necessário mudar a luminária do teto, diz Ilt, mas às vezes apenas a troca da lâmpada por uma de LED cria outro efeito.
“A luz com uma potência diferente, ou cor diferente, muda muito a forma como a pessoa vive naquele lugar. Claro que colocar uma luminária diferente também muda muito o ambiente, mas não é preciso mudar completamente a parte estrutural para ter essa transformação”.
> PLANTAS
“As plantinhas são uma tendência que ignoramos por muito tempo, mas que nossas mães sempre gostaram”, diz Ilt. “Vejo que, desde 2015, elas vieram com muita força, e muita gente tem as colocado em casa e pesquisado por dicas de cuidados”.
O apresentador diz que ter plantas em casa, mesmo que pequenas, muda a decoração do ambiente e traz mais personalidade a ele. Na dúvida sobre quais plantas escolher para o seu lar, a dica é reparar nas que existem dentro de shoppings e outros locais com pouca iluminação natural.
“Já notei que usam muito a pacová [também chamada de babosa-de-pau], que sobrevive com o mínimo de iluminação e com menos água, exigindo pouca manutenção –se você se esquecer dela, ela continua sobrevivendo”, diz. “Também a jiboia, que é uma planta que precisa de um pouco mais de iluminação, mas sobrevive bem em ambientes internos; e a espada-de-são-jorge, que gera modernidade, e também é difícil de matar”.
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