Aumento de buscas por sintomas na internet faz médicos criarem seus próprios canais
Saiba quais os riscos de se pesquisar sintomas na web
Aquela dor de cabeça que não passa ou um incômodo difícil de identificar pode preocupar qualquer pessoa. Em tempos de internet, muita gente recorre aos sites de pesquisa, como o Google, antes mesmo de marcar uma consulta médica.
O músico Rodrigo da Cruz Oliveira, 23, tem o costume de procurar sintomas na internet desde criança. "Comecei a fazer isso por conta própria, aos 11 anos, mais ou menos”, lembra. "Batia a cabeça e não queria contar para os meus pais. Então, procurava no Google, como um filho do século 21", brinca.
Percebendo que, às vezes, os resultados se mostravam absurdos, ele passou a ser mais seletivo. "Já achei até que estava grávido", diverte-se. Assim, Oliveira passou a redirecionar suas pesquisas. "Antes, eu era preocupado com tudo e achava que tinha doenças fatais. Com o tempo, fui aprendendo quais sites eram confiáveis."
A procedência das informações disponíveis na internet motivou o ginecologista e obstetra Bruno Santiago Jacob a criar um canal no YouTube. "Meu objetivo é levar informação de qualidade às pessoas", diz. "Muitas pacientes chegam perguntando sobre coisas que viram na internet, e eu não sei de onde surgem essas informações."
Para ele, é válido pesquisar no "Dr. Google" --como os médicos costumam chamar o site de pesquisa--, desde que o paciente avalie se a fonte é confiável. A ginecologista e obstetra Laura Lúcia Martins, dona do canal Saúde da Mulher com médica Laura Lúcia, também no YouTube, reitera o risco que existe quando há dependência da internet para um diagnóstico acertado.
"As informações sobre determinado problema estão ali, escritas de uma forma geral, mas cada doença tem múltiplas faces e múltiplos estágios. É preciso confirmar com o médico a informação que você leu na internet, já que ele é quem tem os seus exames nas mãos. Foi ele quem o examinou e é quem conhece seu histórico familiar", completa a médica.
A publicitária Thais Silvestre, 30, adora consultar sites para verificar sintomas. "Já me ajudou muito, no sentido de dar uma tranquilizada quando eu achei que estava morrendo, mas também tem o outro lado. Sempre aparece, como resultado, que você pode estar grávida ou com câncer", diz Thais, que já se saiu bem com relação a um tratamento que não funcionou para ela.
"Um médico o havia indicado, mas eu achei que não estava melhorando. Pesquisei e encontrei métodos totalmente diferentes e acabei procurando uma outra médica, que confirmou a informação", lembra.
Essa busca das pessoas por esclarecimento e informação motivou a ginecologista e obstetra Erica Mantelli a abrir uma conta no Instagram. "Comecei a usar mais a internet há cinco anos, porque recebia muitos emails de pessoas do Brasil inteiro. Percebi que elas tinham carência de informação, principalmente em questões de prevenção.
A profissional começou a observar as dúvidas mais frequentes e passou a fazer postagens sobre elas, sempre reforçando que nenhuma informação substitui uma consulta médica.
"Vejo isso como um trabalho social muito importante, porque fui percebendo pequenas mudanças nos internautas, que acabam procurando ajuda com outros médicos e sabem melhor o momento de buscar uma segunda opinião", explica a ginecologista. "No caso da minha especialidade, há mulheres que têm vergonha de fazer algumas perguntas durante a consulta, mas se sentem à vontade para nos escrever.
O ginecologista Bruno Jacob complementa: "A internet é um bom meio, porque você atinge pessoas que têm menos acesso à saúde".
BEM INFORMADO
Manter-se esclarecido pode ser um dos lados positivos da pesquisa constante na internet. O professor Joselias Santos da Silva, 61, reconheceu o próprio infarto e procurou ajuda rapidamente. "Antes da morte da minha mãe, eu comecei a pesquisar muito para entender o que ocorria com ela. Peguei esse hábito de buscar questões de saúde na internet. Tanto que, quando infartei, eu tinha, uns dias antes, sentido alguns sintomas e havia pesquisado sobre eles", lembra Silva.
"Quando senti uma dor muito forte nas costas, não tive dúvidas e fui ao hospital de metrô." Mas houve momentos em que Silva consultou opiniões de diferentes médicos, porque pesquisas na internet o deixaram com dúvida.
Para a ginecologista Laura, o fato de o paciente chegar mais informado e melhor preparado para tirar dúvidas na consulta é uma vantagem das pesquisas online. "A paciente que está mais esclarecida tem uma posição mais questionadora, e isso é fundamental para ela, porque vai entender melhor o que tem. Consequentemente, vai aderir ao tratamento", analisa.
Concorda com ela a neurocirurgiã Diana Santana, que usa diversas redes sociais. "De uma maneira geral, as redes sociais na medicina são de extrema importância, principalmente para a informação do paciente. Cada vez mais pessoas têm acesso à internet, e esta é a sua principal fonte de busca de informação", lembra a médica.
Para garantir que o paciente fale com fontes seguras, é importante que os médicos estejam presentes e ativos na internet, explica a neurocirurgiã. "As redes sociais permitem um contato mais próximo entre os médicos e os pacientes, daí a sua utilidade em informar sobre patologias, auxiliar em campanhas preventivas e orientar sobre opções de tratamento. O uso desse tipo de influência na medicina poderia ser melhor explorado", defende Diana.
SEM SUSTOS
Um dos problemas de pesquisar tudo na internet é levar um susto desnecessário. "Quando um internauta joga uma palavra no Google, ele vê respostas de médicos, de sites noticiosos e também de pacientes que estão só relatando uma experiência. A pessoa lê e tira conclusões precipitadas, mas aquele caso pode não ter nada a ver com a situação dela. Medicina não é receita de bolo", lembra a ginecologista Erica.
Quando a busca está acompanhada da decisão de se automedicar, fica ainda mais arriscado. "O maior perigo de tomar um medicamento é mascarar uma dor e prejudicar o diagnóstico do médico", alerta Laura Lúcia.
Abrir os exames antes de ir ao especialista também não é aconselhável. "Já me assustei muito lendo exames. Agora, sou daquelas que chegam com o envelope lacradinho ao médico", afirma a professora de português Maria de Lourdes Buono, 62.
No entanto, ela não dispensa a internet para descobrir todos os detalhes sobre o remédio que está tomando. "Sou alérgica e já sofri até um choque anafilático em uma cirurgia. Quando vou a uma consulta rápida, com um médico que não me conhece, pesquiso tudo sobre o medicamento que ele me passa.
PARCERIA COM GOOGLE
O hábito de buscar no Google termos relacionados a sintomas fez com que a empresa firmasse parceria com o Hospital Albert Einsten, em 2016, a fim de fornecer informações mais precisas sobre saúde. Ao fazer uma pesquisa pelo nome de alguma doença no buscador, aparece um quadro no topo e à direita da página, que informa do que se trata, quais são os sintomas e as formas de tratamento para aquele mal, além de quais especialistas estão aptos a fornecer ajuda.
O projeto iniciou nos Estados Unidos, onde a empresa de tecnologia fez uma parceria com uma equipe médica da clínica Mayo para catalogar os termos mais buscados. Segundo Fernanda Petreche, clínica geral do Hospital Albert Einstein e uma das médicas responsáveis pela implementação da parceria com o Google no Brasil, o país era o segundo que mais fazia buscas por termos relacionados à saúde.
Por isso, foi o segundo a receber o projeto de parceria com um hospital e já teve 500 doenças validadas no buscador online. "Se hoje a gente tem, na internet, resposta rápida para tudo, por que não para a saúde?", questiona Fernanda. "As pessoas ficam preocupadas, e essa busca é um primeiro contato até chegar ao médico.
A intenção da parceria, de acordo com a médica, é que o paciente tenha uma fonte de informação confiável na web. "Com esse trabalho, conseguimos dar uma informação de qualidade e validada por uma equipe médica. Contamos com mais de 40 especialistas nesse projeto", completa.
A médica alerta, no entanto, que a busca deve servir como um complemento ao atendimento médico. "As pessoas não podem achar que aquilo é um tratamento nem que substitui uma consulta. O que a gente fala quando a internauta acessa nosso link é exatamente para procurar um médico.
Para Fernanda, o paciente não deve perder a confiança no atendimento especializado, e os dados adquiridos na rede devem servir apenas como ferramenta de diálogo entre o profissional de saúde e o paciente.
Uma das vantagens de obter informações confiáveis na internet é que essa pessoa deverá chegar melhor preparada à consulta, reforçam os médicos. "Hoje em dia, não tem mais a verdade 100%. Quando o paciente já chega com alguma informação, ele acaba tendo dúvidas que talvez, se não tivesse pesquisado, não surgiriam", defende Fernanda.
Por que pode ser perigoso pesquisar sozinho na internet?
>> Há sintomas que podem indicar doenças diferentes. Cada caso é um caso e precisa ser avaliado por um especialista. No consultório, o médico vai considerar o histórico familiar do paciente, seus hábitos e ver exames antes de chegar a um diagnóstico
>> Nunca compre um remédio baseado no que leu na internet. A automedicação é muito arriscada e pode levar a efeitos colaterais graves e reações alérgicas
>> Não tente interpretar o diagnóstico de um exame procurando na internet. Somente um profissional da área médica pode fazer a análise correta, baseado também em outras informações sobre o paciente
>> Nunca deixe de buscar atendimento médico por causa de uma resposta simples encontrada na internet. Confirme as informações com um especialista, pois uma doença pode ter múltiplos sintomas em fases diferentes
>> Se pesquisar na internet, mesmo que apenas por curiosidade, leia páginas diversas e não fique preso a apenas uma fonte de informação. Sempre cheque também se há um profissional da saúde por trás dos dados publicados
>> Se gosta de se informar, procure páginas de médicos registrados no CRM (Conselho Regional de Medicina) que tratem sobre o assunto. Eles nunca darão um diagnóstico ou opinião pela internet, mas serão uma fonte de informação mais confiável
Fontes: Bruno Santiago Jacob, ginecologista e obstetra; Claudio Mutti, dermatologista; Diana Santana, neurocirurgiã; Domingos Mantelli, obstetra; Erica Mantelli, ginecologista; Fernanda Petreche, clínica-geral do Hospital Israelita Albert Einstein; Laura Lúcia Martins, ginecologia e obstetra; Wendell Uguetto, cirurgião plástico
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