'Naked Boys Singing' põe dez atores e até pianista pelados no palco
Musical sobre o corpo masculino e suas idiossincrasias ganha nova versão
Musical sobre o corpo masculino e suas idiossincrasias ganha nova versão
"Pinto, pau, rola, verga, bilau, jeba, mala, cacetinho"... A certa altura do espetáculo "Naked Boys Singing!", que estreia neste sábado (16) na sala Paschoal Carlos Magno do Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo, um coral formado por dez homens nus transforma diversos sinônimos populares de pênis em uma sinfonia com ares clássicos.
Essa é só uma das abordagens —que vão do cômico ao melodramático— relacionadas ao órgão sexual masculino feitas durante o musical, que ganha sua segunda versão no Brasil pelas mãos do diretor Rodrigo Alfer. Em 2003, a peça já havia sido montada na capital paulista por Zé Henrique de Paula.
Desta vez, a ideia de montar o espetáculo veio em 2019, após uma peça autoral de Alfer, que abordava a diversidade sexual com foco no público juvenil, não ser aprovada no ProAC (Programa de Ação Cultural do governo de SP). "Fiquei frustrado e resolvi fazer uma peça sem cenário, sem figurino, com todo mundo nu", brinca.
Quando se deparou com o texto do americano Robert Schrock, percebeu que era exatamente o que buscava. Com uma série de esquetes sobre o corpo masculino e suas idiossincrasias, a peça foi encenada pela primeira vez em 1998 em Los Angeles, mas fez sucesso no circuito off-Broadway, em Nova York, onde se tornou a segunda produção mais longeva em cartaz.
Ele também pensou que colocar em primeiro plano a diversidade e encenar um texto com declarada simpatia à causa LGBTQIA+ era uma ótima resposta à onda conservadora pregada pelos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). "É uma peça sobre libertação, para dizer que nossos corpos estão aqui", comenta.
O texto começou a ser ensaiado em seguida, mas a pandemia adiou a estreia. Durante um bom tempo, os atores só se encontraram por videoconferência. Em setembro, voltaram aos ensaios presenciais, sem roupas, mas com máscaras —conforme o F5 presenciou na semana passada.
Entre os personagens, há um diarista que trabalha nu, um judeu que relembra sua circuncisão e um ator pornô do interior que não quer ser reconhecido apenas pelo membro de proporções avantajadas. Embora sejam tratados temas atemporais, como masturbação e ereção involuntária, as letras das músicas ganham uma roupagem atual com expressões como "boy padrão", "nudes", "ganhar biscoito" e até uma citação à plataforma de conteúdos adultos OnlyFans.
Ao contrário do que se possa imaginar, não faltaram candidatos para estrelar o musical. Depois de circular o anúncio de que a peça seria realizada, mais de 500 atores se interessaram em participar. Alfer diz que era fundamental para a seleção, além de saber cantar, dançar e atuar, ficar à vontade com a nudez em público.
E não é para menos, já que durante os 15 atos da peça, os atores ficam com os corpos bastante expostos. Mesmo quando há figurinos, os tecidos são transparentes, deixando quase nada para a imaginação. "Aqui, a luz não vai apagar", diz o número de abertura. "Ninguém vai te julgar se você olhar."
"Foi mais fácil do que eu pensava", garante Victor Barreto, 32, que está no elenco e divide seu tempo entre os ensaios e o trabalho como técnico judiciário. "Rola um constrangimento nos primeiros minutos, mas depois você esquece. "Às vezes a gente fazia alguns ensaios com roupa, quando estava frio, mas hoje já prefiro fazer pelado."
Tiago Prates, 35, também não teve problemas para se despir em cena, já que é praticante do naturismo. "Para mim, a nudez não é tabu", comenta. "Quando li a primeira música, já pensei: 'Estou no lugar certo'. A peça uniu meus dois mundos, já que sou ator e naturista."
Porém, não foi tão fácil assim para todos os membros do elenco. "Sou muito inseguro com o meu corpo, mas a nossa arte é maior do que isso", avalia João Hespanholeto, 20. "Quando cheguei no palco e vi todo mundo pelado, fui me acostumando. Não que a ansiedade tenha sumido de uma hora para a outra. Minhas inseguranças ainda estão aqui comigo. É um processo."
Durante a peça, até o pianista que acompanha as músicas entra na roda e toca as composições sem roupa. "No começo foi um pouco assustador", lembra o músico Gabriel Fabbri, 34. "Na música, a gente aprende a ter muito respeito pelo instrumento e pela arte. Não pode tocar nem de chinelo! Eu estava bem travado no comecinho, mas foi uma questão de adaptação."
Outra questão, mesmo com quem não tem tanto problema com a nudez em cena, é com as famílias. Como vai ser quando seu pai e sua mãe vierem assistir à peça? "Vai ser estranho, não sei se vou olhar diretamente nos olhos deles", entrega Silvano Vieira, 24.
Já André Lau, 28, conta que a mãe evangélica já disse que não irá assistir à peça, mas o ator conta com o apoio do pai. "Ele é super desconstruído", comemora.
Para Rodrigo Alfer, mesmo que o órgão sexual masculino já esteja sendo mais exposto nos últimos anos, seja em filmes ou séries de streaming, ainda há muito tabu com relação à nudez do homem. "Até pouco tempo, é como se o homem não tivesse pênis", afirma.
"Isso é reflexo da nossa cultura judaico-cristã, mas tem uma nova geração que está rompendo com isso", avalia. "O feminismo ajudou nisso, porque antes a mulher era colocada como objeto, mas o homem não podia ser colocado nesse lugar."
Ele diz entender que o espetáculo, cujas sessões para o final de semana de estreia já estão esgotadas, pode provocar bastante curiosidade pelos corpos nus, mas quer que ele gere principalmente reflexão. "Sabemos que muita gente virá só para ver os atores pelados", diz. "Mas esperamos que, mesmo essas pessoas, saiam tocadas. Não sei se é petulância, mas se um espectador conseguir enxergar além disso, já terá valido à pena."
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