Bebida descolada no verão francês, 'vinho azul' é acusado de ter corante
Produto não faz mal à saúde e é utilizado na indústria de alimentação
Da cor do mar, o “vinho azul” virou modinha nas praias francesas no verão de 2018, e tinha tudo para aumentar o sucesso neste ano –não fosse uma equipe de pesquisadores desvendar o segredo da bebida, vendida como natural. Na realidade, afirmam químicos da Universidade de Toulouse, um corante do tipo E133 é adicionado para alterar a coloração da bebida, que no fundo não passaria de um vinho branco.
Nada contra, afirmam os próprios pesquisadores: o corante não faz mal à saúde e é utilizado na indústria de alimentação, como em balas e chocolates, e em outras bebidas, como o famoso Curaçao Blue. O problema, alega o Ministério Público de Ajaccio, que se envolveu na questão, é vender o produto como se fosse um vinho excepcional, cuja cor seria obtida através de um processo inovador de maturação.
A polêmica bastou para romper a confiança dos clientes, que gostavam de se exibir nas redes sociais com uma bela taça de “vinho azul” repleta de gelo, como exigem as altas temperaturas da estação. Os cerca de 10 fabricantes ou se omitem sobre o caso, ou negam com veemência o uso de qualquer substância adicional para provocar o efeito turquesa.
“Vinho azul” x Aperol Spritz
É o caso de Sylvain Milanini, um dos produtores do Imajyne, o primeiro a fazer sucesso na paradisíaca ilha francesa da Córsega. “Toda essa polêmica está criando uma imagem péssima do que fazemos, mas só quisemos criar algo original, saudável. O nosso vinho tem menos álcool que a média dos outros, tem espirulina, que é um antioxidante natural ótimo para o organismo e que nos permitiu diminuir o uso do sulfito na produção”, argumenta o fabricante, que se recusa a divulgar a fórmula exata da bebida.
“Não tem nada a ver com o Aperol Spritz, que todo mundo bebe sem jamais se questionar sobre a quantidade enorme de colorantes que tem lá dentro”, critica o empreendedor, sobre aquele que, nos últimos anos, se transformou no coquetel obrigatório dos bares descolados.
O método de produção do seu “vinho do mar”, garante Milanini, conta ainda com uvas enxaguadas na água marinha –“o sal tem um papel importante no gosto”– e o uso de algas como levedura na maturação, “como faziam os gregos e os romanos na Antiguidade”. “O resultado foi uma cor azul natural, que nós decidimos estabilizar com sais minerais, de cálcio e de sódio, que são colorantes muito leves.”
Para completar, as garrafas não são estocadas em adegas convencionais, mas sim em caixas a cerca de 30 metros de profundidade no Mediterrâneo, assegura o fabricante. O processo todo resulta em garrafas a um preço também salgado, de 19 euros no atacado (cerca de R$ 83) e 29 euros no comércio (R$ 128).
Vinho que não é vinho
Foi justamente o uso da classificação “vinho” que levantou os questionamentos sobre a bebida. A poderosa indústria vinícola francesa logo abriu os olhos para um produto que, segundo especialistas, jamais poderia chegar naturalmente à coloração azul. “Vinho é branco, tinto ou rosé”, determinou o setor. Ponto.
A adição de produtos não conformes às rígidas normas da legislação fez com que, no rótulo, as produtoras do “vinho azul” fossem obrigadas a retirar a palavra “vinho” e substitui-la por “coquetel aromatizado à base de produto vinícola”. A nova denominação causou um novo problema: para ser enquadrada como “aromatizada”, a bebida deve conter aromas artificiais – o que não é o caso. O impasse, portanto, prossegue, embora a venda do produto não tenha sido proibida.
A RFI tentou encontrar o “vinho azul” à venda em Paris, mas não conseguiu. Milanini admite que a polêmica resultou no cancelamento de muitas encomendas. “A gente percebe que os clientes ficaram desconfiados, mas a nossa receita é nossa, assim como a Coca-Cola sempre se negou a divulgar a dela.”
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