Degustando uma coxinha gourmet na Jecolândia
Já faz tempo São Paulo está fazendo por merecer um programa do canal National Geographic ou uma edição do caderno Turismo com o irresistível convite VIAGEM À JECOLÂNDIA. A paisagem não é exatamente exuberante, mas há muitos animais selvagens, sobretudo no trânsito, e costumes verdadeiramente exóticos (sem contar o risco de o turista não voltar vivo, o que dá um charmoso toque de Afeganistão à coisa toda).
Se me incumbissem de apresentar a Jecolândia a um gringo, começaria pelo mais típico dos costumes típicos: a gourmetização ampla, total e irrestrita. "Gourmet" hoje em SP é uma praga mais letal que o virus Ébola: não há um único EMPREENDEDOR que não use a maldita palavrinha quando quer passar a ideia de algo "sofisticado", "diferenciado", "para poucos" etc. (e peço perdão pela chuva de aspas).
E, assim como o Ébola, "gourmet" destrói tudo que toca. Não basta palermas endinheirados comprarem apartamentos com "varanda gourmet" (porque, se você é DIFERENCIADO, seu churrascão na laje também tem de ser): uma rápida consulta ao Google nos mostra que existem também "pastelaria gourmet" e "coxinha gourmet", provavelmente com pó de ouro 24 k no recheio. Prevejo para muito breve vídeos de um Alexandre Frota gourmet dizendo à galera "foodie" que "o negócio é comer cookie e bruschetta".
(Aliás, se você gosta de comer, se você tem "boca boa", como diz uma amiga mineira, por favor, não saia por aí dizendo que é "foodie": isso é mais feio que bater na mãe. Outro dia uma entrevistada de jornal se apresentava como "estilista, cool hunter e foodie"; só faltava dizer que "ataca de DJ" pra completar a lista de clichês descolados. Se eu tivesse uma cartela, gritaria BINGO!)
Tudo isso me lembra aquele comercial de Ferrero Rocher que falava das "recepções na casa do embaixador" --aí, pra dar toda aquela ideia de finesse, aparecia o mordomo com a bandeja cheia de bombons. Agora imaginem essa mesma bandeja com uma pirâmide de coxinhas. Ou de pastéis. Pois é, vocês estão fazendo isso errado. Estão traindo o movimento dos pastel, véi ("um chopps e dois pastel gourmet, por favor").
Não queremos que o bolovo e o churrasco grego das ruas do centrão de SP sejam as únicas coisas ingourmetizáveis (e temo que o bolovo esteja sob ameaça; alguém ainda há de abrir uma boloveria, o que seria a indignidade suprema). Meu apelo aos cidadãos de bem deste Brasil é: por favor, deixem pelo menos a coxinha --a humilde, honesta coxinha-- fora disso.
Os habitantes da Jecolândia, afinal, já têm a varanda gourmet para se divertir. Mas reconheço que eles são uma oportunidade de negócio. Se eu tivesse capital, investiria no ecologicamente correto: oferecer capim gourmet pra todo mundo pastar gostosamente. Fica a dica pros empreendedores. Nham!
RUY GOIABA é jeca, mas é joia. É contra chamar gente coxinha de "coxinha" porque acha isso uma clamorosa injustiça com o salgado. Está disposto a lutar nas barricadas, sob o comando da general Palmirinha, se terroristas ameaçarem espalhar "empadinhas gourmet" pelo país.
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