Estilo

Miss Brasil 2019 diz que o cargo permite e exige que ela seja feminista, 'mas sem extremismos'

Mineira Júlia Horta, 24, diz que mulher trans também é mulher

Júlia Horta é a mineira eleita Miss Brasil 2019 Instagram/Júlia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Fábio Luís de Paula
São Paulo

A mineira Júlia Horta, 24, chegou à final da competição para se tornar a Miss Brasil 2019 com suas bandeiras bem definidas: feminismo e igualdade. E foi assim que levou o título, a coroa e a vaga para disputar o Miss Universo deste ano —ainda sem data e local definidos.  

“A miss pode e deve ser feminista, mas entendendo o real sentido disso, sem extremismos”, afirmou a jornalista e influenciadora digital cerca de duas semanas após a conquista do título. “Como uma representante da beleza e do empoderamento feminino, a miss entra para apoiar essas causas.”

Horta, no entanto, avalia que muitos ainda não entendem o movimento: “As pessoas confundem feminismo com femismo. O feminismo busca justamente essa igualdade que ainda não existe. A maioria das mulheres ganha menos que os homens. Sofremos assédio todos os dias nas ruas e o feminicídio é uma das maiores mortes do nosso país”. 

Ao ser questionada sobre um exemplo de mulher empoderada, a miss não tem dúvidas: Michelle Obama. Ela a aponta como responsável pela chegada do marido, Barack Obama, à Presidência dos EUA. “Ela foi respeitada pelos homens e tinha opinião própria. Uma força gigantesca. Lutou muito contra o preconceito e pra mim é um exemplo.”

Além do empoderamento feminino, Horta também destaca a questão das mulheres transgênero, que começam a encontrar seu espaço também nos concursos de beleza tradicionais. “Mulher trans é mulher, então tem que estar em concurso para mulheres. Se eu perdesse para uma trans, não teria problema, pois teria sido por merecimento”.

Em janeiro deste ano, a carioca Náthalie de Oliveira, 24, fez história como a primeira candidata transexual ao Miss Rio de Janeiro, uma das etapas que seleciona as candidatas ao Miss Brasil. Já a espanhola Ángela Ponce, 26, foi a primeira mulher trans a ser escolhida Missa Universo, em dezembro de 2018. 

RUMO AO MISS UNIVERSO

Agora morando nos Jardins, região nobre da capital paulista, Horta se prepara agora para disputar o Miss Universo. Ela é natural de Juiz de Fora (MG), mesma cidade natal da Miss Brasil 2007, Natália [Guimarães], que fez história ao sagrar-se vice Miss Universo no seu ano —a vitória ficou com a japonesa Ryo Mori.

“Cada miss me encanta por uma postura. Mas uma referência pra mim e acho que pra todo mundo é a Natália Guimarães. Ela é da minha cidade, é de Minas e chegou muito longe no Miss Universo. Ela falou comigo após minha vitória e disse que, se eu precisasse de alguma coisa, estaria à minha disposição”.

Horta foi coroada no dia 9, durante a 65ª edição do Miss Brasil, realizado pela Band e pela Polishop. Firme, segura e desembaraçada, a agora Miss Brasil conquistou o júri e o público com força no posicionamento vocal e discurso politizado e social. No total, 27 misses disputaram o posto. 

Com a vitória, levou para Minas a nona vitória no certame e quebrou um jejum de oito anos do estado --a última vitória de uma conterrânea foi em 2010, com Débora Lyra. Assim, Minas fica em segundo lugar no quadro de medalhas do Miss Brasil, atrás apeas do Rio Grande do Sul, que levou até agora treze coroas para casa. Ambos seguidos por Rio de Janeiro e São Paulo, com oito títulos cada. 

Veterana em concursos de beleza —já participou de oito— Horta diz à Folha que não acredita que o título foi ganho por ser a mais bonita. Ela também falou sobre crises de ansiedade, política, religião e casamento. Veja mais abaixo: 

REPRESENTANTE DA BELEZA

Queria me tornar modelo. Realmente achava que ser miss era só desfilar e ser eleita a mulher mais bonita. Quando conheci, vi que não era só isso e fiquei apaixonada. Vi que era um espaço onde eu poderia trabalhar com a minha imagem e também dar minha opinião, me expressar, representar e ajudar outras pessoas. Para mim, a miss é uma representante da beleza como um todo: é uma mulher que luta por causas, se expressa, é um exemplo e fala por outras mulheres e por pessoas que talvez não tenham voz na sociedade.

EU ME AMO MUITO

Foi um conjunto de fatores. Com certeza eu estava muito preparada, mas o ponto primordial foi que eu estava completamente confiante de que eu poderia ganhar. Eu me amo muito de verdade, depois de muito tempo investindo em autoconhecimento. Finalmente cheguei num ponto onde não me amo por ser bonita, mas por tudo que carrego. 

MISS DE CARREIRA

Iniciei em 2014 e participei de oito concursos até agora. Sou miss de carreira. Acredito que foi uma das coisas que me ajudou e me diferenciou. Você chega para um confinamento de dez dias, que é cansativo e puxado, e pode se abalar. Mas eu sabia como ia ser. Se você quer participar de um concurso grande como é o Miss Brasil Be Emotion, começar de uma coisa menor para entender como é, se é sua praia mesmo, e se preparar, é interessante.

MAIS PREPARADA

Se os concursos de miss continuassem numa comparação puramente estética, acho que eu não gostaria de participar. Eu não acho que ganhei porque era a mais bonita fisicamente. Tinham mulheres incríveis lá, mas acho que realmente eu era a candidata mais preparada para aguentar tudo aquilo e o pós-concurso, pois é muito trabalho. Eu estava ali muito disposta a encarar o Miss Universo. Eu acho que o problema não é o concurso de beleza, é você mesma, sua cabeça e o que você leva em conta. Hoje em dia eles avaliam uma pessoa que seja completa, a inteligência dela para ser uma voz. 

AUTOCONHECIMENTO

Há mais ou menos dois anos eu estava em dúvida se continuava com concurso, se virava influenciadora, ou se eu era jornalista. Eu tinha me perdido no meio dessa confusão toda. Senti que precisava parar um pouco para entender quem era a Júlia de verdade. Então comecei a ler uns livros de autoajuda e conheci a meditação e a yoga. Me encantei pois vi o impacto positivo que teve na minha vida desde então e não parei mais. Isso tudo faz você olhar pra você e entender que as respostas estão todas dentro da gente.

ANSIEDADE

Já tive crises de ansiedade muito fortes. Tive minha primeira crise na época do vestibular. Quando participei de concurso de beleza também tive. Mas eu não acho que seja uma coisa específica, é porque você é uma pessoa que já tem tendência a ter uma crise de ansiedade. E aí qualquer momento de pressão te desestabiliza. Eu não sou uma profissional da área, então coloco no Instagram a minha experiência, para mostrar que existe como superar. 

INFLUENCIADORA DIGITAL

Me tornei influenciadora digital por causa dos concursos de beleza, pois eu precisava de apoio de roupa pra participar, de tratamento e tudo mais. Depois de vencer o Miss Brasil, meus seguidores quase que quadruplicaram até agora. Tinha 75 mil e agora já estou com mais de 300 mil. Compartilho sobre autoconhecimento, autoestima, empoderamento e tenho um público bem misto. Claro que muita gente começou a me acompanhar por eu ser miss, pois na minha cidade eu fui a primeira depois de Natália Guimarães, que também é de lá. 

MISS X CASAMENTO

Sou solteira em sentido de não ser casada, mas tenho namorado. Já são seis anos juntos. Ele nunca foi um impedimento para nada. É uma pessoa muito discreta e não gosta de exposição. Sobre a miss não poder ser casada, é uma regra muito antiga e, como sempre foi assim, eu nunca pensei de outra forma. Mas acredito que as coisas estão sempre mudando e, se bobear, daqui a pouco pode [mudar de novo. Teve uma trans no Miss Universo, isso já é um avanço muito bacana para o concurso. É diversidade. 

MULHER TRANS É MULHER

Pra mim a mulher trans é uma mulher. Então, ela tem que estar em um concurso para mulheres. E acho muito importante que o Miss Universo dê essa entrada, justamente por ser o maior concurso de beleza, não precisade um concurso só para trans. É minha opinião. Se eu estivesse num “top 2” com uma trans e perdesse, não teria problema, pois teria sido por merecimento. Acho que isso [ser trans] não é o que vai diferenciar se ela teve mais oportunidade ou menos que eu.

PESSOA DE MUITA FÉ

Eu, como miss, tenho que propagar a mensagem do respeito, pois acho que o que mais falta no nosso país é o respeito à opinião dos outros. E fé é fé, não se discute. Não considero que eu tenha uma religião, mas sou uma pessoa de muita, muita fé. Fui formada com a minha família na religião católica, mas o Deus com quem eu falo é algo maior. Acredito que tudo no mundo é energia e que Deus é essa energia também. Se você vibra numa energia positiva, se tem pensamentos bons, se quer conquistar alguma coisa para ajudar outra pessoa, essas coisas acontecem. 

POLÍTICA

Não sei se considero que gosto de política. Acho que é necessário e todo mundo deveria, pelo menos, ter uma base. Se a gente perde a fé na política, a gente perde a fé na humanidade. O que falta mesmo é que a população entenda o quanto ela tem poder ativo nisso, nesse processo. O cenário que o Brasil viveu nas últimas eleições, de muitas brigas políticas, muita rivalidade de um candidato com o outro, fez as pessoas entenderem que precisam estudar e votar melhor. Tem como melhorar se a gente participar, não dá para ficar só reclamando.

FEMINISMO

Eu acredito que as coisas estão mudando, tem muita evolução já para a mulher, mas falta muita coisa. Eu falo muito de feminismo, mas as pessoas confundem feminismo com femismo. O feminismo busca justamente essa igualdade que ainda não existe. Já tem muitas mulheres ocupando posições de liderança, mas ainda assim, a maioria dessas mulheres ganha menos que os homens que fazem as mesmas coisas que elas. E a gente sofre assédio todos os dias nas ruas, o feminicídio é uma das maiores mortes do nosso país, então eu acredito que a miss, como uma representante da beleza feminina, do empoderamento feminino, ela entra muito também para apoiar nessas causas. E por isso eu falo que me considero feminista. 

BANDEIRA MISS

Eu levanto muito a questão do respeito e da empatia, essa é minha bandeira. Dentro disso, acredito que a mulher, que é o que eu sou e represento, ainda é uma classe que passa por muitos desafios. Assédio; feminicídio; relacionamentos abusivos, em que a pessoa perde sua identidade; autoconfiança; amor próprio... Me considero uma militante do feminismo, mas do feminismo real. Eu não tenho ódio nenhum pelos homens, só acho que as pessoas não podem ignorar o fato de que as mulheres ainda são muito assediadas, mortas, não têm os mesmos direitos e tudo mais. 

SORORIDADE

Mais do que feminismo, pra mim o principal é sororidade. Eu vejo que muitas mulheres falam de feminismo, mas na hora que uma mulher é estuprada, a primeira coisa que uma outra mulher aponta, muitas vezes, é que ela estava de saia curta. Eu prego então que as mulheres respeitem umas as outras. Como que a gente exige respeito de outras pessoas se a gente não se respeita? Sororidade pra mim é justamente o respeito e empatia entre as mulheres. É uma apoiar a outra e entender que a outra tem direitos de usar a roupa que quiser sem ser julgada. As mulheres julgam muito umas às outras, e eu acho que sororidade é o fim desses julgamentos. É você dar a mãozinha à coleguinha e falar: "a gente está junto nessa".

 
 

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem