Saiu no NP

NP publica a tabela do sexo em Real: transe mais e pague menos

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"Na sexta-feira, dia 1º, o dinheiro dos brasileiros vai mudar de nome e de cara."

Foi assim que, em 28 de junho de 1994, o jornal "Notícias Populares" anunciou a proximidade da chegada da nossa oitava moeda, o real, que em 2014 completa 20 anos. Acompanhado de incertezas após sucessivas crises, o plano, que prometia acabar com a inflação, chegou ao país no primeiro dia do mês de julho.

Meses antes, em fevereiro de 1994, a Unidade Real de Valor (URV) passava a integrar o sistema monetário. Sob correção diária, a URV, embrião do real, começou valendo Cr$ 647,50 em 1º de março e atingiu a casa dos CR$ 2.750,00 no dia 30 de junho, data final do cruzeiro.

Faltavam apenas 32 dias para o lançamento da nova moeda quando o "NP", em 30 de maio de 1994, lançou o "Guia do Real", com a intenção de esclarecer as dúvidas do leitor sobre como seria a transição monetária. O jornal recheou suas páginas com tabelas, gráficos, quadros explicativos e exemplos de cálculos de conversão. As dúvidas giravam em torno dos aluguéis, poupança, salários, aposentadorias, tarifas, prazo de trocas da antiga para a nova moeda e contratos financeiros.

Crédito: 21.jun.1994 - Sérgio Castro/Folhapress
Dona de casa escolhe produto em supermercado de São Paulo com o preço em URV

A atualização dos preços dos produtos surgia nas edições, que, com artes gráficas, simulavam a equivalência monetária do cruzeiro para a URV. Com linguagem direta aos trabalhadores e donas de casa, o "NP" expunha, por exemplo, o valor do copo de pinga (CR$ 500,00 para R$ 0,27); do maço de Hollywood (CR$ 1.700,00 para R$ 0,92) e o preço da passagem de ônibus (CR$ 870,00 para R$ 0,47).

As dúvidas também eram esclarecidas através da interatividade com os leitores, ávidos por mais informações sobre as mudanças. Perguntas pipocavam em toda a edição, que expunha a aflição do público através das cartas enviadas à redação. Com equipes de reportagens espalhadas em supermercados, as senhoras destacavam suas dificuldades, conforme mostrou o "NP" com a chamada "Donas de casa perdidas com os preços em URV", de 28 de junho de 1994. O diário aproveitou para lembrar que algumas dessas senhoras nem sequer sabiam que a moeda passaria a ser outra a partir de 1º de julho.

Em meio a tanta curiosidade, o "Notícias Populares" continuava publicando exemplos práticos de conversão do cruzeiro, URV e real. Os salários e o rendimento da poupança também afligiam a população, traumatizada com a inflação crescente e o confisco da poupança efetuado durante o Plano Collor, de 1990. Capas como "URV aumenta e engorda o salário", do dia 21 de junho de 1994, e chamadas como "Caderneta de poupança está livre de prejuízo", de 29 de junho de 1994, tranquilizavam as pessoas a respeito do plano que se avizinhava. Os salários seriam convertidos automaticamente do cruzeiro para real e não haveria risco de confisco das cadernetas, alertava o "NP".

Ajudados por tabelinhas, o real entrava cada vez mais no cotidiano das pessoas, inclusive dentro do universo das diversões adultas... Com notícias frescas, o "NP" não deixou na mão quem gostava de outros serviços, como o mercado do sexo.

Com a imagem de uma mulher virada de bruços e deitada nua em cima de um sofá, a capa do dia 5 de junho de 1994 noticiava: "Sai a tabela do sexo em real, transe mais e pague menos". Dentro da mesma publicação, fichas expunham os preços corrigidos da "putaria". Tirar uma onda com um "traveco" poderia custar R$ 14,80, e adquirir vaselina, R$ 1,26. Como a vida não estava fácil, a vagina artificial não saía por menos de R$ 56, mas uma "prostituta da boca do lixo" poderia custar um pouquinho mais barato; R$ 3,70... Foi assim que, para o desespero ou alívio de muitos, o "NP" chegou a publicar, neste mesmo dia, o "tabelão do sexo". "Chegou o tabelão do sexo em real", era uma das muitas chamadas internas do diário.

Mesmo com a proximidade da inauguração do plano, as dúvidas não cessavam. As novidades provocavam estranhamento nas pessoas, que acompanhavam no "NP" a apresentação das moedas de metal e das novas notas. "As moedinhas vão voltar com o real. Quem só usa moedas pra fazer chocalho, ou sempre deixa o troco pra lá, vai ter que se acostumar com as pestinhas no bolso". Enquanto isso, produtos cujos preços eram grafados com vários dígitos, resultante do alto índice inflacionário, seriam ilustrados com menos algarismos.
A partir de então, o preço da passagem do metrô de SP, por exemplo, passaria a ser de R$ 0,60 e o do litro da gasolina, R$ 0,54. O jornal lembrou que com R$ 0,03 centavos era possível comprar uma ficha telefônica, por isso "os centavos, que sempre foram desprezados", voltavam "valendo muito", alertava o "NP" do dia 29 de junho.

Crédito: 25.jul.1994 - L.C.Leite/Folhapress
Tarifa reduzida na estação do metrô Tietê: valor real R$ 0,60 foi para R$ 0,50 por falta de troco.

A 17 dias do lançamento do real, o "NP" ainda relatou as dificuldades com o fato de o Brasil ter praticamente duas moedas simultâneas. No dia 14 de junho, o jornal reportava a situação de cobradores de ônibus, com problemas para dar o troco em real. "Troco dos ônibus vira zona com o real". Em São Paulo, companhias preparavam uma tabela a ser fixada nas catracas dos coletivos com a correção diária das moedas a fim de facilitar as trocas e evitar mal-entendido entre cobradores e passageiros, relatou a equipe de reportagem. O diário anunciava que "o preço do ônibus pago em cruzeiro vai ter o troco em real".

A dois dias da entrada definitiva da nova moeda, o próprio "NP" imprimiu sua primeira capa em URV. Na tentativa de ajudar o leitor, o valor equivalente em cruzeiros também foi estampado. Em URV, 0,28. Em cruzeiros, CR$ 714,00, anunciava a edição de 28 de junho. Ao dar espaço para especialistas, agentes do governo e economistas, o diário continuou traduzindo os detalhes das medidas. Devido à apreensão do público, o jornal não hesitava em mostrar a matemática que gradativamente tomava conta da vida de milhões de brasileiros.

"Cada real vai valer cerca de CR$ 2.700,00. Para saber quantos reais você terá, basta dividir o total de dinheiro em cruzeiros por 2.700. Exemplo. CR$ 340 mil viram R$ 125,92 (125 reais e 92 centavos)", publicou. A base de cálculo para um real seria fixada de acordo com o valor da URV do último dia de junho. Foi assim que o valor foi anunciado pelo "Notícias Populares" na edição de 30 de junho, que decretava "agora é pra valer: saiu a tabela do real". "A URV vale hoje Cr$ 2.750,00. É com este número que você vai saber quantos reais você terá no bolso", anunciou o periódico. Ao publicar uma extensiva tabela com os valores transformados do cruzeiro para o real, acabou de vez a corrida do povo às bancas de jornal a fim de saber qual era o valor da URV do dia.


Por fim, em 1º de julho de 1994, o número 11.016 do diário explicou "de um jeito simples o que [mudava] no seu bolso com o real". Era o adeus ao cruzeiro. Na capa do dia, o jornal também estreou a grafia com seu novo valor, que saiu custando 0,30 centavos de real na época. Durante o último mês do cruzeiro, o próprio preço do "NP" havia sido vítima da inflação. Em meados de junho, um exemplar do diário, que custava 400,00 cruzeiros, atingiu a marca dos Cr$ 714,00 no último dia do mês.

A partir daí, iniciava-se um ciclo de queda da superinflação no país. Por mais sete meses e duas semanas, os leitores do "Notícias Populares" não veriam mais aumento do preço do jornal.

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