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Museu da Espanha exibe fóssil brasileiro cheio de adulterações

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O fóssil de um pterossauro brasileiro superconservado é destaque em um dos principais museus de ciência do mundo, o CosmoCaixa, em Barcelona. Milhares de pessoas viram o bicho, inclusive muitos especialistas, mas só um paleontólogo achou que havia algo errado e foi a fundo no assunto. Acabou descobrindo uma falsificação.

A peça era vista por muitos com um dos exemplares mais preservados do Cretáceo Inferior (entre 100 milhões e 145 milhões de anos atrás).

O trabalho de Fabio Dalla Vecchia, no entanto, mostrou que se trata de uma espécie de "Frankenstein" paleontológico: uma composição de vários fósseis diferentes que são montados para darem a aparência de que são os restos de apenas um indivíduo.

Crédito: Editoria de Arte/Folhapress

E mais: apesar de ser uma composição de vários animais diferentes, os cientistas não conseguiram provar que nenhum deles era, de fato, um Anhanguera piscator, como diz o museu.
Algumas partes da peça nem fósseis eram, mas sim pedaços de plástico pintado.

"A importância científica desse exemplar é bem menor do que nós pensávamos no início", diz Dalla Vecchia.

Para descobrir a montagem, o cientista e seus colaboradores fizeram um verdadeiro trabalho de detetive.

O MÉTODO
Com a autorização do museu, o grupo olhou o material com lentes de aumento. Já foi o suficiente para detectar algumas partes da composição, sobretudo as de plástico.

O crânio e a mandíbula, o mais relevante cientificamente, foram removidos e submetidos a exames de luz ultravioleta e de tomografia computadorizada. O esqueleto não podia ser removido.

Eles identificaram que 50% do crânio e da mandíbula eram reconstituídos. Na parte que era verdadeira, houve uma combinação de partes de vários indivíduos.

O cientista diz que devem existir vários casos semelhantes, já que essas falsificações são relativamente comuns.

Uma das mais famosas foi apresentada pela Sociedade Geográfica Nacional dos EUA em 1999 como o "elo perdido" da evolução dinossauro-pássaro. Batizado de Archaeoraptor liaoningensis, ele parecia ter o corpo de um pássaro com um rabo de dinossauro. Algum tempo depois, os cientistas viram que eram dois animais distintos colocados para parecerem um só.

O Museu Nacional do País de Gales foi outro atingido. Após 116 anos exibindo um suposto fóssil de Icthyosaurus, um réptil marinho, a instituição descobriu que se tratava de uma combinação de duas criaturas marinhas, com pedaços feitos de gesso.

CRIME COMPENSA?
Fósseis bem preservados são mais valiosos. Por isso, há muita gente que tenta dar uma "forcinha" para a natureza, criando peças que são verdadeiros Frankensteins.

O antigo habitat do pterossauro Anhanguera piscator, na chapada do Araripe, no Nordeste, concentra uma grande diversidade de répteis voadores e é famoso pela boa conservação dos fósseis.

Por isso, muito embora venda de fósseis no Brasil seja proibida, é comum que pessoas explorem a área clandestinamente, já que eles são facilmente encontrados.

O trabalho de Della Vecchia foi apresentado no Rio Ptero, simpósio internacional de pterossauros no Rio, e provocou reações exaltadas da plateia. Ironicamente, por motivos distintos.

A maioria dos pesquisadores brasileiros ressaltou que esse é o tipo de coisa que acontece quando se compra fósseis ilegalmente. Já os estrangeiros ficaram mais preocupados com a falta de confiabilidade de seus fornecedores regulares.

O museu, porém, diz não ter a intenção de tirar a peça de exposição. Jorge Wagensberg, diretor científico da Fundação la Caixa, diz que, em breve, a informação de que se trata de uma composição será inserida na descrição da peça.

OUTRO LADO

Apesar de a placa do fóssil no museu não fazer menção ao fato de que se trata de uma composição, Jorge Wagensberg, diretor científico da Fundação la Caixa, divisão de um banco espanhol que é dona do museu, disse à Folha que sabia desde o início que se tratava de uma montagem com vários animais.

Segundo Wagensberg, ele comprou o fóssil pessoalmente em 1998, em Denver, nos EUA. Ele diz ter sido acompanhado por dois especialistas.

"Só pelo preço eu já saia que não era original."

Paleontólogos ouvidos pela reportagem, no entanto, disseram que duvidam de que o museu soubesse do "Frankenstein" desde o início.

"Você queria o quê? Que eles reconhecessem que foram enganados?", perguntou, rindo, um deles.

Questionado pela reportagem sobre o fato de não haver qualquer menção no museu sobre o fóssil ser uma composição, considerando que ele diz que isso era um fato conhecido, ele disse: "A área para descrição de cada exemplar é uma placa muito pequenininha. Se fôssemos detalhar tudo, não caberia". Ele diz, no entanto, que vai colocar um pequeno aviso.

Segundo Wagensberg, as composições são um recurso que pode ser usado sem prejuízo quando objetivo é explicar ao público alguns aspectos mais gerais, como a aparência de um fóssil de perto.

Questionado se considerava correto comprar fósseis de países em que esse comércio é considerado ilegal, o diretor disse que só poderia responder sobre os aspectos científicos.

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