Televisão

Fran Drescher, a 'The Nanny' de voz marcante, volta em série de comédia pela NBC

Atriz de 62 anos retornar à cena após 'Happily Divorced', que encerrou em 2013

A atriz Fran Drescher em sua casa em Nova York

A atriz Fran Drescher em sua casa em Nova York NYT

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Amanda Hess

Se você já teve a oportunidade de ouvir a voz de Fran Drescher de perto, enquanto divide com ela uma tempura de camarão e um sushi de atum com especiarias, sabe que ela pode ser muito calmante. Quando Drescher interpretava Fran Fine em “The Nanny”, sitcom que ela criou na década de 1990 com seu então marido Peter Marc Jacobson, ela adotava um tom mais esganiçado e anasalado, para compor o papel. 

Na época, o jornal The New York Times comparou a voz de Drescher ao "som de um Buick sem gasolina tentando dar a partida em uma manhã de inverno". Mas na sala de estar de seu apartamento por sobre o Central Park, acomodados entre cristais, limões frescos, esculturas elegantes e fotos que a mostram em companhia de líderes do Partido Democrata, ela soa mais como um Mercedes Benz ronronando na Long Island Expressway.

Para as pessoas que cresceram com “The Nanny” como "nossa babá", a voz dela está enraizada a tal ponto no subconsciente que ouvir essa versão mais branda é quase terapêutico –como se a babá Fine tivesse um modo ASMR [a sigla em inglês para Resposta Sensorial Autônoma do Meridiano].

"Já ouvi dizer que a minha voz é como uma buzina, um cacarejo”, diz Drescher, equilibrando cuidadosamente o prato no colo do seu vestidinho preto básico. “Já eu prefiro me descrever como alguém com uma voz única."

Quando trocou Queens por Hollywood, no final da década de 1970, o empresário de Drescher lhe disse que “se você quer interpretar outros papéis que não prostitutas, terá de aprender a falar diferente”, ela recorda. Mas Drescher optou por explorar seus dotes naturais. Em 1992, ela propôs ao presidente da rede CBS de TV ser a estrela de uma série de humor. 

"Por causa da voz, as pessoas acham que sirvo para acrescentar tempero aos programas", ela disse ao executivo. "Mas elas estão erradas. Sou o prato principal."

Os Estados Unidos não ouviram falar muito de Drescher recentemente –ela não trabalhou muito em televisão desde que sua série "Happily Divorced", no canal TV Land, terminou em 2013, e infelizmente é difícil encontrar "The Nanny" nos serviços de streaming. 

Mas nesta semana, aos 62 anos, ela volta à TV com “ Indebted ”, na rede NBC. Como no piloto de “The Nanny”, ela aparece inesperadamente na casa de alguém –exceto que desta vez o anfitrião é seu filho já adulto (Adam Pally). 

"INDEBTED"

Drescher e Steven Webber interpretam Debbie e Stew Klein, um casal de diletantes da geração baby boom que invade a vida de seu filho casado anunciando que estão endividados. O papel de Debbie, uma mulher sem noção que abraça todo mundo e toma o comando da casa do filho como se esta fosse uma comunidade privativa para aposentados, inverte a dinâmica de “The Nanny”. 

Agora os filhos é que precisam tomar conta dela. Quando Drescher estava ponderando se aceitava ou não o convite para a série, uma sitcom familiar cujo tema central é o conflito de gerações, ela pensou em sua família. “Meus pais, que graças a Deus ainda são vivos. estão muito empolgados por me ver em uma rede de TV de novo”, ela disse. “Porque, posso afirmar, nem todo mundo sabe onde encontrar o canal TV Land. Mas todo mundo sabe como encontrar a NBC”.

O papel não foi escrito para Drescher –não exatamente. O roteiro do episódio piloto mencionava uma atriz “do tipo Fran Drescher”, e quando a verdadeira Fran Drescher aceitou a proposta, ela exigiu alguns ajustes. 

“As pessoas estão acostumadas a ver sogras irritantes em seriados”, ela disse; “mas não foi para isso que aceitei o convite. Se você tem alguém cuja persona é maior do que papel, é preciso expandir o papel de forma a aproveitar essa pessoa. Ou por que me contratar?” Isso significou dar a Debbie Klein algumas paixões próprias. “Tive de me colocar na história”, ela disse. “Eu injetei sex appeal, sensualidade, vivacidade na personagem”.

Dan Levy, o criador de “Indebted”, humorista e produtor da série “The Goldbergs”, disse que o modelo original para Debbie e Stew eram seus pais, mas que a sensualidade veio toda de Drescher. “Minha mãe assistiu e disse que aquilo não era baseado neles”, afirma Levy. “Drescher elevou a coisa a um patamar que eu não esperava”.

Nas décadas transcorridas desde que a atriz primeiro soltou a voz na TV, o tipo Fran Drescher se tornou discretamente dominante na cultura popular. “The Nanny” foi exibida no mundo inteiro e refilmada em dezenas de países, entre os quais Turquia (onde a série se chama “Dadi”), Polônia (“Nania”) e Argentina (“La Niñera”). 

Se você por acaso é uma daquelas pessoas que não sabem de cor a canção tema da série, em “The Nanny” Drescher intercepta uma mulher judia de Queens contratada para tomar conta dos três filhos precoces de um rico viúvo inglês, Maxwell Sheffield, que também é o segundo mais bem-sucedido produtor de espetáculos da Broadway (abaixo apenas de seu arqui-inimigo, Andrew Lloyd Webber).

Nas versões estrangeiras, o lado étnico é recalibrado –na versão russa, a babá é ucraniana -, mas o tipo Fran Drescher é em geral preservado. Onde quer que ela vá, a batalhadora étnica é transplantada a um ambiente rico, e seu charme cultural e pessoal permitem que ela realize a maior das transformações – refazer os pomposos moradores da casa à sua imagem.

Na internet, Fran Fine ajuda na realização de manobras semelhantes. Com seu cabelo empilhado, guarda-roupa berrante e proporções de desenho animado, ela foi transformada em um avatar de autorrespeito e estilo. 

Em GIFs espalhados pela mídia social, pode-se vê-la usando um tailleur com estampa de oncinha, bebendo chá em uma xícara de oncinha; comendo um prato de espaguete sem usar as mãos; e descendo a escadaria de marfim da casa dos Sheffield como se estivesse chegando à casa noturna mais quente de Nova York.

“Isso é o que eu envio quando estou entusiasmada”, disse Drescher, pedindo que seu assistente, Jordan, apanhasse seu celular para mostrar um GIF em que Fine aparece rodopiando pela mansão em um vestido fúcsia, com cara de satisfeita. “Quantas pessoas podem mandar GIFs sobre elas mesmas?”

O tipo Fran Drescher é alguém que serve como conselheira. Primeiro ela foi a babá do planeta, mostrando às crianças como misturar estampas e como serem elas mesmas, e agora amadureceu e se tornou uma espécie de tia bacana, que serve de modelo a uma vida adulta fabulosa.

(A série “Broad City” foi literal em sua interpretação disso, ao espremer Drescher em um vestido decotado, multicolorido e com estampa de oncinha para escalá-la como Bev, tia de Ilana, e por extensão como espírito guia de todas as comediantes judias.)

“Não tive filhos, e por isso não sou muito maternal”, disse Drescher. “Mas sou uma mãe para meus cachorros”. “Sou uma espécie de influenciadora”, ela acrescenta.

Drescher sempre levou uma vida heterodoxa, e “gosto de mostrá-la”, ela disse. “Isso me dá propósito”. Em dois livros de memórias, ela revelou ter sido estuprada por um homem armado, quando tinha 20 e pouco anos, que sobreviveu a um câncer de útero na casa dos 40, e que se divorciou de Jacobson mas terminou com um novo melhor amigo gay, quando ele saiu do armário pouco depois.

Recentemente, ela empolgou a internet ao revelar que tinha arranjado um novo “amigo especial” com quem se reúne duas vezes por mês para assistir televisão e fazer sexo. “Não acho que isso tenha nada de chocante”, disse Drescher. “Não o amo”.

As crianças que cresceram assistindo a “The Nanny” agora têm a idade que a babá Fine tinha durante a série, e são velhas o bastante por cobiçar seu guarda-roupa e cultivar respeito renovado por sua persona. No Instagram, a conta @whatfranwore cataloga figurinos clássicos da série “The Nanny”, e @thenannyart os mostra em companhia de obras de arte da mesma era. 

Cardi B certa vez usou como legenda de uma foto que a mostra em uma roupa inteiramente estampada com patinhas de gatos a frase “Fran Drescher em @dolceandgabbana”. A atriz Isabella Owens vai montar um espetáculo musical solo dedicado a Drescher, este mês em Nova York, com o título “Fran Drescher, Please Adopt Me!?

“Todas as coisas da década de 1990 estão voltando à moda, e as pessoas a estão redescobrindo”, disse Owens, apontando para a moda de Drescher, sua confiança e sua voz. Owens continua trabalhando para aperfeiçoar sua imitação. “Há muitas camadas nela”, disse a atriz. “Um papel muito delicado e lírico”.

O tipo Fran Drescher, não importa o quanto ganhe força, ainda porta o risco de diminuir a mulher por trás da personagem. “Ela toda está em mim, mas eu não estou toda nela”, disse Drescher. “Não acredito que nenhuma das minhas personagens fosse capaz de ter criado ‘The Nanny’ e de trabalhar como produtora executiva da série”. 

Fran Fine era capaz de levar o patrão dela a fazer tudo que ela queria estalando seus dedos com unhas vermelhíssimas, mas Drescher era a chefe. Quando ela comprou um apartamento em Nova York, em 2004, foi aqui, do outro lado do parque com relação à casa que posava como mansão Sheffield em “The Nanny”.

Sua transformação em um Sheffield logo estará concluída. Ela está desenvolvendo uma adaptação de “The Nanny” para a Broadway, com Jacobson como seu parceiro na criação do roteiro. “The Nanny” chegaria à Broadway em um momento oportuno. Drescher toma o arquétipo feminino mais clássico do teatro e lhe dá uma versão moderna: ela é Eliza Doolittle, mas recusou as lições de elocução.

Esse talvez seja o maior erro, ao interpretar o tipo Fran Drescher: o de acreditar que a voz representa um obstáculo lamentável, e não um ativo a cultivar. Certa vez, um fã perguntou a Drescher sobre uma cena clássica de “The Nanny” na qual Fran Fine vai comer sushi, engole sem querer um bocado de wasabi e diz, em uma voz de locutora de rádio, “nossa, essa mostarda limpa mesmo as passagens nasais”.

O fã queria saber como Drescher conseguiu fazer aquela voz. Sentada em seu apartamento diante do Central Park, confortável em sua cadeira de produtora, usando o wasabi para temperar o sushi de modo inteiramente confiante, Drescher revelou seu segredo: “Sou muito talentosa”.

The New York Times

Tradução de Paulo Migliacci

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