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Música

'Ainda existe brasa, cumplicidade e tesão entre mim e o Edgard', diz Nasi, do Ira!

Músicos garantem que brigas e batalhas jurídicas ficaram no passado; banda completa 40 anos em turnê

Edgard Scandurra e Nasi Ana Karina Zaratin/Divulgação

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São Paulo

"O amor também faz errar". A frase é título de uma música do Ira!, banda de rock dos anos 1980, mas para Nasi e Edgard Scandurra, a afirmação pode também descrever a história e trajetória do grupo de roqueiros que se apresenta em 2022 para comemorar os 40 anos de sua fundação.

Polêmicos, românticos e autorais –como se definem–, Nasi e Scandurra, músicos fundadores, se juntam a Johnny Boy, no baixo, e Evaristo de Pádua, na bateria, nos novos shows. "Teve gente que falou que o Ira! sem a formação do primeiro disco seria uma piada, e não foi. Desde a nossa volta é como se a gente estivesse preenchendo um espaço do rock que estava vazio", diz Nasi, 60, dando um trago no cigarro durante a entrevista por vídeo.

A banda chegou a ter um período de pausa entre 2007 e 2014, por brigas e discussões entre seus integrantes. "Ficamos sem nem falar. Fiquei sete anos sem ver o Nasi pessoalmente. Quando nos reconciliamos, vimos que seria meio difícil com o André Jung [bateria] e o Ricardo Gaspa [baixo], por problemas mais difíceis de serem acertados", acrescenta Scandurra, 60, o guitarrista do grupo.

O desentendimento envolveu, além dos membros da banda, o pai e o irmão de Nasi, tornando a polêmica pública –chegando a virar assunto de reportagem no Fantástico (Globo), como relembra o cantor. "Essa briga foi uma comédia de erros sucessivos de ambas as partes, que não souberam tratar a necessidade da banda após um período de ‘stress pós-sucesso’, e um puta sucesso, com o acústico MTV", completa.

Desde sua volta, em 2014, os dois músicos garantem que a relação nunca esteve melhor. "Apesar de todas as alfinetadas, ainda existe brasa na fogueira entre mim e o Edgard, a cumplicidade e o tesão de estar juntos no palco", diz Nasi. "Agora nós nos respeitamos muito mais, temos mais abertura para ser sinceros. Guardávamos as coisas até o momento que explodiu", completa Scandurra.

Até o fim do ano, a banda cumpre uma agenda de shows por diversos estados do Brasil, que pode ser acessada em seu site oficial. Abaixo, Nasi e Scandurra falam sobre sua percepção do mercado musical na atualidade, as novidades do Ira! e relembram histórias de antes da pausa, em 2007.

São quarenta anos de banda. Um marco importante na história do rock brasileiro, não?
Nasi: Procuro não pensar com esse peso. Duvido que essas bandas como Ira!, Paralamas do Sucesso, Titãs e Engenheiros do Havaí, quando começaram, imaginaram que o rock seria um fenômeno de mercado, porque era uma música marginal… Era uma coisa que não tinha espaço, era época de censura e o rock sempre foi, graças a Deus, muito mal visto pelo ‘sistema’.

Scandurra: Além de comemorar 40 anos da banda, estamos comemorando o retorno a uma vida ‘comum’. Às vezes de maneira até irresponsável, porque o Covid está presente. Mas é um momento de muita celebração, fomos conquistando um público muito fiel, e não é apenas a nossa geração que nos acompanha, são os filhos das pessoas que curtiam a gente nos anos 80.

Como vocês enxergam o cenário do rock nacional atualmente?
Nasi:
Hoje artistas são criados em departamentos de marketing, já nascem com toda uma estrutura. Por isso o rock perdeu muito desse espaço, são artistas difíceis de se controlar. [As gravadoras] dão mais espaço para caras que rimam ‘beija’ com ‘cerveja’, porque eles são mais simples de lidar. Os artistas da minha geração são autorais. [Mas tivemos] a entrada de mais mulheres no rock, que sempre foi muito machista. Por que não tivemos mais Rita Lees, mais Pittys?

E nos outros ritmos e estilos?
Scandurra:
O mercado musical está muito a cara dessas tecnologias e redes sociais. As pessoas perguntam se eu não tenho TikTok, porque lá está bombando… Acho que isso gera uma certa superficialidade da música. Para quem gosta de vinil é uma sensação estranha ver bombando uma música que tem um minuto. Espero que a arte prevaleça.

Nasi: O Edgard está até mais por dentro. As coisas que eu escuto são mais antigas. Não quero fazer só críticas a esse momento da música brasileira. Apesar desse comercialismo de MCs e sertanejos, não generalizando; só o sertanejo, que eu realmente não gosto de nenhum. Hoje vemos duplas sertanejas que recorrem a compositores profissionais. Fazem música como se faz pizza. Não quero ser o chato de plantão, dizendo que o meu tempo era melhor. Mas eu vejo um fenômeno legal da pluralidade. Caras como Baco Exú do Blues e BaianaSystem.

Em 2014 vocês voltaram depois de sete anos de pausa, por causa de brigas que incluíram tentativas de interditá-lo, Nasi. Como foi isso?
Nasi:
Por mais que eu e o Edgard já tivéssemos dado ‘bandeira branca’, eu não acreditava que por toda a ‘ira’ que aconteceu na nossa briga envolvendo família, banda, que iríamos voltar. Talvez tivesse sido um caminho sem volta. Trabalhamos com o André Midani, ele fumava um baseado com a gente, curtia nossas loucuras, e uma vez ele disse que no Ira! faltava escândalo. Ele dizia: ‘Rock é escândalo, falta escândalo’.

E escândalo foi o que não faltou.
Um empresário, que não é meu irmão, me propôs uma falsa prisão por drogas. Ele já tinha um esquema com a Polícia Federal. Seria tudo uma encenação, sei lá como se faz isso. Nos anos 90 foi uma época de queda do Ira!, mesmo por uso de drogas, eu fiquei muito viciado na primeira metade da década. Mas quando o escândalo do Ira! veio, veio mesmo. Com direito a matéria no Fantástico e tudo.

Mais recentemente, em 2019, vocês lançaram o "Simplesmente Ira!". O trabalho tem um tom bem político. Porque a escolha de trazer isso nas músicas?
Scandurra:
Estamos em um momento muito difícil desde 2014, no impeachment da Dilma, a coisa vem se deteriorando diariamente. O começo do Ira! foi na ditadura, foi em uma censura. Temos a obrigação agora, sem censura, apesar de as tentativas de calar as pessoas, temos a obrigação de expor nossos sentimentos e inconformismo. Não podemos ser alienados e falar sobre a beleza da praia ou fazer piadas. Nossa origem é politizada.

Nasi: Essas músicas foram compostas praticamente todas em 2019. Um ano terrível para o Brasil, no sentido que entrou esse desgoverno e que trouxe um comportamento machista, homofóbico, reacionário e anti-ambientalista. Era impossível isso não se refletir nas músicas. Apesar do nosso nome chamar Ira!, é uma das bandas de rock que consegue ter um discurso ligado ao romantismo soft, acabei de criar isso neste momento. [O que espero] é que quem errou, que tenha a possibilidade de reconhecer, e nessa próxima eleição, votar com amor e não com o ódio.

O que vem por aí?
Scandurra:
Vai rolar um novo vinil dos velhos tempos da banda, de uma formação antes do André e do Gaspa. Com shows ao vivo da banda, gravações e coisas muito raras, que ninguém nunca ouviu, com o Charles Galvin que depois foi para os Titãs e o Dino, que tocava comigo desde os 15 anos de idade. É uma versão muito familiar do Ira!. Eu e o Nasi tínhamos uns 22 anos.

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