Thiago Stivaletti

'A Regra do Jogo', uma novela boa no momento errado

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João Emanuel Carneiro é um autor esperto. Depois de uma Flora e uma Carminha, ele tinha dois personagens de moral ambígua em "A Regra do Jogo": Romero (Alexandre Nero) e Zé Maria (Tony Ramos). O primeiro virou vilão logo no primeiro capítulo, tentou ficar bom ao longo da novela e virou um grande ponto de interrogação. O segundo levou muitos capítulos para mostrar que era bandido, pareceu se regenerar no final, mas tinha alma de bandido mesmo —e psicopata.

O último capítulo abriu com o embate entre esses dois. Como era de se esperar, Romero provou que não era tão mau assim, e Zé Maria ordenou a execução do próprio filho, Juliano (Cauã Reymond). Descobrimos que Zé matou também a querida Djanira (Cássia Kiss), que muita gente não perdoou oautor por tê-la tirado da novela tão cedo. Um tiroteio cheio de supresas, que teminou com a morte do primeiro, e o segundo indo para a cadeia. Zé Maria, o psicopata, matou mãe e filho, Romero e Djanira, mas não teve coragem de atirar na própria cria. Novela pura.

Carneiro encerrou sua novela como começou: com supresas, reviravoltas e finais inesperados. Atena, a bandida que amávamos, teve um único dia de casamento e felicidade para logo perder o amado Romero.

Sobrou-lhe sua segunda paixão: o dinheiro. Foi dela a melhor frase do capítulo, para Zé Maria: "Enquanto tu apodrece na cadeia, eu vou gastar teu dinheiro pelo mundo". Ao final, a última grande surpresa na cartola do autor: ela teve um filho de Romero.

Foram quase duas horas de último capítulo contando os intervalos, com direito a um recheio longo e desnecessário. Duas passagens de tempo, com longos anos entre uma e outra e crianças crescidas. O longo casamento de Adisabeba (Susana Vieira), as dezenas de mães dos filhos de Merlô —uma ideia já gasta, com fala machista de Adisabeba: "É tudo periguete!" Claro, seu filho só estava cumprindo a função de reprodutor...

Mais para o fim, outra revelação: quem matou Gibson (José de Abreu) foi a filha Kiki (Débora Evellyn). Nada mais justo: uma filha que passou 20 anos sequestrada pelo próprio pai, longe do resto da família.

Tóia (ou Chatóia), a personagem mais chata da novela, tinha passado os últimos capítulos na cadeia, para não atrapalhar o resto. Ao sair, finalmente fica com Juliano e monta um hospital batizado com o nome de Romero, "o homem que me deu um filho e salvou a vida do meu amor". Segundo ela, "há muita coisa boa e ruim para lembrar do Romero, e eu prefiro ficar com a parte boa".

"A Regra do Jogo" foi uma novela boa, de trama ágil, mas no momento errado. O Brasil conseguiu superar a trama louca da Globo e oferecer mais reviravoltas que uma novela policial. Ao final do "Jornal Nacional", já estava todo mundo cansado de bandidagem e corrupção e queria mais ver a paz de Moisés e seus Dez Mandamentos.

A criminosa Facção foi finalmente desmantelada pela polícia, os dois maiores cabeças (Gibson e Zé Maria) foram punidos com a morte e a cadeia, mas passou-se uma borracha no histórico criminoso de Romero, o protagonista. Afinal, ele era mesmo de mentirinha e mal conseguia matar alguém. Agora, é seguir a novela da vida real que se desenrola em Brasília e na Polícia Federal e ver se ela imita a ficção em seus desfechos.

 

 

Thiago Stivaletti

Thiago Stivaletti é jornalista, crítico de cinema e noveleiro alucinado. Trabalhou no "TV Folha", o extinto caderno de TV da Folha, e na página de Televisão do UOL. Viciou-se em novela aos sete anos de idade, quando sua mãe professora ia trabalhar à noite e o deixava na frente da TV assistindo a uma das melhores novelas de todos os tempos, "Roque Santeiro". Desde então, não parou mais. Mesmo quando não acompanha diariamente uma novela, sabe por osmose todo o elenco e tudo o que está se passando.

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