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Estilo
Descrição de chapéu The New York Times

Representação negra ainda é obra em progresso nas revistas dos EUA

'Mudanças radicais na verdade acontecem gradualmente', diz editora

Precious Lee na capa da revista Vogue em abril de 2021 Steven Meisel/NYT

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Jessica Testa
The New York Times

Na manhã da última sexta-feira de agosto, dia 27, o site da revista Harper’s Bazaar trazia a imagem de uma modelo negra com um sorriso largo, usando um vestido Hermès e dreadlocks. Sob essa imagem havia uma foto de Lil Nas X e, pouco mais abaixo, uma coleção de reportagens sobre o estilo de moda da cantora Aaliyah (1979-2001).

Em sua versão impressa, a edição mais recente da revista trazia Beyoncé na capa, fotografada por Campbell Addy, um fotógrafo negro, e produzida em parte por Samira Nasr, que em 2020 se tornou a primeira pessoa não branca a comandar a publicação em seus 154 anos de existência.

A capa também foi a primeira de Beyoncé na revista em uma década; da última vez que ela havia posado para um ensaio fotográfico da Harper’s Bazaar, o artigo foi produzido por dois homens brancos conhecidos por vender imagens com jeito de pornografia soft.

Nada disso escapou à atenção de Nikki Ogunnaike, apontada para a direção da versão digital da Harper’s Bazaar em novembro. Quase 15 anos atrás, quando começou a procurar estágios em revistas de moda, ela se acostumou a ser uma das duas pessoas negras na equipe.

Agora ela modera mesas redondas durante iniciativas como a recente série de três dias de debates organizada pela Hearst Magazines para celebrar os talentos negros na moda. (Ogunnaike teve acesso a esse tipo de evento mais cedo em sua carreira? “De jeito nenhum”)

Hoje, quando procura candidatos para postos de entrada na equipe da revista, ela busca candidatos de universidades historicamente negras e localizadas longe de Nova York. (“Dez anos atrás, as pessoas não procuravam pessoal nas universidades historicamente negras. Procuravam formandos da Universidade da Virgínia, onde estudei”)

Mas resta a questão: nas revistas de moda, será que a mudança que Ogunnaike testemunhou, acelerada em 2020 pelo homicídio de George Floyd e pela inquietação social resultante, vai perdurar? Será que a moda, com todo seu histórico de vieses e exclusão, recuará aos velhos padrões de tratar o progresso racial como mais uma tendência ou será que abraçará de verdade a reinvenção sistêmica?

A conversação em torno do problema da diversidade nas revistas é perene. Em setembro de 2018, por exemplo, havia modelos negras nas capas da maioria dos títulos. Mas em 2019 as modelos nas capas mostravam menos diversidade racial de acordo com o relatório anual de The Fashion Spot.

Mesmo agora, existem sinais de que o imperativo da representação já perdeu força. No começo do ano, o New York Times avaliou se a representação negra havia melhorado na indústria da moda e nas revistas de moda e encontrou relutância generalizada das empresas em tratar de questões referentes à seleção de pessoal.

Mas uma análise de nove grandes revistas —quatro edições internacionais de Vogue, as edições americana e britânica de Elle e da Harper’s Bazaar e a InStyle– mostravam um pico de representação negra naquele momento.

Esse pico parece ter passado. A maioria das nove revistas usou menos talentos negros em suas capas nos seis meses entre março e setembro deste ano ante o período anterior de seis meses que veio na esteira dos grandes protestos do Black Lives Matter. (Duas exceções foram a Vogue Italia e a Harper’s Bazaar, que vêm usando mais talentos negros ao longo do tempo.)

E a diversidade das capas nem sempre reflete a diversidade das equipes. As pessoas que criam capas de revistas– fotógrafos, modelos, maquiadores e cabeleireiros– são tipicamente freelancers, contratados rapidamente e para trabalhos temporários. Mudança nas equipes permanentes das publicações requer mais tempo e mais esforço.

Mesmo com a chegada de líderes negros aos principais postos e com a virada do conteúdo em uma direção nova e mais inclusiva, as publicações tipicamente não foram capazes de realizar grande número de novas contratações ou de desmontar as equipes que tinham e recomeçar do zero. E por causa da duradoura exclusão pelo setor de moda das vozes marginalizadas, os canais de acesso dos talentos negros passaram por anos de subdesenvolvimento.

“Quando a questão é levar líderes negros a esses papéis, muita gente espera que mudanças aconteçam de imediato”, disse Ogunnaike. “Mas isso não é possível”. Chioma Nnadi, diretora digital e a editora negra de mais alto posto na Vogue, define a situação como “uma jornada lenta mas firme”.

“As mudanças radicais na verdade acontecem gradualmente e mudar a cultura de uma companhia ou mudar a cultura de um setor pode demorar muito tempo”, disse Nnadi, que assumiu seu posto em setembro do ano passado depois de seis anos como diretora de notícias de moda da revista.

“A fim de realizar mudanças duradouras, não podemos nos limitar a ticar um item e esperar até que aconteça a próxima crise, ou até que o assunto volte a ganhar destaque no ciclo noticioso”.

Embora Ogunnaike e Nnadi trabalhem para editoras diferentes, cada qual com sua bagagem em termos de diversidade, elas às vezes sentem pressões semelhantes ao operar dentro de instituições tradicionalmente brancas.

Lindsay Peoples Wagner, que foi apontada para a posição de editora da The Cut em janeiro, descreveu a situação em um ensaio publicado em 30 de agosto, falando “do tipo específico de pressão de acertar o tempo todo, a qualquer custo, que surge quando você é um dos poucos líderes negros de uma publicação” e da sensação “de estar andando na corda bamba por sobre um lago cheio de piranhas”.

E é esse o problema enquanto as companhias continuam a lidar com suas questões de cultura interna mais de um ano depois de terem sido questionadas por suas deficiências: existe uma expectativa de que líderes negros bastarão para promover a mudança. “Não acho que deveria caber às pessoas não brancas desenvolver todas as respostas e soluções”, disse Nnadi.

Novas organizações, como o Black in Fashion Council (do qual Peoples Wagner foi uma das fundadoras) e o 15 Percent Pledge estão exigindo que as marcas mais conhecidas do ramo prestem contas e trabalhando para elevar os profissionais negros do setor. Mas os líderes negros dizem que são as instituições brancas que precisam colocar em prática os compromissos de mudança.

“Eu adoraria ouvir alguém perguntar aos aliados brancos quais são seus esforços de diversidade, equidade e inclusão nos espaços que ocupam como pessoas brancas”, disse Ogunnaike. “O ônus não pode caber a pessoas que nada tiveram a ver com a criação desses sistemas racistas para começar”.

Os escalões mais elevados nos expedientes das revistas —os postos que portam designações como “chefe”, “executivo” ou “diretor”– continuam a ser ocupados predominantemente por bancos com algumas exceções importantes.

Por exemplo, sob o comando de Edward Enninful, editor-chefe da Vogue britânica, mais de metade das 17 capas mais recentes da revista destacaram modelos negras; na era de sua predecessora, Alexandra Shulman, só duas modelos negras ocuparam a capa da revista em 25 anos.

Mas houve indicações importantes de editores negros fora dos títulos mais conhecidos da moda. A influente revista independente britânica Dazed contratou Ib Kamara como editor-chefe em janeiro. A revista de beleza Allure apontou Jessica Cruel como editora-chefe em agosto.

As modelos negras também avançaram este ano. Nos últimos 12 meses, uma das modelos, de qualquer etnia, mais procuradas para capas de revista foi Precious Lee que estrelou a importantíssima edição de setembro da Vogue americana.

Este ano também viu “a primeira capa em que meu nome foi publicado”, disse Lee, falando sobre a edição de maio da Harper’s Bazaar, uma revista que, quando ela era adolescente, a modelo costumava associar a “velhas fotos de mulheres brancas magérrimas”.

Lee é uma modelo negra de Atlanta que usa manequim 44 a 46. É um tamanho que se enquadra à média das mulheres americanas, mas que no setor de moda costuma ser descrito como “plus size”.

Embora a relevância das revistas tenha sido colocada em questão nos últimos 10 anos, Lee acredita que as imagens de capa ainda importam. Elas documentam a história, refletem as mudanças sociais e definem a percepção pública do que é beleza.

“Isso é algo por que venho batalhando desde que me tornei modelo”, ela disse. “Para mim, tudo sempre girou em torno da transformação da imagem que vemos em torno dos corpos negros, especialmente os corpos das mulheres negras de tamanho não tradicional”.

Lee também batalhou pela contratação de mais talentos negros para as sessões fotográficas, pessoas que saibam como iluminar, aplicar maquiagem e produzir o cabelo de modelos negras. Nas ocasiões em que ela chegou a um estúdio no qual “não havia pessoas não brancas na equipe de moda”, disse Lee, “tive de fincar o pé e dizer que não trabalharia com as pessoas que estavam lá”.

“Não quero me envolver em algo que não tenha uma equipe expansiva”, prosseguiu Lee. “Não faz sentido. Acho que esse é o verdadeiro motivo para que eu já venha trabalhando como modelo há anos e as pessoas ainda me vejam como uma cara nova. Talvez, se no passado eu tivesse me preocupado mais com fazer sucesso e menos com ser fiel a mim mesma –se eu não tivesse tentado lutar pelo que acho certo–, o sucesso poderia ter acontecido antes”.

Lacy Redway, uma cabeleireira muito experiente no ramo da moda, diz que muitas de suas clientes batalharam por sua contratação para sessões de fotos porque se sentiam confortáveis com o trabalho dela. Antes de 2019, ela disse que a única revista em que ela trabalhava regularmente com uma equipe toda negra era Essence, uma revista feminina negra. Ao trabalhar para outras publicações, ela muitas vezes era a única pessoa negra no estúdio.

“Isso pode criar uma sensação de solidão”, ela disse. “Alguém pode não entender seu ponto de vista ou os desafios que você encara”. Um fotógrafo que não conheça bem o estilo “box braid” de tranças talvez não saiba que o penteado requer horas de trabalho.

Redway foi contratada recentemente para fazer tranças no cabelo de uma modelo para a capa da edição de setembro da revista W e, “porque a equipe era toda negra, o fotógrafo não reclamou da demora”, ela disse.

Como outros talentos negros, Redway disse que vem sendo chamada para mais trabalhos nos últimos 12 meses, o que ela atribui à reação das revistas e anunciantes a críticas e cobranças. Mas os trabalhos não diminuíram depois da maré inicial, o que ela vê como sinal promissor de que a mudança veio para ficar.

“Eu só queria que ela não precisasse ter vindo de uma situação de uso da força”, disse Redway. “Queria que acontecesse de forma mais genuína e que o motivo para que essas oportunidades surjam para os artistas negros ou não brancos seja o fato de que eles as merecem”. “Era mais do que hora”.

Tradução de Paulo Migliacci

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