Tony Goes

Documentário 'A Terra É Plana' na Netflix expõe uma das crenças mais bizarras da atualidade

Filme trata bem os terraplanistas, mas sem endossá-los

Sistema solar
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São Paulo

Esqueça o que você aprendeu na escola. Ignore as evidências acumuladas durante milhares de anos. A Terra não é uma esfera, e sim um disco achatado cercado por uma cordilheira gelada. Sobre ela há um domo e dois pontos de luz que se alternam: o Sol e a Lua.

Até os antigos egípcios tinham uma cosmogonia mais sofisticada do que esta, aceita como verdadeira por um número crescente de pessoas. São os adeptos do terraplanismo, um movimento anti-intelectual que ganhou força nos últimos anos, movido a vídeos no YouTube protagonizados por figuras carismáticas sem nenhum embasamento científico.

O americano Mark Sargent é um deles. Um cinquentão simpático, que ainda mora com a mãe e se veste de boné, bermudas e camisetas que o identificam como um dos sumo-sacerdotes da nova seita. Sargent também é o principal personagem do documentário “A Terra É Plana”, já disponível na Netflix.

O filme de Daniel J. Clark entrevista vários outros adeptos do terraplanismo, e também cientistas e psicólogos que tentam explicar o apelo de tamanho despautério. Mas, em nenhum momento, o diretor expõe os terraplanistas ao ridículo – prefere deixar que eles mesmos o façam.

Ao longo do documentário, são conduzidos dois experimentos para provar que a Terra é plana. Um deles envolve um giroscópio; o outro, um raio de luz que deve passar por orifícios em placas de madeira bastante afastadas entre si.

Quando o resultado desses testes mostra exatamente o oposto do que os terraplanistas esperavam, será que eles se convencem de que a Terra é esférica? Claro que não. Um movimento que vai contra a ciência não pode ser derrubado pelo método científico, não é mesmo?

Um psicólogo explica que a crença no terraplanismo faz parte da identidade dessas pessoas. Se mudarem de ideia, elas correm o risco de perder os amigos que fizeram na comunidade – já existe até mesmo um site de encontros exclusivo para terraplanistas.

Um cientista defende que eles não merecem o escárnio, mas consideração. São mentes inquisidoras, que podem ser valiosas para a ciência. Cabe a ela, portanto, atraí-los de volta para a luz.

Mas os terraplanistas não estão nem um pouco interessados nisto. Desconfiam de tudo: da NASA, da mídia, dos governos, do “sistema”. Só quem corrobora suas teses alopradas é que merece alguma credibilidade.

“A Terra é Plana” acompanha Mark Sargent durante um momento especialmente delicado: um eclipse solar, que é impossível de ser explicado pelo terraplanismo (assim como as marés, as estações do ano e os aviões que sobrevoam o Pólo Sul). Mas o cara não se rende às evidências: prefere rir e seguir em frente.

Acreditar no terraplanismo não é “liberdade de opinião”, como defendem os fiéis da seita. É estupidez em estado bruto. É querer compensar a falta de estudo e de sucesso pessoal com a crença em uma teoria da conspiração que não faz o menor sentido.

“A Terra É Plana” trata os terraplanistas com carinho, mas também faz um alerta. Se hoje eles parecem inofensivos, também podem se tornar perigosos a médio prazo, como a turma contra as vacinas já é. Em pleno 2019, não há o menor cabimento em discutir o formato do nosso planeta. Mas é do interesse de todos que ele não seja dominado por malucos.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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