Gregos fazem assalto do século em SP
Era 27 de janeiro de 1965, em pleno centro da cidade de São Paulo, um roubo que teoricamente durou dois minutos chamou a atenção da mídia, inclusive a internacional, e ganhou enorme audiência.
Parecia sinopse de "Um Dia de Cão" (1975), filme de Sidney Lumet sobre o assalto a um banco em Nova York que ganha uma grande repercussão, mas não. Tanto que foi considerado pelos jornais na época o assalto do século.
Tudo começou quando às 13h15 "gângsters" abordaram a perua do Banco Moreira Salles S.A. na rua Líbero Badaró, na região central de São Paulo, renderam os funcionários, mataram o tesoureiro-chefe que conduzia o veículo e levaram seis sacolas de lona com a soma de Cr$ 500 milhões.
O fato estava consumado, e o "Notícias Populares" iniciou a série de reportagens que se estendeu por mais de 30 dias no jornal sobre o caso do maior assalto já praticado na América do Sul, um dos maiores do mundo.
"Sensacional assalto no centro de SP", publicado em 28 de janeiro de 1965, relatou que os assaltantes deram um nó na polícia com as técnicas utilizadas.
O crime foi elaborado e executado por sete gregos: Gerassimos Andreas Tsolias, Evangelos Demitrius Flengas, Garyfalous Krassas, Michel Basile Nikolaides, Theodoros Kyriakos Apergis, Georges Andreas Tsantillas e Eleftérios Kyriakos Apergis.
O grupo monitorava diariamente a perua, que circulava entre as 12h50 e as 13h15, com quatro funcionários do Banco Moreira Salles que levavam o dinheiro para depositar no Banco do Brasil. Os gregos imaginavam que o valor transportado variava entre Cr$ 50 milhões e Cr$ 100 milhões.
A ideia estudada era fechar a perua do banco com o carro DKW da gangue, enquanto os outros assaltantes, a pé, a atacariam. Eles também levaram garrafões com gasolina, com um pano à guisa de tocha, para dispersar a polícia caso fosse necessário. Foram feitas três tentativas frustradas antes de abordar definitivamente a perua, e Evangelos, o cabeça do grupo, percebeu as falhas e a necessidade de mais um homem e mais um carro.
Foi aí que chamaram Michel Basile Nikolaides, que trabalhava em uma agência de turismo na Guanabara e tinha situação financeira difícil. Sua missão seria alugar um carro no Rio de Janeiro e seguir para São Paulo – não era permitido à época sair do Estado com o carro alugado – para ajudar a fechar a perua.
E no dia 27 de janeiro, com bigodes postiços, óculos escuros, ternos, capas e cola látex nos dedos para esconder as digitais, os gregos abordaram os coletores encarregados do transporte do dinheiro e mataram o motorista José Francisco Pepe, após este ter reagido ao assalto.
Enquanto era realizado o assalto, Michel parou no viaduto do Chá para esperar e seguir a DKW dos gregos com o dinheiro. Ele parou o carro em lugar proibido, sendo abordado por um guarda-civil na praça Patriarca. Este o multou e, como o carro não tinha documentação e era do Rio, solicitou o guincho para levá-lo ao pátio da DST (Diretoria do Serviço de Trânsito). Os comparsas não perceberam o erro de Michel e deram sequência ao plano.
Ao mesmo tempo, na perua do Banco Moreira Salles, os funcionários foram rendidos, e os gregos tomaram o carro para chegar até o DKW. Com as sacolas de dinheiro, os assaltantes seguiram para a Estamparia Parisiana, na rua Marambaia, no bairro da Casa Verde, na zona norte da capital.
Os irmãos Theodoros e Eleftérios, proprietários da estamparia, esconderam as sacolas em barricas de cola e providenciaram a queima das roupas, dos óculos e de todos os objetos usados no assalto.
O roubo superou o do trem pagador da Estrada de Ferro Central do Brasil, ocorrido no Estado do Rio em 1960, e quase não deixou pistas aos policiais, pois quem tinha visto o assalto não conseguia descrever os assaltantes. Os delegados do caso, Coriolano Nogueira Cobra e Nerval Ferreira Braga, começaram uma prisão em massa de suspeitos.
"Polícia conhece a 'gang'" foi o título de 1º de fevereiro do "NP" apontando suspeitos do assalto, que, depois, eram liberados por falta de provas. Nenhuma pista surgia, tanto que o Banco Moreira Salles ofereceu Cr$ 10 milhões a quem ajudasse com informações.
A polícia paulista não sabia por onde começar a investigar, e a recompensa só tumultuou ainda mais as coisas. O "NP" de 2 de fevereiro estampava "Dinheiro vai para o estrangeiro e assaltantes ficam", tomando como base informações da imprensa internacional, que também divulgou pistas e dicas que tentavam ajudar a desvendar o roubo.
Falsas denúncias reduziram ainda mais as possibilidades para os investigadores. Os assaltantes do Banco Moreira Salles driblaram e desafiaram a polícia de São Paulo, tanto que a manchete do "NP" de 4 de fevereiro destacou: "Golpe dos 500 milhões: crime foi perfeito!".
O mistério envolvendo o caso continuava, e a identificação dos criminosos e a localização dos Cr$ 500 milhões se tornavam cada vez mais improváveis.
No dia 11 de fevereiro, o "NP" chegou a divulgar mensagens da Interpol, destacando em sua primeira página: "500 milhões do banco em Lisboa: cercado o navio Giulio Cesare". A notícia, entretanto, foi alarme falso, e as prisões de suspeitos continuaram em São Paulo, Rio de Janeiro, Santos, Curitiba, Porto Alegre.
Finalmente, os investigadores puxaram um fio que ficou solto, talvez o único: consultar o guarda que multou e guinchou o carro no Viaduto do Chá. Foi o primeiro passo para a descoberta da gangue. Fizeram o levantamento na locadora e obtiveram a ficha de Michel, bem como sua fotografia (era necessária foto para alugar um carro à época).
No mesmo dia, ele foi detido em sua casa, no Rio de Janeiro, onde os policiais só o prenderam e não falaram nada. No caminho para São Paulo, Michel, acreditando que os policiais fossem bandidos contratados pelo grupo para matá-lo pelo fato de o carro ter sido guinchado, contou que dividiria com eles sua parte no assalto dos Cr$ 500 milhões. Era o que os policiais precisavam.
Levado a severo interrogatório, Michel revelou onde estava guardado o dinheiro, e o "NP" trouxe três páginas de reportagem no dia 1º de março com o título "Presa 'gang' dos 500 milhões!".
A estamparia foi invadida por policiais, que prenderam Evangelos, Georges e os irmãos Theodoros e Eleftérios. Três dias depois, Garyfalous foi preso em Curitiba, e Gerassimos, na cidade de Franca, interior de São Paulo.
"Presos os 2 últimos do assalto", de 4 de março no "NP", completou a saga dos assaltantes e dos Cr$ 500 milhões desaparecidos. Michel, o grego delator, foi jurado de morte pelos patrícios.
A polícia recuperou Cr$ 488.234.745,00 – os gregos planejavam trocar o dinheiro por dólares, aos poucos –, e o prêmio de Cr$ 10 milhões do Banco Moreira Salles foi entregue à família do funcionário José Francisco Pepe, morto no assalto.
O "NP" encerrou o caso em 29 de novembro de 1965 com "Gregos condenados: 103 anos de xadrez". Os sete gregos receberam pena total de 103 anos e seis meses de cadeia mais multas que cada um teve que pagar.
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