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Tony Goes

Sem aprender com os fiascos anteriores, Silas Malafaia convoca mais um boicote risível

Pastor criticou a Natura por incluir Thammy Miranda em campanha do Dia dos Pais

Pastor Silas Malafaia e Thammy Miranda - Paula Giolito/Folhapress@thammym
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Em 2015, o pastor Silas Malafaia investiu contra a perfumaria O Boticário. Indignado com um comercial para o Dia dos Namorados que mostrava casais do mesmo sexo, o líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo convocou seus seguidores a boicotarem a marca. Deu super certo: as vendas de O Boticário despencaram, e a empresa abriu falência alguns meses depois.

Em 2017, Malafaia se revoltou com a Disney, que incluiu um beijo gay na série em animação “Star vs. As Forças do Mal”. Novamente convocou seus seguidores, e novamente foi bem-sucedido. Incapaz de fazer frente a tamanha ira santa, o segundo maior conglomerado de mídia do mundo soçobrou. Hoje, ninguém mais se lembra de quem foi Mickey Mouse.

É óbvio que eu estou sendo irônico. Tanto O Boticário quanto a Disney continuam de vento em popa, faturando bilhões e expandindo seus negócios. As duas empresas tampouco alteraram suas políticas de inclusão e representatividade, que provocam faniquitos em reacionários como Malafaia.

Mas o pastor carioca não aprendeu nada com esses dois vexames a que ele mesmo se submeteu. Nesta terça (28), ele foi ao Twitter propor um boicote à Natura, que incluiu o ator transexual Thammy Miranda entre as celebridades que participam de sua campanha para o Dia dos Pais. “Vamos boicotar a Natura! Coloca (sic) uma mulher para fazer papel de homem no Dia dos Pais. Uma afronta aos valores cristãos. Somos a maioria!”, diz o tuíte.

O português sofrível da mensagem é o menor dos problemas. Para começar, o Dia dos Pais não é uma data do calendário cristão. É, basicamente, uma efeméride inventada pelo comércio para alavancar as vendas no mês de agosto. Mas é claro que é possível prestar uma merecida homenagem os pais sem gastar um tostão.

Thammy Miranda tampouco é mulher. Sim, ele nasceu com a morfologia feminina, mas nunca se conformou com seu sexo biológico e, alguns anos atrás, transicionou. A transexualidade é confirmada pela ciência e respaldada pela legislação brasileira. Não cabe a Malafaia, nem a nenhum de nós, dizer a qual gênero Thammy pertence. Só ao próprio Thammy.

Por fim: “somos a maioria”? Somos quem? Não é de hoje que Silas Malafaia tenta projetar um poder que nunca teve. O pastor fala muito e fala alto, mas poucos ouvem suas palavras. Haja vista o desastre dos boicotes à Disney e a O Boticário.

O mais triste de tudo isso é que o moralismo fake de Malafaia ignora solenemente o belo conceito da campanha de Dia dos Pais da Natura, “#MeuPaiPresente”. Além do trocadilho de cunho comercial, a hashtag também valoriza os pais que participam da vida dos filhos.

Num país onde é imenso o número de mães que não contam com nenhum tipo de apoio masculino, onde milhões de pessoas tem “pai desconhecido” na carteira de identidade, Malafaia prefere cerrar fogo num homem trans, que lutou para ter e criar seu próprio filho.

Assim como a Disney e O Boitcário, a Natura é uma entidade capitalista, e é bastante capaz que tenha previsto que sua campanha atual suscitaria polêmicas. Seria um marketing cínico, se a empresa também não fosse responsável por dezenas de ações de cunho social. De resto, a simples presença de Thammy Miranda entre os pais selecionados já manda uma forte mensagem política.

Também é possível que Silas Malafaia saiba perfeitamente que este terceiro boicote que convoca também está fadado ao fracasso. O pastor pode estar protagonizando um reles golpe publicitário, para gerar comentários na internet e conseguir algum espaço na mídia.

Conseguiu. Mas será que vale a pena ficar conhecido como um líder que não lidera quase ninguém?

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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