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Em 'Novo Mundo', Letícia Colin lembra vida de tristezas e feitos da imperatriz Leopoldina

Atriz diz que novela termina em ‘momento bonito’, e compara racismo estrutural da época ao atual

Pedro (Caio Castro) e Leopoldina (Letícia Colin) em 'Novo Mundo', novela da Globo Tata Barreto/Globo

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São Paulo

Personagem chave da novela "Novo Mundo", em reprise na faixa das 18h da Globo, Leopoldina representa anseios que muitas brasileiras ainda vivem. A primeira imperatriz do Brasil é interpretada por Letícia Colin, 30, de maneira mais branda no folhetim, que poupa sua morte trágica e as dezenas de violências provocadas por seu marido, Dom Pedro 1°.

"Uma mulher que não chegou a completar 30 anos, passou a vida longe da família, muito solitária, muito afetada pelas traições de Pedro. O temperamento dele era muito nocivo para a alma de Leopoldina, e ela sofreu demais”, conta Letícia Colin, em entrevista ao F5. "Ela existia para corresponder às expectativas, dar herdeiros e fazer alianças políticas."

Colin afirma que, além de toda a carga histórica e de ensino que a novela tem, sua personagem também tem a função de investigar melhor quem foi Leopoldina e seus feitos como imperatriz. "Geralmente a história é contada através dos olhos e das vozes dos homens. Os personagens masculinos sempre têm mais destaque, e aí nunca tínhamos podido compreender um pouco melhor sobre essa mulher fascinante, humanista, que valorizava a cultura, as artes e a ciência."

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Qual cena você mais ansiou rever?
Todo o início da novela: a vinda no navio, com direito a ataque pirata, foi muito divertida. Eram mais de 100 pessoas dentro de um navio gigante de madeira. E a cena da chegada de Leopoldina no Brasil –aquele encontro clássico, quando ela desembarca no porto e é recebida por Carlota, Dom João e Dom Pedro. Essa cena emblemática ficou registrada numa pintura do Debret, e fizemos uma reconstituição exata da tela. E a cena em que ela assina o documento que valida a Independência do Brasil.

Qual foi a cena mais difícil?
Toda essa imensa sequência de nós dentro do navio, que é a vinda da princesa ao Brasil. Vai do jogo de bilhar em alto mar às batalhas com espadas. Foi muito trabalhosa –mais de um mês para gravar só uma semana de novela. Eram madrugadas e madrugadas, porque a maior parte do que se passa no barco é à noite. Foi bastante desafiador e cansativo. As roupas eram pesadas e estava muito calor, porque estávamos em pleno verão carioca. Eram roupas típicas da realeza, cheias de camadas e adornos evocando riqueza e soberba. Foram várias dificuldades e desafios, mas faria tudo de novo.

Você acompanha o que o público fala sobre a novela?
As redes sociais nos conectam. E fico feliz demais com cada comentário. Dia desses um amigo me mandou um desses depoimentos. Era de uma neta que cuida do seu avô que está internado há algum tempo, e nos relata que ele sempre diz: “Já já vai começar minha novela. Aí eu me distraio das minhas dores. É o único momento do dia que sei que vou esquecer a dor.” Isso é muito poderoso. O sentido do nosso trabalho é tocar as pessoas. E essa novela faz isso e conta um pedacinho da nossa história.

E você, o que pensa?
Eu sou fã de “Novo Mundo”. Por ser uma novela de época e por ter um texto tão bem contado, com humor, com inteligência dos autores. E divido cenas com colegas que reverencio e admiro: a preciosa Isabelle Drummond, o Chay [Suede], que vive todo tipo de aventura... Destaco também o trabalho do Vinícius Coimbra, o diretor, que virou um amigo. Tivemos um encontro muito feliz através dessa personagem, a Leopoldina. Geralmente a história dela é contada através dos olhos e vozes dos homens. Os personagens masculinos sempre têm mais destaque, e nunca tínhamos podido compreender melhor sobre essa mulher fascinante, humanista, que valorizava a cultura, as artes e a ciência.

O que você descobriu e passou a valorizar na Leopoldina?
Leopoldina era amante das ciências. Sempre muito curiosa sobre os poderes dessa medicina oculta. Ela já vislumbrava todo esse potencial curativo e científico do nosso país através da nossa fauna e flora. Viabilizou a vinda de cientistas e trouxe pesquisadores para o Brasil, então ela era uma cientista. E vai ser bonito depois acompanhar a próxima novela ["Nos Tempos do Imperador", ainda sem data de estreia confirmada], que contará a vida de Dom Pedro 2°, que herda da mãe essa curiosidade e respeito pelas manifestações naturais, e isso como ferramenta para o povo se desenvolver. Ela era uma mulher incrível, gostava de poesia e piano. Era uma pessoa da cultura, uma amante da música.

E também houve um lado mais triste da história dela...
Ela era muito solitária e que não tinha direito a seus sonhos e realizações. Ela tinha um dever maior, de servir aos interesses das coroas –primeiro da Áustria e, depois que se casa com Dom Pedro 1°, de Portugal e do Brasil. Ela existia para corresponder às expectativas, dar herdeiros, fazer alianças políticas. Tem um lado muito triste na vida dela porque era uma mulher com muita vida, muita inteligência, sabedoria, muito amor, uma pessoa muito delicada, mas ela vivia entre quatro paredes, uma vida isolada e infeliz. Ela imaginava que teria um casamento feliz e bem-sucedido, mas o Dom Pedro era esse cara que se relacionava com muitas mulheres e desrespeitava profundamente a Leopoldina. Ela sofreu muito.

E o lado político da personagem?
É importante ressaltar que, apesar de amar e respeitar profundamente a história e o legado da Leopoldina, ela tinha um pensamento monárquico. Ela era defensora dessa ideia de que o poder deveria passar de geração a geração, assumindo determinada família como especial, como eleita por Deus. Isso é muito louco, não é?

Como era a caracterização da personagem?
No início a caracterização demorava 2h30. Fazer o cabelo, prender a coroa, vestir todas aquelas camadas de roupas... Depois, com o tempo, fomos conhecendo cada vez mais esses caminhos da construção dela, e fazíamos em uma hora. No final da novela, eram 40 minutos para ela ficar pronta.

Como era a relação com Agatha Moreira, a Domitila, nos bastidores, já que as personagens brigavam muito?
A Agatha é uma mulher divertidíssima, muito dedicada ao trabalho, ao ofício de atriz. Muito concentrada. Foi maravilhoso contracenar com ela. Ela frequentava minha casa, e nós temos muito carinho uma pela outra. Era muito divertido. Espero que a gente se encontre mais em próximos trabalhos.

E com o Caio Castro, intérprete de Doim Pedro 1°?
Caio é uma figura muito doce, é parceiro e muito bom companheiro. É uma amizade que eu carrego para a vida, assim como a Agatha. Por mais que passe algum tempo, é como se estivéssemos convivendo diariamente, e torcemos uns pelos outros. Caio fez uma composição tão bonita do Dom Pedro... Foi para Portugal, pesquisou o sotaque... Ele ralava muito. E nos bastidores, ele era muito divertido: sempre cantando, ouvindo música alta para todo mundo ouvir junto. Contagiava. Uma novela é um trabalho de fôlego longo. Não é uma corrida de 100 metros, é uma maratona, e ele sempre foi muito dedicado e delicado.

Você acredita que a trama se relaciona com o que vivemos atualmente?
Infelizmente a figura de Sebastião Quirino [Roberto Cordovani], esse tirano, fascista e racista, é assustadoramente atual. Essa figura do homem branco que se sente dono e superior aos homens negros é nojenta. Estamos falando de 1817 a 1820, período em que a novela se passa, e hoje em dia, esses discursos ainda estão na boca de muitas pessoas e desembocando em gestos violentos, tal qual antigamente. Casos como o do George Floyd [cuja morte escancarou racismo da polícia dos EUA] e do menino Miguel [morto ao cair de prédio em Pernambuco], por exemplo, são atos desse mesmo pensamento da família desse personagem. Muitas pessoas ainda estão amarradas a esse pacto assassino para aniquilar as diferenças.

Há também a questão dos indígenas...
Existe um desrespeito inacreditável com a Amazônia atualmente, um genocídio bem orquestrado que acontece com os povos indígenas. Na novela, os índios são perseguidos da mesma maneira. Mas Dom Pedro 1° começa a compreender a questão desses povos, que são os donos da floresta e das terras. É quando se inverte esse pensamento eurocêntrico, e Dom Pedro 1° demarca um pedaço de terra. Mas acho que isso não aconteceu na época, que é uma cena fantasiosa. Dom Pedro 1° comete um erro que é importante ressaltar: ele diz que “é um presente meu para vocês”, como homem branco legitimando a voz de uma minoria. Mas as terras nunca foram dele. Isso é bem característico do racismo estrutural.

Você acredita que a Leopoldina teve um fim justo?
Na vida real da Leopoldina, o fim foi muito triste. Uma mulher que não chegou a completar 30 anos, passou a vida longe da família, muito solitária, muito afetada pelas traições de Dom Pedro 1°. O temperamento dele era muito nocivo para a alma de Leopoldina, e ela sofreu demais. Era uma princesa triste, uma mulher muito melancólica, e há até registros de agressões por parte dele. Ela vivia uma relação abusiva.

E na novela?
Na novela não chegamos a ver o fim da vida dela, em que ela vai sucumbindo a todo esse cenário agressivo. Somos poupados desse desfecho. E eu fico feliz que nós não tenhamos tido que chegar a esse ponto, porque eu amo a Leopoldina. Gosto de ficar com essa imagem, até onde a novela vai historicamente, numa efêmera trégua com Dom Pedro 1° e nessa transição para a “independência” do país. A novela termina em um momento bonito.

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