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Tony Goes

Pabllo Vittar faz política mesmo cantando sobre amor e festa

'Não Para Não', novo álbum da drag queen, foi lançado às vésperas da eleição

Pabllo Vittar "Não Para Não"
Pabllo Vittar durante ensaio para o disco 'Não Para Não' - Pedrita Junckles
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Como é que pode? O mesmo país que talvez eleja um extremista de direita como presidente da República é o mesmo cujo maior fenômeno pop da atualidade é uma drag queen que embaralha as fronteiras do gênero.
 
Ciente dessa contradição, Pabllo Vittar lançou seu segundo álbum às vésperas do primeiro turno da eleição. “Não Para Não” foi disponibilizado nas plataformas de streaming às 21h desta quinta-feira (4), pouco antes do último debate entre os presidenciáveis.
 
É um trabalho político? Não, se as letras forem levadas ao pé da letra. Pabllo continua fiel à fórmula que o/a levou ao topo das paradas de sucesso no ano passado. Suas músicas falam de amor e festa, sem nenhum posicionamento muito explícito. Seriam “alienadas”, no entender das antigas patrulhas ideológicas.

No entanto, estão na voz de Pabllo. Uma drag com voz fina e nome de homem, que não faz questão de ser tratada no masculino ou no feminino. Para ele/a, tanto faz. E ainda posa desmontada, sem maquiagem, revelando o ator por trás do personagem. E ainda mostra o peito liso, como que para insistir que não é 100% mulher.

“Não Para Não” é intenso e rápido. Nenhuma das dez faixas chega aos três minutos de duração. Quem esperava um aceno aos mercados internacionais vai se surpreender: o som de Pabllo está mais brasileiro do que nunca, com timbres de brega, axé, sofrência e marchinha de carnaval.
 
Também vai se decepcionar quem torcia por uma mensagem mais densa. Nem a defesa dos direitos LGBT, de que Vittar se tornou porta-voz ao romper com a marca de calçados cujo dono apoia Bolsonaro, se faz presente. Não há sequer uma sucessora de “Indestrutível”, a faixa autobiográfica que fechava o álbum anterior, “Vai Passar Mal”, e que serviria de trilha sonora para uma campanha anti-bullying.
 
Mas é bobagem querer que Pabllo erga bandeiras. Ele/ela já é todo um estandarte desfraldado. Um agente progressista infiltrado nos programas de auditório, cantando duetos com estrelas sertanejas que parecem suas antípodas.
 
Pabllo Vittar cumpre hoje um papel semelhante ao de Ney Matogrosso em 1973. No auge da ditadura militar, os Secos e Molhados (o grupo do qual Ney era o vocalista) explodiram em sucesso popular. O visual andrógino, o rebolado, o desbunde, tudo isso ia contra a moral imposta pela censura e pela repressão.

As letras dos Secos e Molhados também não eram de protesto – pelo menos, não explicitamente. Muitas eram poesias de autores consagrados, bastante sofisticadas. Pabllo não chega a tanto, mas nem por isto é menos subversivo.
Ao se expor sem medo, ao exercer seu direito ao prazer, ao falar diretamente com um público carente e imenso, Pabllo Vittar é o mais político de todos os artistas brasileiros em atividade.
 
Único representante da onda “queer” da MPB que rompeu o nicho de cult, ele também se recusa a assumir o papel da “bicha da família brasileira”, inofensiva e subserviente. É sexualizado, sim; é inconveniente, saliente, questionador. Não é à toa que seus detratores vivem dizendo que “dessa vez Pabllo Vittar foi longe demais”.
 
“Não Para Não” não foi tão longe assim. Mas só de ficar onde já estava, nesses tempos cada vez mais sombrios, já faz de Pabllo Vittar um herói da resistência.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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