SAIU NO NP: Zerbini entra para a história com 1º transplante do coração no Brasil
No dia 26 de maio de 1968, a equipe do doutor Euryclides de Jesus Zerbini entrou para a história da medicina mundial ao realizar o primeiro transplante de coração no Brasil, no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).
A intervenção cirúrgica do dr. Zerbini aconteceu cinco meses após o primeiro procedimento do gênero no mundo, realizado pelo professor Christian N. Barnard na Cidade do Cabo, na África do Sul, em 3 de dezembro de 1967.
Diante do grande acontecimento científico no Brasil, o "Notícias Populares", em primeira mão e com exclusividade, publicou no dia 27 de maio de 1968 o fac-símile do esquema do transplante de coração feito pelo próprio professor Zerbini ao governador Roberto de Abreu Sodré.
O cirurgião paulista explicou todos os detalhes ao governador, desenhou e assinou, tornando assim, um documento histórico como parte da coleção de papéis importantes do governo.
O médico cardiologista Zerbini, liderando a cirurgia composta pelos doutores Delmon Bittencourt, Euryclides Marques, Sérgio de Almeida Oliveira, Magnus C. de Souza, Waldomiro de Paula, Geraldo Verginelli, o argentino Roberto Pairola, ao lado do cardiologista dr. Luiz Décourt e do anestesista dr. Ruy Gomide, garantiu sobrevida ao lavrador mato-grossense João Ferreira da Cunha, conhecido como João Boiadeiro.
Com 23 anos e portador de uma degeneração do tecido cardíaco, além de uma insuficiência cardíaca, João Boiadeiro estava com seus dias contados, mas uma morte anunciada logo se transformaria em promessa de vida.
No dia 25 de maio, a maca nos corredores do Pronto-Socorro do Hospital das Clínicas trazia o alagoano Luís Ferreira de Barros em coma profundo após um atropelamento _e suas possibilidades de sobreviver eram absolutamente nulas.
A vítima do acidente tornou-se o doador, ligando o sinal para a história mais emocionante da medicina brasileira. O dr. Zerbini fez, então, o primeiro transplante de coração usando uma técnica diferente adotada pelo dr. Barnard, em 1967. O coração de Luís/João não foi resfriado durante a transferência de um corpo para o outro.
Os auxiliares de Zerbini preferiram mantê-lo em temperatura normal, irrigado pela máquina de perfusão, a fim de proteger melhor o metabolismo cardíaco.
Com o sucesso e a repercussão logo após o transplante, o governador Abreu Sodré assinou o decreto que criaria o Instituto do Coração (Incor), um dos maiores complexos hospitalares do mundo dedicado aos diagnósticos, tratamentos e pesquisas de doenças cardiovasculares.
Já "Notícias Populares", diante do fato cirúrgico, pulsava junto com o novo coração de João Boiadeiro. O jornal relatou o caso por mais de 25 dias. No dia 28 de maio, inaugurou a série com a manchete "Alagoano Luís de Barros deu coração para o transplante!".
O estado pós-operatório de João Boiadeiro era bom, segundo os boletins médicos diários, que relatavam todos os detalhes desde pressão, febre e alimentação até qualquer indisposição.
Porém a situação começou a ficar delicada quando, depois de alguns dias, o fantasma da rejeição passou a ameaçar a nova vida de João Boiadeiro.
Em "Professor Zerbini pediu socorro de Londres", no dia 5 de junho de 1968, o "NP" destacou o novo medicamento que seria administrado ao lavrador mato-grossense.
As melhoras foram registradas e até se esperava o melhor dia das condições atmosféricas para João aparecer na janela e respirar o ar, já que estava hospitalizado em uma sala totalmente esterilizada.
O homem do coração novo passava bem, se alimentava, andava, conversava e contava piadas, mas o coração começou a apresentar sinais acelerados no 22º dia depois do transplante. Os médicos Luiz Décourt e Euryclides Zerbini se preocuparam, pois parecia ser o primeiro sintoma de rejeição.
Infelizmente, os dias se tornaram cada vez mais delicados, já que o novo coração de João passou a registrar paradas em consequência da rejeição, que também apresentava reflexos em outros órgãos do corpo.
Professores e médicos avaliavam que Boiadeiro estava no fim. "Essa rejeição é muito grave. Parece não ter nenhuma possibilidade de recuperação", afirmou à época o professor dr. Alípio Correia Neto.
No dia 18 de junho, o "Notícias Populares" informou a delicada situação do lavrador em "João está à morte: muito difícil a sua recuperação".
A luta foi incessante para manter o coração de Boaideiro pulsando, mas, na noite de 22 de junho de 1968, as equipes de Décourt e Zerbini foram finalmente derrotadas, e João Ferreira da Cunha morreu às 21h30.
Durante 18 anos e após três tentativas em 1968, os transplantes cardíacos ficaram suspensos até que surgisse a ciclosporina, uma droga contra a rejeição. Somente na década de 80, esse tipo de cirurgia voltou a ser realizada no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas, em São Paulo.
Em 1985, aos 73 anos de idade, Zerbini voltou a ser pioneiro, ao realizar o primeiro transplante de coração do país em paciente portador do mal de Chagas. Em sua carreira, realizou mais de 40 mil cirurgias cardíacas, pessoalmente ou através de sua equipe.
O transplante de coração de João Boiadeiro foi, indubitavelmente, um marco da medicina brasileira, fato memorável resgatado hoje pela coluna "Saiu no NP" e que merece ser especialmente lembrado pelo seu significado de esperança de vida para milhares de pessoas.
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