O milagre de Paulo Gustavo
'Filho da Mãe' prova que humorista segue entre nós e que seus ensinamentos ainda nos tocam
Assisti "Filho da Mãe" (Amazon Prime Video), documentário que revela um pouco da intimidade de um dos mais queridos e talentosos artistas do Brasil, o insubstituível Paulo Gustavo que, no dia 4 de maio de 2021, morreu prematuramente por consequência da Covid-19.
Eu já estava mais ou menos preparada para rir, chorar e sentir saudade, o que de fato aconteceu. No filme, vemos o Paulo Gustavo que sempre conhecemos, espontâneo, criativo, engraçadíssimo —e também seu lado generoso e amoroso com a família, amigos e fãs.
No começo, até tentei resistir à emoção, mas acabei desabando em lágrimas com o casamento de Paulo e Thales Bretas e, depois, com a relação deles com os filhos pequenos, Gael e Romeo. O coração chega a apertar de tanto amor.
Como roteirista, cheguei a escrever algumas coisas para Paulo Gustavo, mas não convivi diretamente com ele. Mesmo sabendo muitas coisas de sua vida por amigos em comum, descobri algo que me impressionou: ele continua entre nós e seus ensinamentos ainda nos tocam. Um deles, o mais potente, é a forma como Paulo sempre se relacionou com sua mãe, a incrível dona Déa.
Normalmente, quando somos pré-adolescentes, passamos por uma fase em que criticamos muito os adultos, especialmente nossos pais e familiares, a ponto de quase sentirmos vergonha de suas atitudes e comportamentos. É comum que, nessa fase, a gente não queira que a mãe nos leve pela mão até a porta da escola. Sem contar que não tem pesadelo maior para um pré-adolescente do que a mãe da gente entrar na festinha dos nossos amigos e cair na pista de dança.
Paulo Gustavo não era assim. Ele via em sua mãe, suas tias e amigas da família, tipos humanos admiráveis. Ele não julgava, ele observava, aceitava, ria, curtia.
No filme há uma cena em que dona Déa, que era cantora em bares e casas noturnas, faz um pequeno show, e Paulo Gustavo, muito novinho, está com amigos numa plateia improvisada, atento, amoroso, observando sua mãe com encantamento.
Ele se valia dessas percepções como um cientista que faz uma descoberta preciosa para a humanidade. Porque foi isso mesmo que ele fez. Paulo descobriu tipos humanos que todo brasileiro reconhece e passou a imitá-los, a vesti-los, a dar vida a eles em suas apresentações.
Imitar sua mãe, criar tipos a partir de sua família, foi seu maior tesouro. Foi o sucesso de "Minha Mãe É uma Peça" que mudou sua vida e deu início a sua carreira meteórica, levando-o não só ao sucesso no teatro e na TV, mas também no cinema. Paulo conseguiu a proeza de se tornar recordista de bilheteria do cinema nacional.
Além de sua genialidade como artista, Paulo Gustavo tinha um tipo especial de "inteligência relacional". Ele conseguia observar as pessoas sem julgá-las. E, mesmo quando expunha características dos outros, escancarando seus comportamentos, não havia maldade, apenas verdade. Foi isso que me pegou. Por causa de Paulo, eu tive vontade de me tornar uma pessoa melhor, menos crítica, verdadeira, mas sem agressividade, sem raiva.
Paulo tem esse poder, de fazer a gente acordar para o desejo de sermos mais tolerantes, mesmo nesse mundo das redes sociais, onde passamos horas e horas, todos os dias, julgando a tudo e a todos, geralmente de forma injusta e agressiva. Ele faz isso mesmo não estando mais aqui. E isso é, sim, um milagre, um milagre do tamanho infinito do coração de Paulo Gustavo.
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