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Mães que amamentam os filhos por mais de dois anos causam controvérsia

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De mansinho, Paola se aninha no colo da mãe. São 10h de quarta-feira, ela está gripada e quer mamar. A menina se ajeita e começa o ritual da amamentação. O inusual na cena é ela ter sete anos.

Controversa, a amamentação prolongada vem sendo adotada por muitas brasileiras adeptas do movimento chamado Criação com Apego (Attachment Parenting), que também prega que os
pais durmam junto com os filhos até quando eles quiserem.

O movimento nasceu há 20 anos nos EUA, após a publicação do livro "The Baby Book" (O livro do bebê, em tradução livre), do pediatra William Sears. A obra defende uma educação amável e sem castigos e punições.

Na semana passada, o assunto ganhou destaque após a revista "Time" estampar na capa uma mãe amamentando o filho de três anos. O garoto usa um banquinho para alcançar o seio materno.

Não há uma idade limite para o desmame, segundo a SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria). A OMS (Organização Mundial da Saúde) preconiza aleitamento exclusivo até os seis meses de idade. E recomenda que as crianças continuem sendo amamentadas no peito por até, pelo menos, dois anos.

"Não há estudos que apontem prejuízo às crianças que são amamentadas acima de dois anos. O momento de parar é uma decisão entre mãe e filho e está muito relacionada a fatores culturais", diz a pediatra Graziete Vieira, do departamento de aleitamento materno da SBP.

Segundo ela, pesquisas mostram que, quanto maior o tempo e a dose de amamentação, mais proteção imunológica terá a criança.

Na prática, porém, a maioria dos pediatras é avessa à proposta do aleitamento prolongado. "É uma aguinha com um pouquinho de sabor. O leite já não tem mais a mesma quantidade de nutrientes", diz o pediatra Cid Pinheiro, professor na Santa Casa de São Paulo.

Ele também aponta possíveis prejuízos nutricionais. "Se a criança for mamar em horário próximo a uma refeição, pode perder a fome e não se alimentar corretamente."

Para o pediatra, crianças que mamam no peito ou dormem na cama dos pais com "com cinco, seis, sete anos" podem ter prejuízos psicológicos. "Será que é esse tipo de segurança que elas precisam dos pais? Será que não estamos postergando o amadurecimento delas?"

VIDA REAL

A médica Marina Rea, membro do Comitê Nacional de Aleitamento Materno do Ministério da Saúde, argumenta que, no aleitamento prolongado, a criança continua a receber uma quantidade de nutrientes "apreciável", tanto em calorias (proteínas) quanto de micronutrientes (como vitamina C).

Ela reconhece, porém, que, com o passar do tempo, é pequena a quantidade de leite materno. "Mas é um líquido de alta qualidade."

Para ela, a relação emocional que existe na continuidade da amamentação da criança maior merece mais estudos. "Fala-se em crianças menos estressadas e menos agressivas. Mas não há comprovação científica."

No entanto, para a psicóloga especialista em educação Roseli Caldas, professora da Universidade Mackenzie (SP), o aleitamento prolongado distancia as crianças da vida social real e pode ser um risco à autonomia delas. "A gente não precisa disso para estar com o outro", diz.

Segundo ela, a amamentação é um vínculo de suprimento, que só cabe quando a criança é pequena. "Depois, deve ser substituído por outras mediações. As pessoas têm que estar juntas não só pelo suprimento da outra, mas pela presença."

Isso também cabe para o dormir compartilhado. "A criança precisa criar o seu espaço e respeitar o do outro."


"Se eu estiver em casa, ela quer mamar o dia inteiro; nunca tomou leite artificial"

Crédito: Márcio Lima/Folhapress
Chenia Silva, 35, de Salvador, amamenta a filha Zaya, que completa 3 anos no próximo dia 6

A pequena Zaya completa três anos no próximo dia 6 e anunciou que nesta data deixará de mamar no peito.

A mãe, a historiadora e doula Chenia d'Anunciação, 35, de Salvador (BA), não está lá muito confiante e se programa para mais um ano de aleitamento. "Até os cinco, não sei, não, mas, até os quatro, talvez eu ainda amamente."

Zaya foi amamentada exclusivamente no peito até os seis meses. "Era livre demanda, dia e noite."

Depois que voltou a trabalhar, Chenia tirava o leite pela manhã. "A noite, ela voltava a mamar no peito. Até hoje, leite só o meu. Ela nunca tomou leite artificial. Se eu estiver em casa, ela quer mamar no peito o dia inteiro."

A cama também é compartilhada. "Ela tem o quarto dela, mas adora dormir com a gente. Não vemos problema."

Já amamentar a noite é cansativo, diz Chenia. "Ela mama a noite toda. Fica pendurada ali, cantando: 'Teta, teta, tetinha'".

Chenia diz que enfrenta preconceito por ainda amamentar a filha. "A sociedade tem um pouco de aversão a criança pequena, quer que logo vire adulto. Mas se a gente consegue dar atenção a elas neste período e deixar as coisas fluírem, com o tempo, elas vão tomando o caminho delas, sem pressa."

"Não é tranquilo amamentar uma criança de 7 anos; existe um preconceito"

Crédito: Simon Plestenjak/Folhapress
Fabíola Cassab amamenta a filha Paola, de 7 anos

A advogada Fabíola Cassab, 35, amamenta a filha Paola há sete anos. Ambas negociam o fim do aleitamento, que já não é tão frequente. "Se ela sente que vai ficar doente, mama", diz a mãe, que coordena um grupo de mães chamado Matrice.

E até quando você pretende mamar, Paola? "Eu tava pensando de ir até uns oito, nove anos", diz a garota. A seguir, trechos do depoimento de Fabíola à Folha.

"Quando a Paola nasceu achei que amamentar seria fácil. Mas não foi. Ela chorava muito, não engordava, meu bico rachou.

Pretendia amamentar até os oito meses. Mas li vários artigos que diziam o quanto é bom para o desenvolvimento motor, intelectual e social a criança ser amamentada prolongadamente.

Quando ela tinha dois anos, pensei: 'Já que eu lutei tanto para amamentar e há tantos fatores que me encorajam, por que vou parar?'. Pensei que pudesse ir até uns cinco anos. Nunca imaginei amamentar até os sete. Mas acredito que toda relação chega ao fim naturalmente.

Ela não mama mais todo dia. Mas, se sente que vai ficar doente, mama, mama, mama. Para mim, o leite é mais uma questão imunológica do que nutricional ou emocional.

Não é muito tranquilo amamentar uma criança de sete anos. Existe um preconceito muito grande.

Na escola, já me questionaram e eu logo pergunto: 'Como ela está?'. Aí eles elogiam, dizem que ela está bem, escreve bem, lê bem.

Meu marido me apoia muito, eu não conseguiria ter dado esse passo sozinha. A amamentação prolongada não limita a minha vida. Viajo a trabalho, e a Paola também é uma criança superindependente, dorme na casa das amigas, faz festa do pijama em casa, enfim, é perfeitamente saudável."

"Fui muito criticada", diz Melissa, que amamentou dois filhos ao mesmo tempo

Crédito: Isadora Brant/Folhapress
Melissa e sua família em sua casa, em Itatiba; ela amamentou todos os filhos no peito e é consultora de amamentação

Na casa da família Sato, nunca houve berço. O quarto dos pais é território livre para os filhos desde o nascimento. De certa forma, o peito da mãe, Melissa, 32, também é.

O primogênito Samuel, 7, tinha três anos quando a mãe engravidou da irmã, Regina, 5. Mesmo assim, Melissa continuou amamentando o filho.

"Fui bastante criticada, diziam que todos ficariam desnutridos. Mas pesquisei bastante e me senti segura."

Regina nasceu em casa. Na época, a família morava nos EUA. Os irmãos dividiram o seio materno por um ano, até que Samuel desistiu do leite da mãe, aos quatro anos e três meses. "Ele já estava na escola e foi pedindo cada vez menos até parar de vez."

Regina mamou até os três anos, quando Melissa já gestava Dimitri. "Um dia ela pediu para mamar. Pegou o bico, mas logo soltou disse: 'ah, mamãe, não sai mais nada.' E nunca mais pediu."

Dimitri, hoje com um ano e meio, segue mamando quando bem quer. Livre demanda, como diz a mãe, que amamenta quase que ininterruptamente há sete anos. O menino também nasceu em casa, em uma chácara em Itatiba (SP) onde vive a família.

Com tanta experiência, Melissa se tornou consultora de amamentação e hoje atua orientando gestantes e mães.

Ela também sempre carregou os filhos pequenos em panos amarrados junto ao corpo ("slings"). Preenche todos os requisitos da chamada "criação com apego."

Ela e o marido Márcio, professor de inglês e espanhol, só veem vantagens no estilo de criar os filhos.

"Isso não quer dizer que não há limites. Aqui todos se respeitam, têm deveres."

Melissa também não vê nenhum drama no fato de os filhos dormirem, quando quiserem, no quarto do casal.

"Não vejo problema. Eles crescem e depois não precisam mais disso."

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