'Cidade Invisível' resgata folclore brasileiro para adultos e o apresenta a público internacional
Série de Carlos Saldanha para a Netflix está entre as mais vistas em 40 países
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Gerações de brasileiros cresceram com o Sítio do Pica-Pau Amarelo, lendo os livros de Monteiro Lobato ou assistindo às numerosas adaptações para a TV. E não são poucos os que acreditam que o Saci-Pererê, a Cuca e outras figuras fantásticas, recorrentes nas aventuras de Emília, Pedrinho e Narizinho, tenham sido criados pelo escritor paulista.
Esses personagens, é claro, fazem parte do nosso folclore –ou da nossa mitologia, como defendem alguns. Resultado da mistura de crenças indígenas, africanas e portuguesas, eles assombram há séculos a imaginação do Brasil, mas, no século 20, foram relegados ao universo infantojuvenil.
"Cidade Invisível", que estreou na Netflix no dia 5 de fevereiro, chegou para ressignificar essas criaturas e lançá-las no mundo moderno. Carlos Saldanha, o criador da série, afirma que se inspirou em produções internacionais como "American Gods", que introduz deuses e semideuses em contextos contemporâneos, sem a menor cerimônia.
Saldanha se consagrou com diretor de filmes em animação de enorme sucesso, como “O Touro Ferdinando” e as franquias “Rio” e “A Era do Gelo”. Recebeu duas indicações ao Oscar. Antes de “Cidade Invisível”, nunca havia trabalhado num projeto em live-action, com atores em frente às câmeras.
A primeira temporada tem apenas sete episódios, dirigidos por Júlia Pacheco Jordão e Luis Carone. Mirna Nogueira foi a chefe da equipe de roteiristas, que trabalhou em cima de uma trama desenvolvida por Carolina Munhóz e Raphael Draccon. Carlos Saldanha aparece nos créditos como criador e produtor executivo.
O protagonista é Eric Alves, um fiscal ambiental –o terceiro papel de Marco Pigossi em uma série da Netflix, depois de participações na australiana "Tidelands" e na espanhola “Alto Mar”, e o primeiro em português. O ator mostra que está fazendo falta na Globo: sua atuação madura, perfeitamente calibrada, transmite a dor de um homem que passa por uma enorme perda logo no primeiro capítulo, e aos poucos descobre o segredo que envolve seu passado.
Crimes misteriosos vêm acontecendo no Rio de Janeiro, quase sempre na decadente –e extremamente fotogênica– região central da cidade. Um boto cor de rosa, um animal dos rios amazônicos, é encontrado morto na praia do Flamengo. Depois de colocado na caçamba de uma caminhonete, o bicho assume forma humana. Intrigadíssimo, Eric segue as pistas e penetra, sem querer, na cidade invisível do título da série: um mundo povoado por seres fabulosos, que passam despercebidos no cotidiano da metrópole.
Este mundo é liderado informalmente pela Cuca, de aparência muito diferente do réptil de peruca loura a que nos acostumamos. Alessandra Negrini traz sensualidade e poder para essa versão feminina e brasileira do bicho-papão, usando até a cantiga “Nana Nenê” para seduzir suas vítimas. Também é ótima a sacada de fazer o Saci (Wesely Guimarães) usar uma prótese, para disfarçar a ausência de uma perna.
Mas o destaque do elenco é mesmo Fábio Lago, que literalmente pega fogo como o Curupira. O personagem só se revela em toda sua glória na reta final da temporada, para um desfecho apoteótico.
São muitas as qualidades, mas "Cidade Invisível" não é perfeita. Há uma certa barriga entre os episódios dois e quatro. Pouca coisa acontece, e o espectador fica ansioso para ver logo as criaturas em ação. O ritmo engrena do quarto capítulo em diante, deixando um belo gancho para a segunda temporada.
Que, aliás, ainda não foi confirmada, mas é bastante provável que isto aconteça em breve. "Cidade Invisível" chegou ao primeiro lugar entre os programas da Netflix mais vistos no Brasil, e está entre os Top 10 de 40 países, de Portugal a Omã. Parece que a plataforma finalmente conseguiu produzir uma série brasileira de repercussão mundial.
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